Especial D.O.: Celulose bacteriana pode ser utilizada em curativos e coletes à prova de balas

Versatilidade da celulose bacteriana deve-se ao fato de ser quimicamente pura

ter, 03/08/2004 - 11h31 | Do Portal do Governo

Um curativo que substitui, temporariamente, a pele humana e um material para revestir coletes à prova de balas são dois novos produtos que estão para chegar ao mercado. O que há de comum entre eles é a utilização da celulose produzida pela bactéria Acetobacter xylinum, um microrganismo encontrado na natureza, principalmente nas frutas em decomposição.

Mais importante componente da madeira, a celulose é conhecida pelo uso na fabricação de papel. Além da origem vegetal, é obtida também de bactérias, algas e até de animais marinhos invertebrados. A vantagem da celulose bacteriana é que, após vários procedimentos industriais, passa a ter grande resistência mecânica e se torna impermeável a líquidos, mantendo a permeabilidade a gases.

Para conhecer melhor as propriedades desse material e descobrir novas formas de aplicação, a empresa Bionext Produtos Biotecnológicos, de São Paulo, fez parcerias com pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), câmpus de Araraquara, e do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP).

A bactéria, para captar melhor o oxigênio, produz longas microfibras de celulose que se aglutinam na superfície de um meio líquido, formando uma zoogléia (espécie de capa de consistência gelatinosa). Depois de retiradas desse meio, purificadas, secas e compactadas, essas microfibras transformam-se em finíssimas películas de celulose pura com potencial para uso em múltiplas aplicações médicas e industriais.

Pele artificial

De acordo com o cirurgião plástico e diretor da área médica da Bionext, Lecy Marcondes Cabral, a película de celulose pode ser usada em queimaduras e em outros procedimentos das áreas de cardiologia, neurologia e odontologia. Em perdas de pele causadas por trauma mecânico ou por úlceras crônicas, a película funciona como substituto temporário desse tecido.

“É um curativo biocompatível que soma na nossa busca por um substituto de pele ideal”, diz Cabral. Chamado de pele artificial, o curativo é colocado sobre a lesão, após assepsia. Fica grudado no local e, quando a pele nova cresce, cai como se fosse uma crosta. Os pacientes em tratamento podem tomar banho de chuveiro e ficar expostos ao sol.

Permeável a gases e impermeável a líquidos, a pele artificial forma barreira bacteriológica, deixando o ferimento respirar. Outra vantagem é a possibilidade de atenuação ou mesmo a eliminação da dor nesses pacientes. Segundo o cirurgião plástico, o curativo reduz o tempo de tratamento e, com isso, diminui também o custo das internações de doentes com queimaduras e com feridas crônicas.

As aplicações na área médica não se limitam ao curativo. Estudos apontam que a celulose bacteriana tem potencial para substituir, em casos de traumas ou tumores, a dura-máter – membrana externa, espessa e fibrosa que envolve o cérebro e a medula espinhal. No procedimento de angioplastia, utilizado para desobstruir as artérias coronárias em processo de aterosclerose, a película poderá eventualmente revestir o stent, pequena malha metálica usada como sustentação mecânica para impedir que a artéria volte a se fechar.

Pureza química

Para o desenvolvimento de materiais destinados à fabricação de placas blindadas e compostos utilizados em coletes à prova de balas, a Bionext tem orientação de uma empresa especializada em blindagem. ‘Testes de balística mostraram que o material é altamente resistente’, diz o professor Bernhard Joachim Mokross, do IFSC, coordenador do projeto nas universidades.

Outra forma de utilização é a produção de papéis especiais que podem contribuir para a preservação de documentos históricos. Até o momento foram feitos testes físicos com a película, que avaliam a resistência e a transparência do material.

Os professores Younes Messaddeq e Sidney Ribeiro, do Instituto de Química da Unesp de Araraquara, estudam o uso das membranas de celulose em telas flexíveis luminescentes – que poderão servir a computadores, televisores, DVDs – com a espessura de uma folha de papel.

A versatilidade da celulose bacteriana deve-se ao fato de ser quimicamente pura. Isso significa que não vem acompanhada de nenhum outro composto orgânico, como ocorre com a vegetal. ‘O mais complicado para a indústria do papel é separar a celulose da lignina e da hemicelulose’, explica o professor Ribeiro. Além disso, trata-se de um polímero cristalino, o que a distingue de outras formas de celulose.

Todos os produtos obtidos até agora resultam de estudos pioneiros feitos com a bactéria Acetobacter xylinum pelo diretor científico da Bionext, Luiz Fernando Farah. O pesquisador identificou esse microrganismo quando trabalhava com plantas ornamentais.

Até chegar à membrana, dedicou bastante tempo e estudo ao seu projeto. Para resguardar sua descoberta, já que na época a legislação brasileira não protegia produtos médicos e alimentícios, a membrana foi patenteada como um curativo, ou uma órtese de pele, em 1985. Farah foi premiado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi), em 1996.

Em 2002, a Bionext resolveu investir não apenas no curativo, mas em todas as possíveis aplicações da membrana. Além de formar equipe muldisciplinar, desenvolveu equipamentos destinados ao aprimoramento da produção. A patente da membrana foi depositada no Brasil e está sendo estendida para Estados Unidos, Ásia e Comunidade Européia.

Dinorah Ereno – Da Revista Pesquisa Fapesp
Da Agência Imprensa Oficial