Educação: Jornal feito pelos índios conta sonhos e histórias da comunidade

Material faz parte da estratégia pedagógica aplicada nos cursos de Educação Indígena do Estado

qua, 12/02/2003 - 10h33 | Do Portal do Governo

Da Secretaria de Estado da Educação


Os índios das etnias Guarani, Kaingang, Tupi-Guarani, Krenac e Terena do Estado de São Paulo produziram jornais contando histórias, poemas, sonhos e reflexões sobre a preservação de sua cultura e a percepção da sociedade.

O material elaborado pelos índios faz parte da estratégia pedagógica aplicada no curso de Formação de Professores Indígenas para Educação Infantil e Ciclo I (1ª a 4ª série do Ensino Fundamental), oferecido pela Secretaria Estadual da Educação, que foi concluído em dezembro do ano passado. O jornal foi produzido nos pólos instalados nas cidades de Guarujá, Bauru e Tucuruvi.

As aulas foram ministradas pela Fundação da Faculdade de Educação da USP, em parceria com a Secretaria Estadual da Educação, e vai formar, até o final de setembro deste ano, mais 41 professores índígenas.

Os jornais trazem informações sobre campeonatos indígenas, direitos, receitas, encontros com educadores, cruzadas, crônicas e até coluna social.

No jornal produzido pelos índios Tupi-Guaranis, há uma piada curiosa: ‘Os padres catequizadores encontraram o cacique Tibiriçá e, fazendo amizade, perguntaram se ele queria ser cristão. O índio aceitou. O padre levou-o ao rio e mergulhou a cabeça do índio três vezes, dizendo que a partir daquele momento, Tibiriçá não seria mais Tibiriçá e, sim, João. No dia seguinte, uma sexta-feira, os padres ouviram um barulho à beira do rio e viram Tibiriçá ou João batizando uma paca. Dizendo as mesmas palavras do padre, repetiu: a partir de agora você não é mais paca e sim peixe, afundou três vezes a cabeça da paca na água. Em seguida, levou o animal para casa para comê-lo como peixe’.

Outras curiosidades compõem o jornal, como a receita de farinha de peixe, o qual, depois de assado, deve ser amassado num pilão até virar farinha e, depois, coado. Há, também, a receita cultural que ensina como manter em ‘forma’ as panelas de barro. O segredo: depois de pronta, coloque a panela sobre uma pedra, despeje cortiça seca e coloque fogo.

Dentre os deveres de um professor indígena, o aluno-professor cita o direito à terra; à riqueza biológica de sua área e do Brasil e aos materiais existentes na natureza, que permitem manifestações artístico-culturais de seu povo. Os direitos inseridos na Constituição Brasileira também são lembrados: ‘são reconhecidos aos indígenas a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens’.

Os textos também alertam para a questão ambiental. Além disso, reforçam costumes indígenas: ‘a festa dos pássaros são pequenos dramas musicados que acontecem em junho, no inverno. Representam uma caçada, a morte, a ressurreição de um pássaro’.

Para a coordenadora do Núcleo de Educação Indígena da Secretaria, profª Deusdith Bueno Velloso, ‘ o jornal foi construído durante as aulas de didática e reflete o currículo da escola, numa linguagem própria, onde eles usam as cores, os desafios e utilizam todos os códigos’.

Um dos pontos fortes deste canal de comunicação é a consciência da preservação da cultura indígena, como foi observado pela índia Jaciara Nhõboéa, da aldeia de Bananal, em Peruíbe. Ela escreveu o seguinte texto:

‘Em meio aos olhares desconfiados das matas, surgem pegadas em folhas secas, um caminho deixado pela natureza e seguindo este caminho, surge um indígena Tupi, deixando para trás os olhares ambiciosos dos indígenas que tentam segui-lo mas não conseguem, pois diante da agilidade e habilidade fica apenas a fumaça de seus rastos, depois de embrenhar-se na mata, some da mesma forma que aparece num piscar de olhos.

Assim é o indígena filho de ‘Nhanderú’ – representante vivo, com garra para defender a natureza e tudo o que ‘Nhanderú’ criou.

Esse é o espírito da selva, pronto para lutar pela preservação e respeito à natureza.

Como guardiãs, nós indígenas de todo o Brasil, nos preocupamos e defendemos as matas, a fauna, flora e mananciais com unhas e dentes e, se preciso, com a própria vida!’

(RK)