Educação: Escolas indígenas paulistas terão autonomia e ensino diferenciado

Professores índios ministrarão as aulas em Português e na língua indígena de cada comunidade

sex, 18/07/2003 - 9h18 | Do Portal do Governo

Da Agência Imprensa Oficial


Por Claudeci Martins

As escolas das aldeias terão autonomia para assegurar a valorização de suas culturas, afirmação e manutenção da diversidade étnica. Professores índios ministrarão as aulas em Português e na língua indígena de cada comunidade. É isso o que dispõe a deliberação do Conselho Estadual da Educação publicada na página 52 do Diário Oficial do Estado, de quinta-feira, 17 de junho de 2003. O Conselho também reconhece como escola indígena os estabelecimentos de educação básica, que funcionam em terras de reservas do Estado e definiu as normas para criar as instituições de ensino.

O calendário escolar, conteúdos curriculares e uso de material didático-pedagógico serão definidos com a participação dos índios, que ficarão encarregados de ministrar as aulas nas escolas indígenas. O novo modelo educacional quer garantir atendimento escolar diferenciado e de acordo com as diretrizes estabelecidas pela comunidade indígena.

“Nossas crianças vão ter um futuro melhor na escola da aldeia, porque poderão valorizar sua identidade. Não terão mais vergonha de ser índias, como eu tive com alguns professores, quando era obrigada a `aprender` que o novo povo não gostava de trabalhar e, por isso, os brancos tiveram de trazer os negros escravos para cá. Na classe, tinha de ouvir que o índio era sujo e andava nu antes do Brasil ser descoberto”, desabafa a professora Poty Porã da aldeia Guarani, do Jaraguá.

Ela faz parte do primeiro grupo de professores formados. Os novos mestres fizeram o curso nas cidades do Guarujá, Bauru e capital e integram a primeira turma do Curso de Formação de Professores Indígenas para Educação Infantil e Ciclo I (1ª à 4ª séries do Ensino Fundamental). Os 19 índios das etnias Guarani, Tupi-Guarani, Kaiagang, Krenac e Terena começaram a dar aulas nas escolas indígenas no início do ano.

Mais professores índios

A Fundação da Faculdade de Educação da USP, em parceria com a Secretaria de Estado da Educação, ministrou as aulas da primeira turma. Até o final de setembro vai diplomar mais 49 professores índios. O curso assegura aos mestres a formação mínima exigida por lei, e os inclui no quadro do magistério estadual como professor de educação indígena.

Para a coordenadora do Núcleo de Educação Indígena da secretaria, professora Deusdith Bueno Velloso, a iniciativa deve melhorar a qualidade de atendimento aos alunos indígenas nas escolas criadas em reservas do Estado e possibilitar a preservação da cultura desses povos.

“O projeto especial de formação de professor índio e de criação de escolas nas aldeias é pioneiro e representa um avanço para o alcance da cidadania dessas crianças. Antes, o direito à escola estava apenas no papel. O próximo passo será criar, em conjunto com a Faculdade de Educação da USP, o curso de nível superior.”

Predomínio do Guarani

Pesquisa realizada pela secretaria, em 1997, mostrou que 40% dominavam a língua étnica; 80% eram assíduos e 50% tinham bom aproveitamento escolar. Estudo constatou que 90% gostariam de estudar numa escola bilíngüe (Português e a língua de origem), e 80% preferiam um professor índio. Havia, também, grande distorção de idade-série.

Verificou também a existência de cinco etnias em São Paulo. A predominante é a Guarani, constituindo mais de 50%, seguida da Tupi-Guarani, Terena, Kaiagang e Krenac. Cerca de 85% das aldeias falavam Guarani e apenas 5%, Português.

Pelos dados da Funai, no Brasil vivem 345 mil índios, distribuídos entre 215 sociedades indígenas, perfazendo aproximadamente 0,2% da população. Esses números consideram apenas aqueles residentes em aldeias. Estima-se haver entre 100 mil e 190 mil morando fora das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas. Há também indícios da existência de 53 grupos ainda não-contatados e outros reivindicando o reconhecimento de sua condição indígena.

Segurança e proteção cultural

Os professores passaram por 3.040 horas de estudos nas áreas de Linguagem, Código, Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Fundamentos e Didática, compreendendo estágio supervisionado. Participaram das capacitações de planejamento no qual se definiu como seria aplicado o novo conhecimento. Os habilitados para as aulas de 1ª à 4ª também podem ensinar a língua e a cultura étnica para os alunos de 5ª à 8ª séries.

Elaborado com a participação dos índios, o curso também preparou os mestres para planejar as aulas de maneira pela qual a cultura de cada aldeia seja enfatizada. Eles criaram material pedagógico diferenciado e feito especificamente para a tribo. “Todo o conhecimento que recebi pretendo retornar à comunidade. Quero que as crianças possam transmitir a nossa cultura para as outras que virão. Sinto-me feliz fazendo esse trabalho”, diz Poty.

“Com a escola indígena, a cultura fica assegurada e protegida porque funciona dentro da aldeia e com educação bilíngüe. É isso que consideramos importante para nossas crianças. Quando saem da aldeia para a escola, elas aprendem a cultura branca e os seus valores. Na escola indígena vão valorizar a língua, os costumes e todo o universo cultural indígena. Nesse espaço, cada criança poderá se preparar para ser médico, advogado, o que quiser, sem deixar de ser índio.”

Escolas indígenas

Existem 23 aldeias em São Paulo e 50% delas têm escolas prontas e a outra metade está em fase de construção. Há cerca de 3 mil índios no Estado. Desse total, aproximadamente 1.300 são crianças e adolescentes. Há cinco anos, 451 alunos com idades entre sete e 14 anos foram atendidos. Esses números vêm aumentando.

No ano passado, 764 crianças e adolescentes estudaram nas escolas indígenas que integram o sistema de ensino estadual. A maioria, 487, é formada por alunos de 1ª à 4ª séries do Ensino Fundamental, que freqüentam aulas na aldeia de origem. Além do local apropriado, as aulas são bilíngües.

(LRK)