Especial do D.O.: Condephaat luta pela preservação do patrimônio cultural paulista

Conselho tem quase 500 bens tombados e 46 mil processos em andamento

qua, 10/09/2003 - 10h11 | Do Portal do Governo

Por Claudeci Martins


Da Agência Imprensa Oficial
Bairros, prédios, parques, florestas, ruas. São exemplos do que pode ser tombado e receber a denominação de patrimônio cultural. “Basta conter reconhecido valor significativo e ser representativo para a sociedade”, define o presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), José Roberto Melhem.

“Ao tombar um bem e assegurar a sua preservação, o Condephaat atesta que ele tem qualidades materiais ou simbólicas. Resguarda-se o patrimônio social para que o cidadão, ao entrar em contato com ele, possa ter uma visão do seu passado, entender o presente e fazer projeção do futuro.”

Para definir um bem como de interesse coletivo, equipe técnica do Condephaat faz uma série de investigações. Identifica o objeto, descobre a origem, verifica a integridade e avalia o significado para o contexto no qual está inserido.

Cratera de Colônia

O mais recente processo de tombamento, o de uma cratera gigantesca localizada em Parelheiros, na zona sul da capital, exigiu estudos de oito anos. Os técnicos examinaram todos os dados para concluir que sua estrutura possui valor geológico, científico e ambiental.

A chamada cratera de Colônia formou-se pela depressão da queda de um asteróide, ocorrida há milhões de anos. “Ela é a única dos oito exemplares existentes no Brasil que está íntegra e com os contornos bem definidos. Daí sua importância para futuras prospecções científicas”, justifica Melhem.

Decisão colegiada

A iniciativa de tombar bens, normalmente parte do Condephaat – caso da cratera – e dos proprietários. Mas qualquer pessoa que julgue que um bem tenha importância social pode encaminhar proposta de tombamento aos órgãos de preservação.

Ao receber uma solicitação, o Condephaat avalia se é cabível abrir processo de estudo de tombamento. Quem autoriza o início das pesquisas é um colegiado composto de 25 membros, que decide no voto e com base nos pareceres técnicos.

Escolhidos em lista tríplice pelo governador, os conselheiros são representantes das secretarias de Estado, universidades públicas, Institutos Históricos e Geográficos, igreja, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e do Instituto dos Arquitetos do Brasil.

Sendo aberto um processo de estudo, cria-se, automaticamente, a proteção provisória para evitar demolições, reformas ou alterações do bem em análise. Esse resguardo temporário prevalece até a decisão final. Caso seja tombado, será protegido de forma definitiva. Caso contrário, encerra-se o procedimento.

Conjunto Nacional

É nesse estágio de estudo que se encontra o processo de tombamento do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. Desde a resolução dos conselheiros, proferida em 2001, o imóvel não pode sofrer qualquer intervenção ou remoção sem a prévia autorização do Condephaat.

A justificativa para tornar o prédio patrimônio cultural, deve-se ao seu valor arquitetônico, histórico e afetivo, explica o arquiteto responsável, Flávio Luiz Moraes. “É um exemplar representativo da arquitetura moderna e paulista da segunda metade do século 20 que teve grande influência norte-americana.”
Moraes espera concluir os estudos em dois meses. Finalizada esta etapa, o processo segue novamente para os conselheiros. Agora, eles irão decidir se o edifício será ou não reconhecido como patrimônio paulista.

Em caso afirmativo, a documentação segue para a Secretaria de Estado da Cultura (SEC) homologar. Por ser uma divisão dessa pasta, o Condephaat não tem autonomia para oficializar o tombamento.

Condephaat poderá multar

Melhem esclarece que se a decisão do Condephaat não for respeitada, – inclusive a proteção provisória – abre-se ação de denúncia no Ministério Público (MP) ou na Procuradoria Geral do Estado (PGE) contra os responsáveis pelas modificações não-autorizadas.

Mesmo não sendo uma autarquia, – como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que tem poderes para mover ações e também para se defender – o Condephaat poderá multar quem violar bens tombados ou protegidos, se for aprovada lei nesse sentido.

“Já existe um decreto-lei que, se for sancionado pelo governador, vai nos autorizar a multar, via SEC. Isso é importantíssimo. A única sanção que temos hoje é a denúncia ao MP ou à PGE. Com o novo decreto poderemos agir com rapidez.”

