Café: IEA discute competividade do pó de café made in Brazil

Estudo foi realizado pelo pesquisador do IEA, Sebastião Nogueira Júnior

ter, 10/12/2002 - 18h01 | Do Portal do Governo

O Brasil, a exemplo do que ocorre há mais de um século e meio, continua sendo o maior exportador de café verde (em grão) do mundo.

A exportação de cafés verde e solúvel totalizou, nos 10 primeiros meses de 2002, cerca de 22 milhões de sacas de 60 quilos de café beneficiado, volume 18% superior ao do mesmo período do ano transato. Como se sabe, o câmbio tem favorecido muito a venda de produtos brasileiros no mercado externo.

Porém, a receita de US$ 1,1 bilhão foi 11% inferior à do mesmo período precedente por conta das baixas cotações vigentes. Ressalte-se que a participação do solúvel, embora importante por agregar valor à matéria-prima, é relativamente pequena no global das exportações.

Isso significa que muitos esforços terão de ser feitos para valorizar o café lá fora, lembrando que mesmo nesse modelo há espaço para crescer. Prova disso é o que ocorre nos Estados Unidos, onde o produto brasileiro é vendido como commodity, portanto, sem diferenciação de preços salvo raríssimas exceções, ao contrário do que acontece com o café de outras origens, sobretudo da América Central e da Colômbia e mesmo da Indonésia.

Assim, uma variedade de Bourbon de marca brasileira, e considerada verdadeira grife, é vendida na rede Starbucks, empresa americana com cerca de 6.500 lojas, em 26 países que só comercializam grãos de qualidade superior. Outra é negociada no famoso magazine Harrolds de Londres.

Segundo especialistas daqui, o café made in Brazil atualmente tem tipos, embora em pequenas escala, que nada deixam a desejar em termos de qualidade. Contudo, no exterior ainda há pouco reconhecimento, com respeito ao avanço apresentado pelo agronegócio café, seja quanto à matéria prima in natura ou mesmo industrializada.

Esse cenário decorre da tradicional política que perdurou por muitos anos no setor – exportar grão de qualidade superior e consumir no mercado interno o remanescente, esse de qualidade inferior e que não permitia elaborar pó de café diferenciado.

Até a extinção do Instituto Brasileiro do Café (IBC) em 1990, popularmente dizia-se à boca pequena: café é café e ponto! Para quê diferenciar se não havia compensação financeira, já que por um bom período o preço do pó foi tabelado, sobretudo em época de inflação galopante?

Embora o produto tenha amplo consumo – afinal, o Brasil só perde em quantidade para os Estados Unidos, quando se considera o consumo per capita – os números não são muito animadores, ainda que apresentem um potencial que pode e deve ser explorado, sobretudo junto à faixa etária mais jovem da população e no preparo tipo expresso.

Aliás, essa tem sido a estratégia adotada nos Estados Unidos onde o marketing é dirigido para esta faixa, oferecendo uma gama de produtos diferenciados das mais diferentes formas, inclusive na forma de bebida gelada para fazer frente aos refrigerantes e isotônicos, de longe os preferidos pelo contingente juvenil.

No Brasil, com a desregulamentação do negócio café, pois até então cabia ao Estado controlar todos os segmentos, só em meados da década de 90 começaram as gestões no sentido de agregar valor ao produto, seja na produção e na industrialização seja a forma de apresentação. Os primeiros efeitos já são sentidos, mas ainda timidamente, quando se considera a importância histórico-econômica da atividade.

Atualmente, já existem na cafeicultura, em escala considerável, colheita no pano, café catado a dedo, selo Abrinq, selo fair trade e café orgânico. Na industrialização, há grande preocupação, pelo menos por parte de médias/grandes torrefadoras e do setor público, com a inovação tecnológica para obter cafés de qualidade superior e gourmet; descafeinado; e de origem controlada para elaboração de blends característicos. Além disso, as embalagens a vácuo e com válvula ganham espaço e os equipamentos das empresas de médio a grande porte estão alinhados para obter produtos com maior agregação de valor .

Em recente pesquisa conduzida no Instituto de Economia Agrícola (IEA), em parceria com a Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa Agropecuária (FUNDEPAG) e o Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café (CBPDC)/EMBRAPA, foi realizada uma auditoria tecnológica do segmento de torrefação e moagem da cadeia produtiva de café.

Detectou-se por exemplo que, em termos de idade dos bens de capital, há predominância de equipamentos mais antigos na torrefação e de gerações mais recentes na moagem e no empacotamento. No caso da torrefação, ao se considerar a produção como uma variável representativa de empresas de maior porte, há alterações em relação às respostas diretas dadas pelas empresas investigadas. Assim, passam a predominar equipamentos mais novos (até 5 anos).

Já para a moagem e o empacotamento há alavancagem para estas duas etapas do processamento quanto ao uso de equipamentos mais modernos, quando os dados são ponderados pela produção. Isso pode ser complementado pelas respostas obtidas quanto ao atual padrão dos equipamentos existentes nas empresas, em relação ao atual padrão tecnológico mundial. Enquanto a maioria das respostas diretas apontava o item ‘gerações anteriores’, ao se ponderar pela produção o item ‘última geração’ passa a predominar.

Quanto ao empacotamento, prevalece de modo geral o tipo almofada, mas o alto vácuo tem elevada proporção nas empresas de médio/grande portes.

Em resumo, há evidências de que o café brasileiro T&M atualmente apresenta novo status, pois historicamente a indústria de torrefação/moagem era caracterizada como atrasada e obsoleta, por conta da sua forma de atuação: as empresas recebiam o grão do IBC, industrializavam e distribuíam o pó sem grandes preocupações com qualidade e durabilidade. Por conta disso, era até considerada apenas como uma atividade comercial, pela simplicidade do processamento e pequena agregação de valor.

De modo diferente do que ocorria no Brasil, nos países industrializados – Estados Unidos, Alemanha e Itália, em especial -, a torrefação/moagem de café sempre apresentou avanços tecnológicos marcantes. Prova disso é que a primeira patente de torrefação em ambiente fechado para conservar o aroma do produto industrializado foi registrada nos Estados Unidos em 1847.

Já em 1942, a torrefação era feita em 5 minutos, contra 30 minutos em 1914, ano em que também teve início a utilização de rolos planos na moagem. O processo de embalagem a vácuo, por sua vez, foi patenteado no Canadá em 1959, passando a ser usado no ano seguinte.

Atualmente, o market share brasileiro é disputado por grupos econômicos de origens geográficas diversas, de grande peso no ramo mundial de alimentos. No mercado interno, o café tradicional ainda é o preferido por grande parcela da população, em razão da desequilibrada distribuição da renda nacional.

Há evidências de que parte das empresas nacionais apresenta condições de competir com as estrangeiras que aqui se instalaram, por conta da grande oportunidade oferecida pelo mercado local, e algumas mesmo de participar do comércio exportador.

Contudo, cabe lembrar que este mercado externo é considerado (quase) inacessível devido às barreiras tarifárias e presença de transnacionais na industrialização/distribuição do café T&M nos grandes centros de consumo – Europa, Estados Unidos e Japão.

A busca de alternativas fora dos tradicionais blocos consumidores e pesados esforços de marketing passam a ser exigências compulsórias para a alavancagem dos negócios externos com o café industrializado, e mesmo para os grãos de qualidade superior.


Sebastião Nogueira Junior

Pesquisador do IEA

C.A