Ciência: Médicos da USP desvendam ação de neurotransmissores em tratamento psíquico

Estudo da USP de Ribeirão Preto revela que quase 5 milhões de pessoas no País apresentam sintomas de ansiedade

qui, 27/02/2003 - 11h42 | Do Portal do Governo

Subitamente, o coração dispara. Falta ar e sobrevém uma aterradora certeza de que se vai morrer. Meia hora mais tarde, de maneira tão inesperada quanto surgiu, sem nenhum motivo aparente, esse estado de ansiedade extrema desaparece.

Após a primeira crise, que geralmente surge entre o final da adolescência e os 40 anos, as certezas e as seguranças se esvaem como se, de um momento a outro, um mundo de tranqüilidade desmoronasse. Assim, a pessoa passa a viver sob a ameaça constante de um outro ataque repentino, sem hora nem local para acontecer.

As transformações químicas e biológicas que disparam e, ao mesmo tempo, alimentam essas duas alterações emocionais – a mais amena, a ansiedade, e a mais profunda, a crise de pânico – são agora mais bem compreendidas e poderão ser combatidas de maneira mais eficiente, como resultado dos estudos sobre as substâncias glutamato e óxido nítrico feitos por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto.

A equipe do médico gaúcho Francisco Silveira Guimarães comprovou, em experimentos com ratos e em seres humanos, o envolvimento do glutamato e do óxido nítrico, cujas funções no sistema nervoso central ainda eram pouco conhecidas, nas manifestações de ansiedade, pânico e também em outro distúrbio emocional, a depressão, caracterizada por uma sensação de desânimo e de tristeza profundos e persistentes. Antes, só havia indícios dessa participação, não uma definição do papel específico que desempenham em cada problema.

Guimarães verificou pela primeira vez a participação do óxido nítrico na ansiedade, um desequilíbrio que afeta 4% da população adulta brasileira – quase 5 milhões de pessoas no país apresentaram pelo menos um episódio clinicamente identificado de ansiedade, marcado, em um de seus sinais mais flagrantes, por uma preocupação exagerada e persistente com fatos corriqueiros (será que o dinheiro vai dar até o fim do mês? Será que hoje conseguirei fazer todas as coisas que tenho que fazer?). A equipe de Ribeirão Preto verificou que as duas substâncias, atuando em conjunto com outras, acionam os mecanismos que levam ao transtorno do pânico, um distúrbio no qual os indivíduos apresentam mais de uma crise por semana.

Estima-se que cerca de 1,6% dos brasileiros tenha apresentado transtorno do pânico pelo menos uma vez durante a vida, de acordo com um estudo coordenado por Laura Andrade, do Instituto de Psiquiatria da USP, e publicado em julho de 2002 na Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology . O trabalho mostra também que, por razões ainda não totalmente compreendidas, as mulheres são 2,3 vezes mais propensas que os homens a desenvolver ansiedade e pânico e 1,6 vez mais propensas a ter depressão.

Comunicação entre neurônios

No organismo, o glutamato e o óxido nítrico atuam como mensageiros químicos – são os chamados neurotransmissores -, conduzindo informações de uma célula nervosa (neurônio) a outra. É dessa comunicação entre os neurônios que depende todo o funcionamento do organismo, do pensamento e ações conscientes, como os movimentos da mão de quem toca um instrumento, a processos involuntários, como a respiração. No sistema nervoso central, formado pelo cérebro e por órgãos agregados, como o tronco encefálico, o cerebelo e a medula e spin hal – responsáveis, em conjunto, pela manutenção geral do organismo -, há outros neurotransmissores, a serotonina, a noradrenalina e o ácido gama-aminobutírico (Gaba), mais bem estudados, que também influenciam o funcionamento dos neurônios.

A falta ou excesso de qualquer um deles altera o bem-estar emocional.Os resultados dos estudos da USP de Ribeirão Preto facilitam, em primeiro lugar, a compreensão dos mecanismos de ação de alguns medicamentos que aumentam a quantidade de serotonina no sistema nervoso central, uma das estratégias mais adotadas atualmente para combater a ansiedade, o pânico e a depressão, os problemas psíquicos mais comuns atualmente. Entre os mais usados está o fármaco fluoxetina, base do famoso Prozac, lançado em 1986, que faz com que esse neurotransmissor permaneça mais tempo em ação antes de se degradar.

Por Ricardo Zorzetto
da Revista da Fapesp. Mais informações podem ser obtidas no site www.revistapesquisa.fapesp.br

V.C.