Educação: Número de docentes negros fica estagnado desde os anos 80

Em 20 anos, o espaço para professores na academia manteve-se inalterado

ter, 30/09/2003 - 11h04 | Do Portal do Governo

Da Agência de Notícias da USP
Por Simone Harnik

‘Além do número reduzido [de docentes afrodescendentes], acredito que as próprias instituições universitárias têm dificuldades em reconhecer o negro’

O último ingresso maciço de afrodescendentes na docência da universidade pública paulista ocorreu nos anos 80. A partir de então, o número de professores negros nas instituições de ensino praticamente não aumentou. Para a pesquisadora Maria Solange Pereira Ribeiro, o motivo é a diminuição da qualidade no ensino público. ‘Professores que entraram na vida acadêmica há 20 anos tiveram melhor formação’, afirma.

Em sua tese de doutorado apresentada à Faculdade de Educação (FE) da USP, Maria Solange buscou reconstituir a trajetória escolar e profissional de 17 docentes afrodescendentes de quatro universidades públicas do Estado de São Paulo. O objetivo foi mostrar quais foram suas oportunidades e como eles chegaram à carreira acadêmica.

O primeiro desafio de Maria Solange foi localizar professores. Em uma das universidades, entre 2.000 docentes, cinco eram negros, ou seja, 0,25%, sendo que a população brasileira é composta por aproximadamente 45% de afrodescendentes, segundo o censo demográfico de 2000.

‘Além do número reduzido, acredito que as próprias instituições universitárias têm dificuldades em reconhecer o negro’, comenta Maria Solange. Quando a pesquisadora tentou encontrar os docentes com a ajuda de funcionários, percebeu que os professores eram descritos como ‘morenos’, ou seja, evitava-se a palavra ‘negro’. Em outra situação, o próprio docente não se reconheceu como afrodescendente, ficando fora da pesquisa.

Maria Solange encontrou os professores para seu estudo a partir do Centro de Cultura Afro-Brasileiro Congada de São Carlos. O Centro indicou um docente que foi a chave para os outros contatos. Os professores selecionados contaram sua vida escolar e profissional à pesquisadora, porém ela preferiu não revelar seus nomes, já que nem todos concordaram.

Dos entrevistados, 15 estudaram em escolas públicas de alta qualidade. A maior parte deles manteve um bom desempenho, apesar das dificuldades financeiras pelas quais muitos passaram. ‘Um docente, num relato emocionado, acredita que a saúde da mãe foi comprometida devido ao sacrifício de oferecer condições para a educação dos filhos’, conta a pesquisadora.

Competência e preconceito

Segundo Maria Solange, os professores entrevistados tinham uma formação muito boa. A maior parte deles estudou na Europa, onde fizeram o pós-doutorado e dois, o doutorado. Vários deles entendem inclusive que sua competência pode ser uma estratégia para evitar a discriminação racial no ambiente de trabalho.

Há uma sutileza entre o que é manifestação racista e o que é competição profissional. ‘Um dos docentes contou que em nenhum momento tinha percebido racismo; só quando prestou o concurso para titular, nível mais alto da carreira acadêmica. Na percepção dele, um dos colegas disse algo como: ‘você já foi muito longe, já basta, não?’, isso por ele ser negro’, explica Maria Solange.

Outro professor deu o seguinte depoimento: ‘Como o indivíduo vai se tornar um professor, se ele não aceitar as nuances da discriminação? Os percalços existem, se eu não conseguir engolir, assimilar, e se não souber administrar tudo isso, como é que eu vou viver?

A pesquisadora percebeu também que, para aliviar o preconceito, alguns professores adotaram o casamento branco como passaporte de aceitação. ‘Um deles disse: ‘sou sócio do clube x e nunca fui discriminado, porque sou casado com uma mulher branca, descendente de italianos.’ Já as mulheres negras com atividades acadêmicas, ou permanecem solteiras ou se casam com homens com um capital intelectual inferior ao delas, pois o homem negro afirma não ter mulheres negras nos espaços que freqüenta’, conclui Maria Solange.

Mais informações podem ser obtidas no site www.usp.br/agen
V.C.