Solenidade de comemoração dos 40 anos da revista Veja

O Governador José Serra participou da festa no prédio da Editora Abril, na capital

ter, 02/09/2008 - 18h27 | Do Portal do Governo

O governador José Serra participou nesta terça-feira, 2, da cerimônia de 40 anos da revista Veja, publicada pela Editora Abril. O evento aconteceu na capital paulista. Na ocasião, Serra fez o seguinte pronunciamento.

Quero dizer que acompanhei a trajetória da revista a partir do seu primeiro número, quando estava no exílio. Desde meados de 1968 até 1978, quando voltei ao Brasil, a Veja foi minha principal fonte de informações sobre o que acontecia em nosso país. Nunca poderia ter imaginado que quarenta anos depois teria a satisfação de estar presente na solenidade de quadragésimo aniversário da revista, falando sobre o nosso futuro.

1968 foi um marco em nossa história contemporânea, e não apenas do ponto de vista do que aconteceu na política, com a consolidação do regime autoritário, mas também na economia. Foi o ano que marcou o início do que passou a ser (mal) chamado milagre econômico, durante o qual a economia brasileira cresceu como nunca antes nem depois neste país.  O milagre acabou, o novo governo militar dobrou a aposta do crescimento, mas o aumento dos juros externos e o segundo choque do petróleo no final dos setenta produziram uma reversão brutal. A partir daí, como diria  Paul Valery: le futur ne sera pas comme il était.

De fato, a partir de 1980 tivemos quinze anos de superinflação, que sobredeterminou a forma e o ritmo de tudo o que aconteceu, desde a transição democrática e a Constituinte, até as mudanças no papel do Estado e da abertura comercial e financeira.

Se a volta da democracia foi o grande evento dos anos oitenta, a estabilidade foi a grande conquista da segunda metade dos anos noventa, que assistiu também a afirmação da abertura externa e o enxugamento da ação do Estado na economia, o grande salto da agroindústria, o início das práticas de responsabilidade fiscal, o começo de mudanças na Educação e na Saúde, e a montagem da Rede de Proteção Social. Mesmo com o solavanco causado pelo desequilíbrio externo no fim da década e depois pela sucessão presidencial em 2002, a economia acabou reencontrando seu rumo a partir do início de 1999 , sob o tripé câmbio flutuante-metas de inflação-responsabilidade fiscal. 

Nos anos recentes, vivemos a melhor conjuntura externa do após guerra, com o aumento dos preços e da demanda por nossas exportações de commodities e juros internacionais baixos. Não foi por menos que o crescimento médio do PIB elevou-se, se bem que em ritmo inferior ao da América Latina, dos países emergentes e da média mundial. De todo modo, o crescimento melhorou, e o que precisamos é evitar que não represente um mini-ciclo a mais e sim um ponto de inflexão da tendência de semi-estagnação que nos acompanha desde os anos oitenta (crescimento do PIB per capita foi inferior a 1 por cento ao ano)

Governar para a próxima geração significa, para mim, permitir que ela possa encontrar cada vez mais oportunidades de vida e que essas oportunidades se distribuam de forma socialmente mais equânime, num ambiente democrático e num meio ambiente físico de boa qualidade. Oportunidades de vida são indissociáveis da geração de empregos: para que se tenha uma idéia da enormidade do desafio, basta mencionar que até 2020 teremos de gerar cerca de 21 milhões de novos empregos, a fim de manter a taxa de desemprego em 5 por cento e acomodar os ingressantes na população economicamente ativa.

Isso tudo exige muitas coisas, entre elas: Primeiro, aumentar a taxa de investimentos da economia. Em relação ao PIB investimos menos do que a média mundial, menos do que a Argentina, o Chile, o Peru, o México e a Colômbia. Só ganhamos da Venezuela. Sem eliminar aquele tripé da política econômica, isto requer, entre outras coisas fundamentais, escapar com arte e sabedoria da atual armadilha: juros reais excessivamente elevados, câmbio supervalorizado, déficit em conta corrente e gastos correntes federais aumentando em  ritmos vertiginosos. Para que se tenha uma idéia, os gastos reais do governo federal, principalmente devido às despesas de custeio e não de investimentos, e a decisões tomadas atualmente, em 2012 devem ser 130 por cento mais elevados do que em 2002. Sem reduzir o superávit primário, isso exigirá um aumento de receitas reais sustentado, contínuo, de 9 por cento ao ano!

De fato, torna-se essencial reforçar a terceira perna daquele tripé, a da responsabilidade fiscal, hoje cambaleante. Talvez muitos aqui não saibam que a Lei de Responsabilidade Fiscal no Brasil, que limita muito especialmente a transmissão de déficits de uma administração à sua sucessora, velho mecanismo de desorganização das contas públicas no Brasil, aplica-se somente a estados e municípios, e não ao governo federal. Este aspecto da lei ficou pendente!

Terceiro, mais amplamente, quanto ao papel do Estado em relação à economia e à sociedade, devemos deixar de lado, de uma vez, tanto o estatismo quanto a estadofobia. O Estado brasileiro do passado, produtor e intervencionista, saiu de moda, mas deve ser substituído pelo estado regulador e ativo, pelo ativismo governamental. E os órgãos hoje estatais devem ser estatizados, publicizados, digamos, ao invés de, gradualmente, ficarem enredados pelos interesses partidários e corporativos. Merecem preocupação especial os problemas que envolvem as agências reguladoras, que não se resumem aos conflitos entre elas e os ministérios correspondentes, mas na sua partidarização, no  loteamento político dos seus cargos de direção.

