Corpo de Bombeiros: O que acontece em 24 horas no plantão de resgate

Soldados só pensam em terminar seu turno com a sensação do dever cumprido

qui, 20/01/2005 - 10h50 | Do Portal do Governo

Os repórteres da Agência Imprensa Oficial fizeram plantão de 24 horas numa unidade do Corpo de Bombeiros e acompanharam a rotina dos soldados que só pensam em terminar seu turno com esta frase: “Missão cumprida”

São 7h30. Começa mais um plantão no 2º Grupamento de Bombeiros Posto Casa Verde. O grupo de prontidão amarelo troca de lugar com o azul. Nas próximas 24 horas, seus integrantes serão responsáveis por todos os atendimentos de emergência da região. Depois de todas as formalidades de troca de equipe de prontidão, começa a arrecadação de dinheiro para comprar pão.

Os bombeiros, em poucos minutos, começam a verificar os equipamentos e os veículos. Tudo é testado. Desde a sirene até a motosserra. Às 8h45 dão uma volta pela região com as unidades de resgate e com os caminhões de salvamento. Param os caminhões numa praça e jogam água como se fosse um incêndio. Precisam ter certeza de que tudo funciona direito.

O dinheiro arrecadado no início do turno se transforma em dois grandes sacos de pães. Durante o café, hora de colocar as novidades em dia. Enquanto aguardam os chamados de atendimento, é comum vê-los dando orientações na porta do quartel. Dezenas de carros e pessoas procuram o posto para pedir informações sobre endereços.

Às 10h10 começa a educação física. Os bombeiros costumam, também, organizar partidas de vôlei para aproveitar o tempo entre uma chamada e outra. A educação física é interrompida meia hora depois por um chamado de uma vítima que tropeçou e caiu.

A equipe da Unidade de Resgate (UR), formada por três bombeiros, volta para o batalhão uma hora depois. Esse é o tempo médio para uma ação simples porque, além de prestar atendimento no local, a UR encaminha a vítima até um hospital, onde há uma série de procedimentos padrões a serem obedecidos.

Queda e parada respiratória – Quando o relógio marca pouco mais de meio-dia, o almoço (preparado no próprio batalhão) começa a ser servido. “É bom comer logo porque daqui a pouco…”. A previsão se confirma. Antes mesmo de começarem a comer, mais um chamado. Desta vez é um motoqueiro atropelado na Marginal Tietê. Em três minutos chegam ao local e prestam os primeiros atendimentos. Depois de imobilizado, o acidentado é levado à UR e segue até o pronto-socorro da Santa Casa, onde encontramos mais outras duas viaturas de resgate com pacientes.

Na entrada do pronto-socorro, o 3º sargento Sibaldi entrega os documentos e os objetos pessoais do motoqueiro. O paciente é acompanhado até a ortopedia, onde irá passará por exame de raios-X para averiguar a gravidade da lesão em seu pé. Os bombeiros permanecem no hospital até às 13h13. No retorno para o batalhão, recebem outra chamada pelo rádio de comunicação.

Chegam na Avenida Mandaqui às 13h27. Outra unidade do resgate da Casa Verde já está no local. A Unidade de Suporte Avançado (USA) sempre leva um bombeiro (que dirige a viatura), médico e enfermeira. Enquanto as duas equipes cuidam da senhora de 62 anos que sofreu uma parada cardiorrespiratória, um dos bombeiros precisa prestar socorro a uma familiar que se desespera diante da situação.

Todos estão acostumados a lidar com esse tipo de obstáculo, porém, fica visível a fragilidade deles quando retornam com a maca vazia para a unidade de resgate. Surge a confirmação, junto com a desolação estampada no rosto de cada um: “É… faleceu…”.

Durante os dois atendimentos, outra viatura foi atender a um motoqueiro que caiu e foi encaminhado a um pronto-socorro da região. Não era nada grave. “Ainda bem que o que mais atendemos são motoqueiros em acidentes que não são graves. Ainda bem”, pondera Erlon César de Lima Lopes. “Muitas vezes, o sujeito tem 35 anos e nunca fez um exame de sangue. Às vezes, por um pequeno tombo, acaba fazendo uma bateria de exames e acaba até descobrindo uma doença”, acrescenta o 3º sargento Erlon.

As duas unidades de resgate que prestaram o atendimento à senhora de 62 anos retornam ao quartel para o almoço. Já é tarde. A comida é esquentada no forno de microondas. Depois do almoço, a sala de televisão fica pequena. Todos se acomodam nos quatro sofás. Até mesmo Maloca (mascote do batalhão) procura um cantinho para se encostar. Aliás, a pequena cachorra não perde nada. Pouco usa sua casinha no fundo do quartel.

