Comunicação: Discurso dos jornais sobre drogas é distante dos jovens

Segundo a USP, matérias sobre drogas não atraem os jovens freqüentadores de raves

sex, 23/04/2004 - 10h17 | Do Portal do Governo

Do Portal da USP
Por Júlio Bernardes

Segundo pesquisadora da USP que ouviu adolescentes entre 17 e 19 anos, o discurso padronizado do jornalismo afasta os jovens, pois não contempla suas diferenças. Assim perde espaço para discutir questões como a das drogas

Os textos jornalísticos sobre drogas, apesar do valor informativo, não conseguem abordar a questão de modo que a discussão contemple todas as diferenças entre os jovens. A constatação é feita pelos próprios adolescentes, ouvidos pela jornalista Marli dos Santos, na tese de doutorado Cenas e sentidos na tribo raver: a ordem da fusão. Estudo de recepção dos discursos jornalísticos sobre drogas pelos jovens ravers, apresentada na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.

A pesquisadora organizou dois grupos de adolescentes da Grande São Paulo que freqüentam raves (festa de longa duração com música eletrônica), com idades entre 17 e 19 anos, para discutir matérias sobre drogas publicadas na mídia. Além dos debates, Marli dos Santos também foi a festas acompanhada por jovens para identificar melhor os ravers.

Segundo Marli, os freqüentadores de raves têm em comum o gosto pela música eletrônica, pela festa, que proporciona um transe associado às batidas (chamado de ‘neotribal’) e pela convivência com o grupo.

‘Os novos significados dados aos espaços, às colagens de estilos musicais e os próprios códigos seriam uma forma de resistência à ordem estabelecida e de sobrevivência nas metrópoles’, explica. ‘A tribo raver propicia a seus participantes a socialidade, o afeto social, a aproximação e a identidade negada em tempos de globalização.’

De acordo com a pesquisadora, apesar de os grupos de discussão terem características sociais distintas, um de classe média alta e outro com moradores da periferia, as críticas sobre a mídia são as mesmas. Ela aponta que os jovens dizem que não são ouvidos pela imprensa, o que levaria a uma cobertura superficial da questão das drogas, e apontam generalizações como a relação entre uso de drogas e violência.

‘Eles disseram que a droga apenas potencializa a violência em pessoas que já tenham tendências agressivas’, relata. ‘Muitos adolescentes se informam sobre drogas na internet, e isto faz com que questionem o preparo dos jornalistas para abordar o assunto’.

Omissões

Os adolescentes também apontaram a omissão dos veículos de comunicação em questões como o envolvimento de policiais no tráfico, observa a pesquisadora. ‘Eles também questionam o fato de a imprensa ser contrária à liberação do consumo de drogas como cocaína e maconha, e ao mesmo tempo aceitar publicidade de bebidas alcóolicas e de cigarros’, diz. ‘Para os jovens, os repórteres deveriam mergulhar na realidade das raves, percebendo as diferenças que existem dentro do grupo.’

No segundo semestre de 2003, Marli coordenou um grupo de estudantes da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), que ouviu editores de publicações voltadas para o público jovem para saber como eles abordam a questão das drogas. ‘A maioria disse que dedica pouco espaço ao tema, pois afirmam não ter encontrado o modo ideal para abordar um assunto que consideram polêmico’, conta. ‘Um dos editores disse estar preso a uma ‘fórmula envenenada’, mesclando entretenimento e informação para atender uma necessidade do leitor e não ficar em desvantagem em relação aos concorrentes.’

A pesquisadora observa que apesar de as matérias jornalísticas sobre drogas terem valor informativo, elas precisariam mudar para atrair os adolescentes. ‘Ao invés de as empresas de comunicação verem o jovem como um consumidor, deveriam encará-lo como um cidadão, não apenas informando, mas também ajudando na educação’, afirma. ‘O discurso padronizado do jornalismo afasta os jovens, e se a mídia não está em sintonia, perde a oportunidade de discutir questões como a das drogas’.

Mais informações podem ser encontradas no site www.usp.br
V.C.