Cidadania: Escola do Jardim Carumbé resgata dignidade do aluno

Antes abandonada e deteriorada, a unidade de ensino hoje é considerada modelo

ter, 29/10/2002 - 12h00 | Do Portal do Governo

Os corredores da Escola Estadual Professor Renato de Arruda Penteado, no Jardim Carumbé, Vila Brasilândia, antes de 1998, eram sujos e pichados com inscrições das gangues juvenis que lutavam entre si no bairro e no próprio estabelecimento de ensino. Havia também vidros quebrados e o mato tomava conta de quase todos os espaços.

Ao assumir o cargo de diretora da escola, a professora Eliana Bernardo de Mello não se intimidou: arregaçou as mangas e convidou a comunidade para pôr a casa em ordem. Hoje, quem visita a escola, no extremo noroeste da capital, encontra salas limpas, corredores pintados, coloridos e diversas frases espalhadas pelas paredes, todas com uma palavra em comum – Paz. ‘Somos agora centro irradiador de cultura no bairro’, afiança entusiasmada, a diretora.

Ela lembra que se surpreendeu com o abandono que viu. ‘Sabia que a escola tinha problemas, mas não naquela magnitude.’ No início do ano letivo de 1999, convidou pais de alunos para reuniões. Cerca de mil moradores compareceram e ouviram dela que somente uma campanha forte pela paz poderia transformar a escola.

‘Era necessário resgatar a dignidade do estabelecimento e conquistar a confiança de pais e alunos.’ Estava lançada a campanha Paz, o caminho de um novo amanhecer. ‘Uma das causas da violência é a exclusão social. Quando o aluno e a comunidade vão à escola sabendo que irão encontrar formas de integração, a situação pode ser mudada.’

Mãos à obra

Com auxílio da Associação de Pais e Mestres (APM), a diretora convocou a comunidade para um faxina geral. ‘Ressaltei que a escola é deles e solicitei ajuda para deixar as dependências limpas e prontas para receber os alunos no novo ano letivo.’ O material para limpeza ficou por conta da escola e os moradores entraram com a mão-de-obra. Pais e alunos escolheram as cores azul e branca para pintar os corredores, tapando o antigo cinza, sujo e pichado.

Partindo do princípio que permitir é mais simples que proibir, a diretora liberou o grafite nas dependências da escola. Alguns alunos, em vez de pichar os muros do bairro, aproveitam o tempo livre, fora da aula, para mostrar dotes artísticos. O resultado, desenhos coloridos, vê-se nas paredes, corredores, nos muros internos e nas salas de aula. ‘O importante é mostrar a eles que a escola está aberta a qualquer manifestação positiva da criatividade de cada um.’

De volta à carteira

No primeiro ano de gestão, foram registradas nove salas de aula ociosas. Para preencher o vazio, foi iniciada uma cata a alunos que haviam abandonado o curso. ‘Eles viviam perambulando pelas ruas, sem emprego, sem perspectivas, praticando todo tipo de atos ilícitos.’ Arregimentou 360 garotos, a maioria entre 16 e 22 anos.

Conversou com cada um e convidou-os a voltar. ‘Assinaram um termo de compromisso, em que a única exigência era não deixar novamente os estudos.’ No início, classificou os meninos como sendo de quinta e sexta série e contratou equipe de pedagogos e uma psicóloga, como professores eventuais, de acordo com a lei, para acompanhar a reeducação deles.

O processo de reeducação continuou. Em três anos, cerca de mil alunos voltaram às carteiras da escola. Um deles, da primeira turma, para orgulho da diretora, hoje faz História na Unesp, de Assis. ‘Ele me garantiu que quando concluir o curso vai voltar aqui, como professor.’ No total, a escola do Carumbé levou cinco alunos à USP, três à Unesp e outros a faculdades particulares.

Lazer e cultura

No local onde havia duas quadras descobertas no terreno da escola e um espaço vazio entre elas, foi erguido o centro esportivo, no qual surgiram quadra coberta, vestiários e palco para shows. Na sala de informática, os alunos, a partir do quinto ano do fundamental, aprendem a desvendar os segredos dos computadores. Para tanto, existem 16 micros. Ligadas em rede, as máquinas dão acesso à internet e há três impressoras jato de tinta.

Na biblioteca, há livros didáticos para os ensinos fundamental e médio. Outra sala muito apreciada pelos alunos é a de vídeo. No local, assistem a filmes que se encaixam no currículo escolar. A cantina também foi idéia da diretora.

Nos finais de semana, a escola recebe a comunidade. Há cursos de capoeira, teatro amador, alfabetização de adultos (feita por alunos), futebol, vôlei, dança, coral, grafite e outros desenhos, violão e informática para qualquer membro da comunidade. Também há salas reservadas para grupos de estudos, em que os alunos da terceira série do médio e outros interessados se preparam para vestibular. O local ainda é usado para campeonatos e gincanas entre os moradores.

Parcerias e estágios

A escola mantém uma rede de parcerias com empresas e instituições privadas para desenvolver campanhas com a comunidade e arrumar estágios para alunos. Por intermédio do Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube), estudantes do ensino médio têm chance de trabalhar, em regime de seis horas, em lojas, supermercados e indústrias.

Outra instituição que recebe alunos encaminhados pela escola é a Associação Bandeirante, que oferece estágios também para quem está no Ensino Fundamental. O período em que os alunos estagiam consta no histórico escolar.

Com a ajuda do Rotary Club, a escola passará a oferecer neste ou logo no próximo ano, aulas para formação de líderes comunitários. Os moradores do Carumbé terão oportunidade de aprender também técnicas de jardinagem e cultura de hortas. ‘Trata-se de uma instituição presente em mais de 180 países que poderá, no futuro, patrocinar intercâmbio cultural com nossos alunos em viagens ao exterior’, prevê a diretora.

Otávio Nunes
Da Agência Imprensa Oficial