Citricultura: Pesquisadores encontram o provável vírus da morte súbita

Anúncio ocorre seis anos após o seqüenciamento genético da Xylella fastidiosa, que causa o amarelinho

qui, 16/10/2003 - 10h03 | Do Portal do Governo

Por Marcos Pivetta, da Agência FAPESP


Uma nova espécie de vírus é provavelmente a causa da morte súbita dos citros (MSC), doença de origem ainda não explicada que, após o aparecimento de seus primeiros sintomas, aniquila um pé de laranja em algumas semanas e representa atualmente a maior ameaça para a citricultura do Estado de São Paulo e do sul de Minas Gerais. Pesquisadores da Alellyx, empresa de biotecnologia ligada ao grupo Votorantim, identificaram em plantas com os sintomas da doença um vírus até então desconhecido, da família Tymoviridae, que parece ser o agente responsável pelo surgimento da MSC.

Embora ainda não haja certeza absoluta da associação da morte súbita com esse microrganismo, cujo genoma foi seqüenciado nos laboratórios da Alellyx, os cientistas batizaram-no, literalmente, de Citrus Sudden Death Virus (CSDV) – Vírus da Morte Súbita dos Citros – e pediu a patente sobre o uso de suas seqüências genéticas nos Estados Unidos. ‘Desenvolvemos também um teste que permite o diagnóstico precoce da doença’, diz Fernando Reinach, presidente interino da Alellyx, que investiu US 4 milhões em suas pesquisa com a morte súbita. Hoje a morte súbita, que afeta as raízes da planta e a priva de seus nutrientes, só é diagnosticada quando surgem os seus primeiros sintomas, geralmente dois anos após a ocorrência da infecção. Nesse momento, o pé de laranja já está condenado e não é possível salvá-lo. Menos de 1% dos 200 milhões de pés de laranja do sul de Minas e São Paulo apresenta a doença, mas suas taxas de expansão e letalidade são assustadoras.

Uma das evidências que indicam a forte possibilidade de o novo vírus ser o agente desencadeador da doença é um experimento feito com 110 pés de laranja, 53 com morte súbita e 57 sadios. No final do estudo, os pesquisadores da Alellyx constataram que cerca de 90% das árvores que apresentavam sintomas da doença tinham o CSDV e mais ou menos essa mesma porcentagem das plantas saudáveis não apresentavam o CSDV. Outro indicador da possível patogenicidade do recém-descoberto microrganismo é o fato de que os demais vírus da família Tymoviridae atacam vegetais (milho, grama, aveia e uva). No caso da uva, um desses vírus causa um problema nas raízes da planta, que guarda alguma semelhança com a morte súbita dos citros.

Nada disso, no entanto, serve de prova definitiva de que o CSDV é a causa da doença que põe em risco a citricultura paulista, que emprega 400 mil pessoas e gera exportações anuais da ordem de US$ 1,3 bilhão. Para que isso ocorra, é preciso injetar o novo vírus em plantas sadias e ver se elas desenvolvem a doença. ‘Já fizemos isso e esperamos ter os primeiros resultados daqui uns oito meses’, diz Reinach. ‘Só então vamos ter certeza absoluta de que ele é o causador da morte súbita.’

Além de terem descoberto o CSDV, os pesquisadores da Alellyx também encontraram oito mutações num outro tipo de vírus, o da tristeza dos citros, que podem estar relacionadas com a ocorrência da morte súbita. A tristeza é uma doença que quase dizimou os laranjais paulistas na década de 40. Alguns pesquisadores acreditam que alterações no material genético do vírus da tristeza possam ser a causa da morte súbita. Essa era a principal hipótese que circulava entre os técnicos, antes de entrar nessa história o CSDV. A Alellyx ainda não descarta totalmente a possibilidade de alguma forma do vírus da tristeza estar associada à morte súbita. Mas suas evidências nesse sentido são mais frágeis do que as que sustentam a tese de que o novo vírus, o CSDV, é o agente da morte súbita. De qualquer forma, na dúvida, a empresa também pediu uma patente sobre o uso das oito mutações descobertas no vírus da tristeza para o desenvolvimento de formas de diagnóstico, prevenção e tratamento da morte súbita.

Para o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, os resultados obtidos pela Alellyx são um testemunho de que é possível fazer, no Brasil, ciência de altíssima qualidade no ambiente empresarial. ‘Em especial, a pesquisa voltada à área tecnológica, que tem como objetivo resolver problemas’, comenta Perez. O anúncio da descoberta do provável agente causador da morte súbita ocorre seis anos após o lançamento da primeira iniciativa brasileira na área de seqüenciamento de genomas, o projeto da bactéria Xylella fastidiosa, que provoca outra doença em citros, o amarelinho. Os pesquisadores que fundaram a Allelyx participaram daquela empreitada pioneira, que foi financiada pela FAPESP.

(LRK)