Abastecimento: Cuidados especiais garantem carne de primeira

Manejo correto do gado para abate evita que a carne fique escura, dura e seca

ter, 29/10/2002 - 15h41 | Do Portal do Governo

Você já deve ter vivido a experiência de ir a um açougue e comprar um tipo de carne considerado de ótima qualidade. Após o preparo, porém, a mesma peça que antes era tão vistosa na prateleira resultou em um alimento rígido e com um péssimo sabor.

O que pode parecer um erro culinário, no entanto, é na realidade um problema relacionado à procedência da carne. ‘No período pré-abate, o gado deve receber cuidados especiais.’

É o que explica o veterinário Roberto de Oliveira Roça, do Laboratório de Tecnologia de Produtos de Origem Animal da UNESP, campus de Botucatu. ‘Os cuidados no manejo animal e no transporte até o abatedouro são essenciais para garantir uma carne de boa qualidade’, enfatiza.

O docente, que desenvolve trabalhos na área de Abate Humanitário há dezesseis anos, coordenou a pesquisa realizada pelo mestrando Celso Fernandes Joaquim, entre 2000 e 2001, que teve como objetivo analisar os efeitos causados no bem-estar do bovino e na qualidade da carne, em decorrência do tempo que o animal leva em trânsito.

A pesquisa foi feita com 180 bovinos da raça nelore, divididos em três grupos. Cada grupo foi monitorado durante o tempo de transporte. Foram avaliados as condições da estrada, o tempo de jejum e a dieta hídrica. Os primeiros 60 animais foram transportados para uma distância máxima de 100 km, o segundo grupo de 101 a 330 km, e o último para uma distância superior a 331 km.

Após o abate, as carcaças foram pesadas, classificadas e tipificadas. O resultado foi um aumento significativo do pH da carne em função da distância do transporte. As análises realizadas nos músculos L. dorsi (contra-filé), e T. brachii (paleta), mostraram que 5% da carne de bovinos transportados até 330 km apresentou pH elevado, acima de 5,9.

Já entre os animais transportados a distâncias superiores a de 331 km, a incidência de carne com pH alto foi de 26,6%. Para o docente Roça, tal elevação se deve ao esgotamento da reserva de glicogênio no músculo, devido ao estresse e ao cansaço físico causados pelo percurso, resultando em uma carne escura, dura e seca. ‘Essa carne não atende aos padrões sanitários exigidos pela União Européia e acaba sendo destinada apenas ao consumo interno’, diz.

Outra medida essencial para reduzir o prejuízo dos produtores, dos frigoríficos e amenizar o sofrimento do animal é o cuidado no carregamento do rebanho. Transportar uma quantidade de animais maior que o indicado causa contusões e deixa a carne com coágulos de sangue, que são retirados da carcaça, produzindo perdas consideráveis. ‘O mesmo acontece se forem transportados em pouca quantidade ou baixa densidade de carga. Soltos, as freadas e a velocidade causam o mesmo problema aos animais’, explica Roça.

O pesquisador lamenta que as maiores perdas ainda sejam para os animais e consumidores. ‘O gado acaba sofrendo desnecessariamente e o consumidor é prejudicado com a carne de qualidade inferior, já que as carnes com pH anômalo, não aceitas para exportação, são destinadas ao mercado interno e o consumidor não tem como identificar tais problemas na hora da compra’, conclui.