Caravanas do Conhecimento: Oito mil crianças do interior entram no mar pela primeira vez

Além de banhos de mar, há passeios de bonde, visitas a museus, aquário e ao Monte Serrat

sex, 28/01/2005 - 9h53 | Do Portal do Governo

Da Agência Imprensa Oficial


Por Claudeci Martins

De tão ansiosas nem dormem nos ônibus, mesmo em viagem que duram de três a quatro horas. Mal avistam a praia só falam em colocar o pé na areia e entrar na água. Da família, refeição e banho, ninguém parece se lembrar. A custo são convencidas a tomar o café da manhã e aguardar que todos estejam prontos. Um minuto de atraso no horário programado pode causar alvoroço tal a ansiedade. Assim chegam as crianças participantes do Programa Caravanas do Conhecimento ao Litoral Paulista.

“Tinha desenhado o mar e visto na TV, mas aqui é bem mais bonito e legal. Não tem comparação com rio e piscina. Gosto de ficar com água assim oh …(coloca a mão na altura do joelho). Ela é super salgada e quando mergulho entra água nos olhos, no ouvido, na boca e acabo engolindo. Mas é uma delícia”, fala toda sorridente Estefani Fernandes dos Santos, da cidade de São João da Boa Vista, enquanto toma banho de mar na praia de Embaré, em Santos.

Estefani como as 8 mil crianças, que visitaram a praia entre os dias 10 e 28 de janeiro tiveram a oportunidade de passar uma semana de férias numa cidade litorânea e viram o mar pela primeira vez na vida. Divididas em 204 delegações de 164 municípios visitantes, as crianças tiveram como destino as praias de Bertioga, Cananéia, Caraguatatuba, Cubatão, Guarujá, Iguape, Ilha Comprida, Ilhabela, Itanhaém, Praia Grande, Santos, São Sebastião, São Vicente e Ubatuba. Com idade entre 9 e 11 anos, são estudantes de escolas estaduais e municipais de todo o estado de São Paulo.

O mar visto de perto – Acompanhamos um dia de passeio de 260 crianças vindas de Herculândia, Gabriel Monteiro, São João da Boa Vista, Santa Mercedes, Restinga, São João de Iracema e Ribeira à cidade de Santos. Mesmo dois dias depois do primeiro banho de mar, a vontade de ir à praia continuava imensa. Pontualmente às 9 horas , todas já estavam vestidas, enfileiradas e prontas para voltar à água.

“Não vejo a hora de ir pra praia. Não conhecia o mar e no começo fiquei com medo de me afogar. Mas agora estou até pegando onda e acho bonito ficar olhando os navios passando e rasgando as ondas. Está tudo muito gostoso, tem um monte de gente e muitos passeios”, fala Odair Pereira Martins, de Gabriel Monteiro.

Se deixar nem tomam café tal a impaciência, comentam os monitores. Cada um deles cuida de dez crianças. Há ainda a supervisão de um professor do Estado e três do município para cada cidade, que traz 20 meninas e 20 meninos em ônibus devidamente identificados e monitorados pela Polícia Militar e Rodoviária. No local, ficam a postos sete guarda-vidas e um bote com popa do Corpo de Bombeiros.

Praia, areia e água de coco – As viagens começam sempre às segundas-feiras, com retorno previsto para a sexta. As crianças ficam hospedadas durante uma semana em escolas da rede oficial de ensino adaptadas para recebê-las. Alem disso, recebem bonés, camisetas, cartazes, faixas, colchonetes e cinco refeições diárias: café da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar e lanche da noite. Mas as crianças querem tanto se divertir e aproveitar as férias que nem pensam no retorno.

“Aqui é tão gostoso e tem tanta coisa para fazer que não dá tempo para ficar com saudade de casa. É muito legal nadar, correr na água e na areia, passear de barco, ir ao museu. Cada dia é uma aventura”, diz Letícia Campos Miranda. Sua colega inseparável, Thamiris Franciele, comenta: “É divertido, legal e diferente. Mergulho, corro na água, fico procurando conchas e brincando na areia. Quando cheguei fiquei com receio de pôr o pé na água que estava gelada e tinha umas ondas grandes e bravas. Aí minhas amigas me convenceram e fui com elas. Me acostumei tanto que nem ligo mais.”

“O mais legal de tudo é a praia. É muito bonita mesmo. Gostei também do passeio de barco e de visitar a Vila de São Vicente. A comida é gostosa e o pessoal é gentil e bacana”, diz Natália Barbosa Dias, de Gabriel Monteiro.

