Comunicação: Programas de auditórios minimizam sensação de exclusão

Pesquisadora da USP verifica a identificação entre o público de classes baixas e os programas de auditórios

qui, 22/04/2004 - 11h06 | Do Portal do Governo

Do Portal da USP
Por Maurício Kanno

‘Esse é o universo da classe popular’, diz Carmen. ‘Não é baixaria o que se passa nesses programas, a não ser que você pense do ponto de vista da classe média e alta.’

Em sua pesquisa de mestrado, a jornalista Carmen Lígia Torres analisou nove programas de auditório. Venceu seu preconceito inicial e concluiu que realmente existe na sociedade brasileira, principalmente na classe baixa, o que é mostrado na TV. ‘As pessoas assistem porque se identificam’, diz ela. ‘E quando essas pessoas se vêem retratadas na TV, sentem-se pertencentes à sociedade, menos excluídas.’

A pesquisa, feita na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, enfocou o Programa do Ratinho, com Carlos Massa (SBT); Superpop, com Luciana Gimenez (Rede TV!); É Show!, com Adriane Galisteu (Record); Hebe, com Hebe Camargo (SBT); Programa Raul Gil, com Raul Gil (Record); Sabadaço, com Gilberto Barros (Bandeirantes); Domingo Legal, com Gugu Liberato (SBT); Domingão do Faustão (Globo), com Fausto Silva; Domingo da Gente, com Netinho de Paula (Record).

Foram os programas mais assistidos nas emissoras abertas, de acordo com números do Ibope do segundo semestre de 2002.

A pesquisa indicou que os programas se caracterizam pela variedade de quadros e cenas, presença de auditório e apresentador, além de estética, que inclui palcos, sofá, ambiente e linguagem pessoais e, freqüentemente, um espaço para assistência de carências.

A pesquisadora consultou livros e jornais e realizou quatro sessões de discussão com grupos de 11 mulheres de Itapecerica da Serra, SP, além de duas entrevistas individuais em profundidade com duas delas.

Ela verificou que os temas tratados são sempre populares, o que inclui dramas e aspectos do cotidiano. ‘Fala-se, por exemplo, de remédios à base de ervas, não reconhecidos pela ciência oficial’, diz a jornalista.

‘Esse é o universo da classe popular’, diz Carmen. ‘Não é baixaria o que se passa nesses programas, a não ser que você pense do ponto de vista da classe média e alta.’

De Chacrinha a Ratinho

A pesquisa constatou que o Programa do Ratinho é o que tem mais características de um programa de auditório. ‘Aquilo é uma festa, com humor, música, dança, comida e muita bagunça’, diz Carmen. ‘Mas também traz um forte apelo à família, com os dramas pessoais do quadro do DNA. Essas situações de carência das mães, em que os pais não reconhecem filhos, são freqüentes mesmo na sociedade.’

Quanto às figuras grotescas do programa, como a mulher gorda e o anão, teriam uma função irônica. Carmen afirma que os corpos deformados simbolizariam a imperfeição e dureza da vida dos humildes; mas também que não se deve dar importância a isso, pois a vida é passageira. A origem disso estaria em festas medievais.

Outro programa analisado, o do Netinho, se destacou no estudo pelo carisma do apresentador e pelo forte apelo psicológico e social, principalmente para as mulheres. De acordo com a pesquisadora, o quadro O Dia da Princesa, que realiza desejos das mulheres, suscitou comentários nas telespectadoras como ‘Ah, se eu estivesse lá, eu iria fazer de outra forma’, o que mostra uma identificação pessoal; mas também ‘ela precisa mais do que eu’, o que indica uma identificação social.

Em programas apresentados por mulheres, o objetivo é falar com o público feminino de forma mais íntima, e não fazer assistencialismo. A pesquisa apontou, por exemplo, uma identificação num programa em que Hebe fez perguntas indiscretas e pessoais para o cantor Leonardo. ‘Uma das entrevistadas disse que faria as mesmas perguntas’, comenta a jornalista.

Como contraponto, Carmen cita Chacrinha como o precursor dos programas de auditório. ‘A diferença era que ele ‘estava na massa’, também se fazia de bufão’, diz ela. ‘Não é como Ratinho, que se preserva como juiz, apesar de dar espaço para o popular.’

Mais informações podem ser obtidas no sitewww.usp.br/agen
V.C.