Caminhos do Mar: a história da Estrada Velha de Santos

Construída em 1913, foi a primeira rodovia da América Latina a receber pavimentação em concreto

sáb, 17/04/2004 - 17h07 | Do Portal do Governo

As milhares de pessoas, que em seus veículos hoje percorrem o sistema Imigrantes-Anchieta, não imaginam como seus ancestrais caminharam ardorosamente por trilhas e estradas sinuosas para que o acesso do litoral ao planalto paulista fosse possível. Índios, jesuítas e bandeirantes se enveredavam pela trilha dos Tupiniquins – o Caminho do Mar – para chegar aos Campos de Piratininga e fundar o Pátio do Colégio, que marcou o início da cidade de São Paulo.

As dificuldades de transposição da serra eram muitas. Segundo o historiador Antônio Augusto da Costa Faria, o Caminho do Mar era o trecho que mais pesava no percurso entre São Paulo e Santos, e, durante muito tempo, era a única saída para o escoamento da produção da colônia. Entre ipês, aroeiras, guatambus, umbaúbas e outras espécies nativas, o Caminho do Mar ficou conhecido como Estrada Velha do Mar. Em 1913, tornou-se a primeira rodovia da América Latina a receber pavimentação em concreto, o que marcou o início da era do automóvel no Estado de São Paulo. Hoje, situado no Parque Estadual da Serra do Mar e declarado pela UNESCO como Reserva da Biosfera, este importante pedaço da história do Brasil e do Estado de São Paulo abre suas trilhas para o futuro.

Várias são as lembranças que escorregam pelas curvas desta estrada, algumas transformadas em obras de arte – e já tombadas pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, o Condephaat. Como a Calçada do Lorena, construída pelo governador Bernardo José de Lorena a partir de trilhas indígenas entre 1790 e 1792, e que foi o primeiro caminho pavimentado com pedras entre São Paulo e o Porto de Cubatão para o escoamento da produção de açúcar produzido nas vilas do interior. O transporte de mercadorias era feito por mulas, num traçado em zigue-zague, planejado para que as águas pluviais escoassem e não erodissem o pavimento da calçada. A Calçada era um caminho de tropas e Lorena mandou formar um pasto no porto de Cubatão para alimentar os animais. Com suprimento constante de produtos de exportação, o comércio do porto de Santos progrediu.

Com a decadência da cultura da cana-de-açúcar e a ascensão do mercado cafeeiro, foi construída, em 1844, uma estrada que possibilitasse o trânsito de carroças. A ela deu-se o nome de Caminho da Maioridade, em homenagem à recente promulgação da maioridade de D. Pedro II.

Mas a força do café também promoveu o advento das ferrovias na Província. A construção da primeira estrada de ferro, de Santos a Jundiaí, começou em 1860. Tanto a Calçada do Lorena quanto a Estrada da Maioridade deixaram de ser freqüentadas. Só foram resgatadas em 1913, por Rudge Ramos, que reconstruiu a Estrada da Maioridade, motivado pela presença cada vez maior do automóvel na sociedade paulista.

Em 1922, durante a gestão do Presidente Washington Luis, foram construídos oito monumentos alusivos à evolução dos transportes e das vias de comunicação entre São Paulo e o Porto de Santos para a comemoração do Centenário da Independência. Esses monumentos foram projetados pelo arquiteto Victor Dubugras e marcaram o estilo neo-colonial característico da arquitetura dos anos 20.

Logo no início da serra foi erguido o Monumento do Pico em substituição a uma antiga obra, construída em 1790, em homenagem ao então governador da Capitania de São Paulo, Bernardo José Maria de Lorena. O monumento marca o início do trecho de serra da Calçada do Lorena e é um mirante do litoral.


Também no início da serra está o Pouso Paranapiacaba, que era o ponto de parada dos carros durante a viagem pelo Caminho do Mar. Paranapiacaba, palavra de origem indígena, significa ‘local de onde se vê o mar’. E a vista da casa do pouso não deixa por menos, de lá se avista toda a baixada santista, a mata da serra e, claro, o mar.

Descendo pela estrada, o próximo monumento é o Belvedere Circular. A obra é o primeiro ponto de cruzamento da Calçada do Lorena com a estrada Caminho do Mar. É um ponto de parada e mirante da serra.

Durante a descida para Santos, na década de 20, era necessário parar um pouco, descansar e reabastecer os veículos. Para isso, foi construída uma parada no meio da serra à qual deu-se o nome de Rancho da Maioridade, em referência ao nome da antiga estrada. A casa de dois andares possui painéis de azulejos pintados que ilustram a subida da serra por figuras políticas de destaque do século XIX. Dela se vê a baixada santista e o complexo industrial de Cubatão. Na curva da estrada que o rodeia há vestígios do pavimento de macadame original do Caminho do Mar, de 1913.


Seguindo pelo caminho, mais um monumento foi erguido em homenagem a Lorena: o Padrão do Lorena. A obra é um memorial com implantação em meia-encosta e composição de escadarias que conduz ao pórtico, onde se encontra um medalhão pintado em azulejos que retratam Bernardo de Lorena. Os painéis de azulejaria laterais ilustram cenas do século XVIII, como tropeiros e mulas carregando mercadorias.

O Pontilhão da Raiz da Serra, que originalmente marcava o início da subida, está quase no pé da serra. Ainda hoje sustenta uma placa comemorativa sobre a finalização da pavimentação em concreto do Caminho do Mar, em 1925, no governo de Carlos de Campos.

Já em Cubatão, está o Cruzeiro Quinhentista. Este monumento é alusivo à chegada dos portugueses no litoral vicentino e às primeiras vias de ligação entre o mar e o planalto paulista. Em 1981, foi retirado de seu local original devido à nova urbanização da área e colocado em lugar de maior destaque na paisagem. Os painéis de azulejos pintados retratam cenas da colonização e catequese dos índios pelos padres jesuítas. As datas 1500-1922 remontam a descoberta do Brasil e a construção da série Monumentos do Caminho do Mar.

Por fim, outros bens culturais também fazem parte do patrimônio histórico. A Barragem do Reservatório do Rio das Pedras e a Casa de Visitas do Alto da Serra, por exemplo, foram construídos em 1925 e 1926, respectivamente, para compor parte do complexo hidrelétrico da Usina Henry Borden, em Cubatão.