Melissa Rosa Oliveira, de Ribeira, (a cidade mais pobre da caravana) diz ter adorado beber água de coco. “Nunca tinha tomado. É uma delícia! Gosto também de ficar na areia procurando conchas.”

Já os meninos, se não estão correndo na água, ficam brincando de enterrar os colegas. É o caso do grupo que veio da cidade de Restinga. Enquanto André Luiz da Silva e Richard de Moraes Morato encobrem Igor Henrique Dias Soares com areia, ele diz ficar só curtindo a brincadeira. “Estou me divertindo pra valer. Só não sabia que o mar tinha tanta onda e que a água era tão salgada. Já tinha visto o mar na TV, mas daqui, olhando de pertinho, ele é bem diferente. É muito melhor. No primeiro deu um pouco de medo. Agora aprendi a mergulhar, pegar onda, correr espirrando bastante água”, comenta Igor.

Dança e diversão – Outro momento de inquietação e de algumas reclamações é na hora de sair da água e enfrentar o chuveiro gelado. Ninguém quer sair. Mas tão logo retiram a areia do corpo e colocam roupa só pensam na próxima aventura. Aos poucos, a pista improvisada vai lotando de crianças para acompanhar os ritmos dançantes que animam a garotada.

Meio envergonhada e atrapalhada com os passos exibidos pelo instrutor de dança de rua, Ana Aline de Paula, da cidade de Ribeira, remexe o corpo como pode para não fazer feio na presença de tanta gente. “Estou muito contente e gostando de tudo. Até de dançar axé porque fica todo mundo junto e o tio vai mostrando os passos para acompanhar a música. Ainda bem que me comportei direitinho e estudei bastante para tirar boas notas e agora estou aqui viajando, passeando e me divertindo.”

Na verdade, os critérios para participar da caravana não incluem boas notas e bom comportamento, mas sim são consideradas primordialmente as condições socioeconômicas e sociais do estudante. Mas, de acordo com os professores, para incentivar o estudo, alguns costumam dizer que notas altas ajudam na seleção dos que irão passar uma semana de férias no litoral, com direito a muita diversão e sem pagar nada.

“São crianças que nunca iriam à praia porque suas famílias não têm condições financeiras de levá-las. Possivelmente conheceriam o mar quando conseguissem emprego ou mudassem a situação social. Mas não seria a mesma coisa porque talvez fossem adultos quando isso ocorresse”, explica a professora de Ribeira.

Museu de pesca – Além dos banhos de mar monitorados, as crianças participam de atividades de lazer, culturais e esportivas. A maioria das Caravanas do Conhecimento inclui gincanas, aulas de dança, visita a teatro e museus. Em Santos, as crianças visitaram as praias do Gonzaga, Embaré, a Ilha Porchat, fizeram passeio no Bonde Histórico, foram ao Aquário Municipal, ao Museu do Café e ao Memorial do Santos Futebol Clube, ao Museu da Pesca e ao Monte Serrat. As atividades tiveram o apoio e patrocínio da prefeitura de Santos.

Após a dança de rua e a pausa para o banho e o almoço, as crianças seguiram rumo ao Museu de Pesca. Mesmo com a garoa fina, que começou pouco antes das 14 horas, todas continuavam alegres e bem dispostas. Quase sempre muito ágeis para entrar e sair do ônibus, ao descer do veículo em frente ao museu houve pequena demora. Afinal, tiveram de colocar capas de chuva e muitas se atrapalharam com a tarefa.

Em fila, entraram no Museu de Pesca e os monitores do local rapidamente se dividiram para cada um atender um grupo formado por 40 estudantes. A visita começou com explicações sobre o processo de empalhagem dos animais, e com a informação de que “todos os bichos são de verdade” e que no lugar de palha, usam plástico, material inorgânico.

O primeiro da lista imensa de animais foi o Tubarão Bahia. “Sabem, esse aqui é da mesma espécie do chefe dos tubarões do filme Procurando Nemo. É ele quem tem atacado surfistas nas praias do Nordeste do Brasil porque construíram um porto perto do mangue, local de alimentação deles.” Em seguida, vieram os esclarecimentos sobre o tubarão-martelo, tubarão golfinho, tubarão tigre e muitos outros.

Baleia, toninha e foca – No segundo andar, a surpresa maior ficou por conta da ossada da Baleia Fin, a segunda maior do mundo, que tem 23 metros de comprimento; a primeira é a Baleia Azul. “Ai que medo! Como ela é imensa, olha só!”, foram os comentários mais repetidos pelas crianças que ficaram extasiadas diante do mamífero. Quando o monitor explica que há um feto de toninha dentro de um vidro, algumas perguntam: “Vai nascer?”