O breve descanso é interrompido pela aula. Todos começam a ler uma apostila de mais de 400 páginas. O objetivo é tirar uma boa nota na prova que a que serão submetidos em breve. O Corpo de Bombeiros realiza avaliações freqüentes. Os alunos com nota baixa são encaminhados para treinamento.

O tema da aula é escoramento. Como têm acontecido diversos deslizamentos na cidade de São Paulo, em virtude de fortes chuvas, julgam ser necessário recapitular a lição. A seriedade só é quebrada quando começa a circular uma pasta de desenhos entre os alunos. São caricaturas da própria equipe preparadas por um dos bombeiros.

A teoria cede lugar à prática. O cabo Anselmo Oliveira de Lima, do caminhão Auto-Salvamento Especial (ASE), faz uma demonstração para seus companheiros sobre o funcionamento dos cavaletes de escoramento. Todos fazem questão de testar.

O amor pela profissão fica evidente quando Anselmo começa a explicar como funciona cada pequena parte do caminhão onde trabalha. Além dos cavaletes, tem alicate hidráulico, oxigênio, desfibrilador (aparelho que dá choques elétricos no coração), imobilizadores e até um guincho, capaz de puxar dez toneladas.

No início da tarde, a USA vai atender um acidente de carros sem vítima na Avenida Imirim. Nas palavras dos bombeiros, “a vítima estava super bem”. É comum receberem chamados sem necessidade. Os bombeiros viraram sinônimo de atendimento ágil e eficiente. As pessoas acabam não tendo critérios ao chamar o serviço. O 3º sargento Erlon resume como é o seu trabalho: “É muito fácil ser bombeiro. Todo mundo gosta da gente”.

“Eu admiro demais o trabalho dos bombeiros”

Motoqueiro atropelado, carro no poste, motoristas bêbados – a noite é longa, mas, no fim, há sempre um sinal de reconhecimento

Já é noite e ainda faltam mais de 12 horas para o término do plantão dos bombeiros da Casa Verde. Às 19h14, mais um chamado na Avenida Imirim. Uma moto foi atingida por um veículo. O motoqueiro atropelado não tinha habilitação e queria fugir antes da chegada do resgate. Foi o motorista do carro que insistiu para que ele permanecesse no local para receber o atendimento. Em seis minutos, a vítima estava imobilizada dentro da UR. Mas foi preciso esperar 28 minutos até que uma viatura da polícia militar chegasse para preservar o local do acidente.

O motoqueiro chegou no Hospital do Mandaqui às 20h03. A UR permaneceu no hospital por meia hora, até que todos os papéis fossem preenchidos. Outro fator que costuma atrasar o retorno para o quartel é a falta de pranchas de transporte de pacientes. As pranchas circulam em todo o sistema de resgate do Estado. O paciente é entregue no hospital com uma prancha e a unidade de resgate deve pegar outra para repor o material. Mas nem sempre é assim. Quando não há outra prancha reserva no quartel e nenhuma disponível no hospital, o jeito é esperar. Não há como atender sem a prancha. Três unidades de resgate de outras localidades também aguardavam no local.

No retorno para o Batalhão, às 20h44, outro motociclista machucado. Desta vez, a situação era um pouco diferente. O motorista de um carro (que fugiu do local) resolveu abrir a porta para verificar algo fora do veículo. O policial militar que passava pela Marginal Tietê em sua moto foi atingido pela porta.

As pistas expressas da Marginal são interditadas por alguns minutos para que a vítima possa receber atendimento. Isso é feito em seis minutos e o soldado ferido é encaminhado para a Santa Casa, onde chega 16 minutos mais tarde. No pronto-socorro, os bombeiros do resgate permaneceram por apenas sete minutos.

A hora da pizza – Às 21h43, estão de volta ao Batalhão. Hora de comer pizza. Na sobremesa, sorvete. Até parece que estão descansados e participando de uma grande festa em família. Da sala de televisão saem grandes gargalhadas. A descontração é vista em vários locais. No armário, onde ficam as roupas de incêndio de uma das três equipes do posto, estão placas de identificação com apelidos como Bob Esponja, Girafa, Uva Passa, Orelhinha, Lacraia e Popozudo.