Quarto, noutra área crítica para a eficiência e o crescimento da economia, a do comércio exterior, é necessário privilegiar entendimentos bilaterais, em vez de se jogar todas as fichas, como foi e tem sido feito, nos acordos multilaterais. Isto exige, entre outras coisas, fazer o Mercosul voltar ao leito que nunca trilhou: o de uma zona de livre comércio. A união alfandegária não deu certo, como se poderia prever desde o início, e amarra as possibilidades de acordos comerciais nossos com terceiros países e regiões. Do ponto de vista de nossa organização para o comércio exterior, volto a um problema que é antigo: a fragilidade do sistema público de tomada de decisões sobre o comércio exterior, sistema esse que envolve 23 ministérios, 10 departamentos e agências e cerca de 3.900 leis, decretos e regulamentos. No governo FHC criamos a CAMEX, mas ela não produziu o resultado almejado. Por isso mesmo será necessário criar um ministério do Comércio Exterior, no estilo USTR, que centralize as negociações comerciais, políticas tarifárias, prioridades do comércio exterior nos investimentos públicos etc.

Quinto, há uma outra questão essencial, que condiciona as políticas públicas, relativas  ao eixo dinâmico da economia brasileira. Há quem considere que nosso futuro econômico será baseado na exportação de commodities, dado o dinamismo da demanda introduzido pela China e pela Índia, bem como pelas nossas riquezas naturais, com a descoberta de grandes reservas de petróleo. Trata-se de um equívoco. É evidente que é muito bom exportarmos o máximo possível de commodities, com pouco ou muito valor adicionado, seja para gerarmos renda, seja para importarmos mais. Mas nenhuma economia continental como a brasileira conseguiu desenvolver-se na base do modelo primário exportador. Formar e desenvolver uma nação é muito mais do que explorar recursos naturais. Aliás, o nosso boom exportador dos últimos anos propiciou um crescimento razoável mas modesto nos últimos anos, quando comparado ao resto do mundo, nem evitou que tenhamos um déficit em conta corrente em crescimento exponencial. Lembro também que dois países latino-americanos quebraram apesar do boom do petróleo dos anos setenta: Venezuela e México. Para começar são necessárias, além de serenidade, políticas macro-econômicas adequadas e inteligentes, que possibilitem a transformação da condições externas favoráveis em investimentos e expansão competitiva das atividades domésticas.

Sexto, cabe enfatizar a importância das parcerias com o setor privado na infra-estrutura e nas políticas sociais. Em relação à infra-estrutura, o obstáculo hoje não é a falta de convicção ou de vontade política, nem do governo federal, nem dos estados e municípios. Essas parcerias avançam lentamente devido a dois fatores adversos: de um lado, a falta de clareza e consolidação dos marcos legais: entre ritos obrigatórios, ações, liminares, incompetências burocráticas, as demoras na execução dos projetos costumam devorar todos os prazos políticos. Do outro, os juros excessivamente elevados, grandes  adversários do investimento privado em serviços públicos. São Paulo conhece bem esses problemas, pois foi a unidade de governo que além de duas PPPs, mais fez concessões de serviços públicos, como é o caso da área de estradas, onde há 4,3 mil km de estradas estaduais sob concessão ao setor privado, além de 1,6 mil km que serão concedidos ainda neste ano.

Estendemos as parcerias até a área da Saúde, onde temos mais de 24 hospitais administrados por entidades privadas sem finalidades lucrativas, com um custo 10 por cento menor e um atendimento 25 por cento maior, método que expandimos quando na Prefeitura e agora no Estado, para o atendimento ambulatorial.

Eu poderia estender-me sobre outras questões cruciais que envolvem governar para a próxima geração: mais sobre Saúde, Boas Práticas de Governo e Produtividade do Gasto Público, Educação, Ciência e Novas Tecnologias, Meio Ambiente,  Segurança, Transportes Públicos, Reforma Política, alguns deles já abordados direta ou indiretamente no dia de hoje.  Não será possível fazê-lo devido às limitações de tempo, mas deixem-me mencionar duas questões que envolvem a Educação, na verdade minha principal obsessão na vida pública:

i. a necessidade de estabelecer metas e criar incentivos materiais para a elevação da qualidade do ensino em cada escola, experiência, aliás, que estamos iniciando em São Paulo;

ii.  a prioridade ao ensino técnico e tecnológico, com vistas a elevar no médio prazo a oferta de força de trabalho qualificada para a sustentação do crescimento da economia.  Em São Paulo, estamos mais do que duplicando o  número de Faculdades de Tecnologia (curso de três anos): de 26 para mais de 52 unidades. No caso das ETECs, de um ano e meio de duração, nível médio, vamos elevar o número de alunos de 70 mil para mais de 170 mil. Ambas instituições de ensino tem seus currículos ajustados às necessidade do desenvolvimento da região onde se situam.

O Brasil é hoje uma democracia consolidada, fato importante em si, mas que para nós tem um valor especial, depois de termos amargado uma ditadura de 20 anos. Fazemos parte agora da linha de frente de uma das melhores coisas que a cultura ocidental produziu: a democracia representativa. E a história dos povos na democracia mostra que o crescimento amplo e contínuo da produção e do emprego não traz somente benefícios materiais. Fortalece, também, as instituições e os valores democráticos, favorece a estabilidade política, estimula a tolerância, amplia as oportunidades. Um país que não cresce acaba não distribuindo renda, mas equalizando a pobreza. A economia do combate à pobreza não pode ter como base a pobreza da economia.