Num momento de distração do pessoal do museu, Vitor da Silva, da cidade de São João da Iracema, toca em uma toninha e diz meio perplexo e admirado: “E mesmo de plástico esse negócio!” Além da vontade de conferir o material usado no processo de conservação, ele queria saber o que tem dentro do osso do mamífero.

Silas Abdiel Marques Silva e sua irmã Sendy se encantaram tanto com uma foca que nem percebem que seu grupo já tinha passado para outro estande. Ficaram alguns minutos tocando a pele dela. “Ah! Queria ver a boca e os dentes para ver se eles são realmente afiados”, diz o menino. Já a irmã fala que é gostoso aprender coisas novas e que eles nunca tinham visitado um museu e solta: “Extraordinário o tamanho da Baleia Fin. Cada ossão!”

Monte Serrat e peça teatral – Terminada a visita ao museu, recolocaram a capa e entraram no ônibus em direção ao Monte Serrat, de onde dá para avistar boa parte da cidade santista. Aguardar o momento para entrar no funicular e subir até o monte foi quase um tormento para alguns. Inquietos e ansiosos não paravam um segundo. Só eram contidos sob a supervisão vigilante e constante dos monitores e professores. Os monitores receberam treinamento completo, noções de primeiros socorros, procedimentos de segurança e emergenciais.

Mal chegou no alto, Higor Henrique Viana, de Restinga, parou em frente às janelas de vidro. Depois de alguns segundos de olhos parados e meio descrentes do que via, disse ao colega do lado: “Que nuvem diferente”. Informado de que não era nuvem, e sim, névoa, pareceu entender a diferença, mas ainda a fitou com certa admiração e assombro. Passado o estranhamento inicial, começou a observar os barcos, navios, casas e igrejas. Questionado sobre o passeio, só conseguia falar: “É muito radical. Aventura, aventura … é muita emoção, alegria, beleza pura.”

Esse deveria ser o último passeio do dia. Mas a organização do evento conseguiu ingressos, via Secretaria da Educação do município de Santos, para assistir à encenação da peça sobre a Fundação da Vila de São Vicente, a primeira do Brasil. Montado sob a praia do Gonzaguinha, o palco recebe atores globais e locais para contar a história da chegada de Martim Afonso de Souza, em 1532, em terras tupiniquins. Além da encenação, os fogos de artifícios e a caravela tornam o espetáculo bastante apreciado pelos moradores e turistas.

Mesmo às 18h30, quando as crianças chegaram ao palco improvisado, a chuva continuava a não dar trégua. Apesar da garoa fina, que às vezes engrossava bastante, do desconforto de sentar na arquibancada molhada, de ter de usar uma capa de chuva que chegava até os pés, do ar úmido e meio frio e da espera de quase uma hora para ver a peça, Karina Silva Chaves, de Gabriel Monteiro, disse que não sentia frio, não se incomodava com a espera e nem estava com saudade da família. “É tudo tão legal, curioso e divertido que é só alegria.”

Marcos Souto de Aquino, de Herculândia, também disse não se importar com o mau tempo. Alegou estar acostumado a brincar na chuva, principalmente, nos jogos de bola com os amigos em uma quadra perto de sua casa. “O mar ao vivo é outra coisa! Mesmo daqui da arquibancada ele continua lindo. Também gostei de passear de balsa, do museu e de subir no carrinho parecido com elevador e olhar a cidade lá de cima.” Marcos se referia ao funicular usado para transportar os visitantes até o Monte Serrat, de onde se tem a visão de Santos.

Caravanas do Conhecimento

Caravanas do Conhecimento é um programa do governo estadual, realizado pela Secretaria de Economia e Planejamento. É coordenado pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal (Cepam) em parceria com a Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e as Secretarias de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social; Cultura; Educação; Juventude, Esporte e Lazer; Saúde; Segurança Pública (Polícia Militar e Corpo de Bombeiros); e Transportes.

Tem o apoio do Fundo Social de Solidariedade (Fussesp), da Associação Paulista de Municípios (APM), da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa) e do Departamento de Estradas e Rodagem (DER).

Antigo Interior na Praia, o programa foi colocado em prática pela primeira vez durante a gestão do governador Franco Montoro como um dos maiores projetos de turismo educacional realizado pelo governo do Estado. Na época mobilizou 126 mil crianças entre 1984 e 1990. Retomado em 2004, está em sua segunda edição. A próxima etapa é o Redescobrindo o Interior, que será realizado em julho, quando as crianças, que moram no litoral, irão conhecer a realidade do interior paulista.

Da Agência Imprensa Oficial

(LRK)