Cultura: Livro revela lado brincalhão de Guimarães Rosa

Obra mostra cartões, desenhos e textos que o mestre da narrativa fez para as netas

qua, 17/12/2003 - 11h00 | Do Portal do Governo

João Guimarães Rosa, um dos mais consagrados escritores brasileiros do século 20, deixou uma obra original pela forma narrativa e uso de palavras e expressões incomuns. Essas características fizeram dos textos do mineiro sério de Cordisburgo um dos mais estudados e comentados pelos críticos literários. O que poucos sabem, no entanto, é que ele também tinha perfil infantil e brincalhão, que vem à tona, agora, com a publicação de Ooó doVovô, co-edição da Imprensa Oficial do Estado, Edusp e Editora da PUC/Minas, lançado dia 12, na Livraria Cultura, Shopping Villa Lobos, São Paulo.

O livro reúne, em 74 páginas, cartas, cartões coloridos, desenhos, colagens e outros motivos infantis traçados por Guimarães Rosa para suas duas netas: Vera e Beatriz. Na verdade, não havia parentesco de sangue entre eles. As duas meninas eram netas de Aracy Moebius de Carvalho, que o escritor conheceu em 1938, no Consulado Geral do Brasil, em Hamburgo, Alemanha. Na época, Aracy estava separada de seu primeiro marido. Os dois viveram juntos por 30 anos até ele morrer em 1967.

O lampejo do livro

A cerimônia, comandada pelo bibliófilo (colecionador de livros) José Mindlin, lotou o auditório da livraria. Vera e Beatriz Tess, hoje adultas, compuseram a mesa de lançamento ao lado de Mindlin, que contou acalentar a idéia do livro desde 1998. Nesse ano, ele havia realizado palestra na PUC de Minas Gerais, durante o 1º Seminário Internacional Guimarães Rosa, e apresentado slides dos cartões do escritor dedicados às meninas.

Entusiasta da obra do mineiro, Mindlin confidenciou ao reitor da universidade, Geraldo Magela Teixeira, após a palestra: “Meu sonho é ver um dia estes papéis avulsos publicados em forma de livro”. O reitor imediatamente adotou a idéia e colocou a editora da PUC mineira à disposição da empreitada.

Nos anos seguintes, a tarefa de Mindlin foi convencer as meninas sobre a necessidade do livro. Vera relutou em aceitar. Alegava que os papéis eram íntimos e pessoais e não interessariam a ninguém. Temia que o público julgasse ser o livro uma autopromoção. Vera só deu o sinal verde à publicação em meados deste ano. Os papéis já estavam na Imprensa Oficial à espera da aprovação.

Dupla de respeito

Mindlin tomou conhecimento dos cartões de Guimarães Rosa quando Vera os levou para que dona Guita Mindlin, esposa dele, fizesse um trabalho de restauração e encapsulação com plástico. O material também foi admirado por um amigo do colecionador, não menos amante da literatura de Guimarães Rosa, o famoso professor e crítico literário Antonio Candido. Com esta dupla solicitando a publicação dos papéis, Vera não poderia mesmo resistir por mais tempo.

Vovô Joãozinho

Vera e Beatriz recordam-se de Guimarães quando ele morava com dona Aracy na casa da Rua Otaviano, no bairro do Arpoador, Rio de Janeiro, onde foram viver depois que voltaram da Alemanha. Elas o chamavam de vovô Joãozinho. Mestre da arte narrativa escrita, ele se saía bem contando histórias para as duas, e tinha muita paciência com as garotas.

O presidente da Imprensa Oficial, Hubert Alquéres, disse a respeito de Ooó do Vovô: “A admiração que sentimos pelo grande escritor fica mais forte depois desse livro. Sua preocupação em chegar às netas, na linguagem delas, é emocionante, da mesma forma que as meninas do vovô, como ele chamava Vera e Beatriz, tiveram a grandeza de compartilhar suas lembranças”. A publicação custa R$ 50,00. Como era de se esperar, o prefácio foi escrito por Mindlin e Cândido.

Os meninos de Cordisburgo

Durante a cerimônia de lançamento, um trio de adolescentes do Grupo Miguilin de Contadores de História narrou três contos de Guimarães Rosa. Marcos Vinícius de Oliveira, de 14 anos, relatou trechos de uma entrevista do escritor sobre sua infância em Minas Gerais; Maíra Corrêa Ferreira (12 anos) contou a história da cadelinha Pingo de Ouro; e Luana Ferreira Figueiredo (15 anos), a pedidos de Vera Tess, narrou o conto Fita Verde no Cabelo.

O Gupo Miguilin é formado por 57 jovens de 12 a 17 anos, de Cordisburgo (MG), terra natal de Guimarães Rosa. Eles se apresentam narrando, literalmente, contos do escritor no intuito de preservar e promover sua obra pelo Brasil. Também trabalham como monitores do museu da cidade dedicado ao ilustre conterrâneo.

Na ponta da língua

Criado há seis anos, o Grupo Miguilin tem na ponta da língua amplo repertório com textos da obra de Guimarães. As histórias são extraídas de Sagarana, Noites do Sertão, Grande Sertão: Veredas, Manuelzão e Miguilin, Primeiras Histórias, Tutaméia (Terceiras Histórias), Ave Palavra, Estas Histórias e Magma.

O museu fica na casa onde nasceu o escritor, em 1908. No local, o visitante pode ver documentos, fotos, diplomas, móveis, montarias e objetos pessoais do homenageado. O endereço, visitado por 500 pessoas todo mês, é Avenida Padre João, 744, Cordisburgo – MG. Telefone (31) 3715-1425.

Otávio Nunes
Da Agência Imprensa Oficial

(AM)