Já a questão da fiscalização dos bens tombados esbarra na falta de recursos humanos, de acordo com Melhem. “Hoje temos quase 40 pessoas trabalhando no Condephaat. São 23 técnicos, e os demais são funcionários e estagiários que atuam na administração ou informática.”

Museu da energia

Tombado pelo Condephaat, o antigo casarão do aviador Santos Dummont, localizado na região central, está passando por reformas para abrigar o Museu da Energia. A previsão é que fique pronto para as comemorações dos 450 anos da cidade.

No local, serão expostos o acervo fotográfico e peças da Light. Serão exibidas fotos de São Paulo feitas pela empresa em dois momentos, em 1902 e 1934. As imagens mostram a cidade deixando de ser colonial para seguir perfil europeu.

Light e Estação da Luz

Como exemplo dos novos parâmetros de preservação, Melhem cita a transformação do prédio Mackenzie (antiga Light) no Shopping Light. “O novo uso ajudou a dinamizar o comércio da região central.”
Enumera também o projeto de recuperação e revitalização da Estação da Luz. Elaborado em conjunto com os três órgãos de preservação, – Condephaat, Iphan e Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) – o programa cria o espaço cultural A Estação Luz da Nossa Língua.
“Houve resistências de alguns técnicos. Mesmo tendo uso compatível, caráter reversível (pode voltar ao projeto original) e dupla leitura (histórico e atual), demorou para se chegar ao consenso.”

A dupla leitura pode ser notada na Sala São Paulo. Basta observar as cores da madeira para perceber as marcas da construção histórica e as das adaptações. O antigo pátio interno conserva o tom escuro; já nas alterações, predomina a tonalidade clara.

Preservação tardia

No Brasil, a história da preservação do patrimônio brasileiro é tardia. Começou com a criação do Iphan, em 1937, durante o governo de Getúlio Vargas. Contou com a colaboração de Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Afonso Arinos, Lúcio Costa e Carlos Drummond de Andrade.

A criação do Condephaat, em 22 de outubro de 1968, pelo então governador Abreu Sodré, deu-se dentro desse mesmo espírito. Estruturou-se a partir da intelectualidade paulista.

Enfoque monumental

“Nessa época, a definição do que era patrimônio estava marcada pelo caráter nacionalista e tinha enfoque no monumental. Prova disso é que os dois primeiros tombamentos são de grandes construções.” O Solar do Major Novaes, na cidade de Cruzeiro, foi o primeiro bem tombado, em 25 de junho de l969.

O Condephaat guarda uma telha de reposição desse casarão. No mesmo ano, o Solar do Barão de Jundiaí foi reconhecido como patrimônio histórico.

Entre os bairros tombados, destaca-se o Pacaembu, antiga fazenda de criação de cabras. O caminho extremamente sinuoso desenhado pelos animais aliviava o esforço de se deslocar nos grandes desníveis do terreno. Como as ruas mantiveram o traçado original, o pedestre não “sente” as ladeiras.

Quase 500 bens tombados

Entre os bens tombados por suas qualidades ambientais estão a Serra do Mar, Serra do Japi e Serra da Mantiqueira (trecho da Cantareira). Já Bananal, São Sebastião, Cananéia e Iguape destacam-se como núcleos históricos.

Ao todo, o Condephaat já tombou quase 500 bens. Existem 46 mil processos, em andamento, referentes a tombamento, restaurações e revitalizações.

O Livro do Tombo – onde se registram os bens tombados – é chamado de cérebro vivo de São Paulo porque os processos de tombamento podem ser reabertos a qualquer tempo.

Memória viva

Além dos enormes livros do tombo, o Centro de Documentação do Condephaat – recentemente informatizado – possui três mil exemplares sobre arquitetura e urbanismo, história, geografia, museologia, fotografia e pré-história.

O acervo é composto de livros antigos e novos. A obra ‘Expressões do Brazil no Século 20’, da Lloyds, de 1913, é quase uma relíquia. Embora a biblioteca seja aberta ao público em geral, os freqüentadores são os universitários, pesquisadores e técnicos.

SERVIÇO

O Condephaat fica na Rua Mauá, 51, 2o andar, região central da cidade. O Centro de Documentação funciona de terça a quinta-feira, das 9 às 17 horas.

(AM)