O clima muda quando a sirene dispara novamente às 23h38. Em menos de 30 segundos a equipe está na UR, que se dirige para a Avenida Rudge. Um jovem de 22 anos caiu ao descer de um caminhão de lixo onde havia se pendurado. Quando desceu, bateu a cabeça no chão, provocando um grande galo na cabeça. Assustada, a mulher que dirigia seu carro pelo local e quase passou por cima do garoto caído, declarou: “Eu admiro demais o trabalho dos bombeiros. Não há o que falar deles”.

O 3º sargento Sibaldi explica que o fato de ter um sangramento na orelha faz o caso se tornar grave. É o mesmo Sibaldi que sai com cara de espanto do pronto-socorro da Santa Casa perguntando: “Vocês viram o que aconteceu? O menino fugiu”. Nem sempre a vítima quer ajuda.

O jeito é retornar para o batalhão. Assim funciona a rotina (ou falta de rotina) em que eles vivem. A qualquer minuto pode surgir um novo chamado. Ninguém sabe se será um incêndio, um atropelamento ou uma parada cardiorrespiratória. O chamado pode ser ali pertinho do quartel ou pode ser mais distante, com o acesso mais complicado.

E o atendimento, em qualquer dos casos, precisa ser imediato. Estão sempre correndo contra o tempo. Quando são comunicados, o acidente já aconteceu. Não há mais possibilidade de prevenção. Não resta outra opção a não ser correr e tentar salvar a vítima. Em 30 segundos, estão dentro da viatura, devidamente uniformizados, com o endereço do local e já sabendo qual o tipo de atendimento será feito.

Dormindo de botas – No meio da madrugada (“relativamente tranqüila”, na classificação deles), os bombeiros procuram seus alojamentos para tentar descansar. Em cada quarto, caixas de som garantem que as sirenes serão ouvidas. Não há tempo para descer pela escada, assim dois grandes canos estão nos finais do corredor para que eles desçam rapidamente. Muitos descansam com suas botas calçadas. Qualquer minuto é decisivo.

“O cérebro da gente é engraçado. Quando estou aqui no quartel, durmo mal para caramba. Quando estou em casa, não acordo por nada”, explica Fernandes Dias da Trindade, que trabalha na Autobomba Escada. O cabo Trindade mora perto de Americana, que fica a mais de 130 quilômetros do posto da Casa Verde. “Não é difícil vir trabalhar, não”, garante.

Às 3 horas, quando só se ouve o som da televisão, a conversa na sala de telegrafia e o rádio da polícia, a sirene dispara novamente: acidente de carro na Marginal Tietê. A surpresa foi ver a “vítima” pulando os canteiros da pista. Na verdade, ele queria um guincho para o carro e não resgate médico. Nem isso tira a disposição dos bombeiros, que chegam de volta ao quartel às 3h37.

Minutos depois, às 4h04, dispara a sirene de chamado para a equipe da USA. É preciso dar apoio a outras unidades dos bombeiros que prestam atendimento a um acidente de carro na Avenida Francisco Morato, já quase perto da Rodovia Régis Bittencourt. Um casal bateu o carro em um poste. Dentro do veículo, garrafas de bebida alcoólica dão a pista do que pode ter acontecido.

Tirados das ferragens, as vítimas recebem atendimento de Cássio Girardi e de Rosimeire de Carvalho Bailomo, médico e enfermeira do posto da Casa Verde. Os dois são contratados pela Secretaria da Saúde, mas quem não sabe pode jurar que são bombeiros. A agilidade com que descem pelos canos e estão prontos para o atendimento é impressionante. O motorista é entubado na própria viatura. O transporte para o pronto-socorro é delicado. No meio do caminho, uma parada para mais um procedimento no paciente.

Enquanto isso, outras unidades de resgate da Casa Verde correm para prestar socorro em Santana. Um carro capotou, provocando cinco vítimas no acidente. “O carro parecia uma adega. Tinha garrafas de vinho, de cerveja. Tudo vazio”, relata um dos bombeiros que participou do salvamento.

São 6h02, o dia acabou de amanhecer, e surge o último chamado do plantão: mais um acidente de carro com vítima presa em ferragens. Mal dispara a sirene e bombeiro, médico e enfermeira já estão prontos dentro da USA.

Depois de 24 horas e mais de 200 quilômetros rodados, não há o mínimo sinal de cansaço. As divertidas provocações entre as duas turmas prosseguem, intercaladas com as formalidades da troca de equipe de prontidão. Agora quem ficará alerta nas próximas 24 horas será a turma verde. É hora de descansar. “Missão cumprida”, resume o 3º sargento Sibaldi.

Regina Amábile
Da Agência Imprensa Oficial