Serra participa de comemoração dos 40 anos do Cebrap

São Paulo, 24 de novembro de 2009

ter, 24/11/2009 - 23h00 | Do Portal do Governo

Governador José Serra: Queria dar o meu boa noite a todos e a todas. Eu não vim com a expectativa de falar, vim apenas para reencontrar aqui antigos colegas do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e também participar desta comemoração.

Há muito tempo dei a entrevista que foi apresentada no filme. Não lembro exatamente as coisas que disse. Mas, para mim, o CEBRAP se divide em duas etapas. Uma, de quando eu estava no exílio, em que a instituição foi criada quando começava a fase pior da ditadura, em 1969. E, olhando de fora, eu avaliava como um gesto, uma iniciativa extremamente corajosa de se fazer uma instituição com pensamento independente na área de ciências sociais naquela fase, sem qualquer possibilidade de ancoragem nas instituições acadêmicas do próprio País.

E alguns dos seus fundadores eu sequer conhecia pessoalmente, como é o caso, por exemplo, do (José Arthur) Giannotti, ou da Elza Berquó, ou mesmo o Paul Singer. Na verdade, no Brasil estudei apenas Engenharia. Era bastante estranho às Ciências Sociais, de forma que eu não conhecia as pessoas – fora encontros muito superficiais, na época da agitação política anterior a 1964.

E aproveitei muito da literatura que foi produzida naqueles cadernos de capa marrom. Muito abundantemente, aliás – uma produção ampla, inclusive constatando que havia um caminho, também, que em geral não era tão considerado nas Ciências Sociais, mas que o CEBRAP foi muito importante para afirmar desse ponto de vista, que são as análises de demografia e de urbanização.

Eu creio que a obra que mais chamou a atenção foi encomendada pela Arquidiocese de São Paulo, a respeito da cidade, que deu origem ao livro “São Paulo, Crescimento e Pobreza”. Foi um marco, do ponto de vista externo, a respeito da produção do CEBRAP.

A segunda etapa foi a minha volta, em (19)78, quando eu vim para a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e para o CEBRAP ao mesmo tempo. Fui convidado pelo Juarez (Rizieri), num bar em frente à Penn Station, a Pennsylvania Station, em Nova Iorque. E evidentemente aceitei na hora, parecia uma deferência muito especial que se me abrisse essa oportunidade.

A segunda fase, então, foi como integrante do CEBRAP, durante cinco anos, aproximadamente. Uma época produtiva, também de muita agitação política – era uma outra etapa também da instituição. Eu me preocupei sempre muito com a questão de trazer pesquisas para o CEBRAP – foram pelo menos 3. Eu me lembro que a gente contratava pessoas de fora, organizava e dirigia a pesquisa. Aliás, o que eu aprendi sobre tributação – que é uma disciplina que eu detesto, mas da qual nunca mais eu consegui me afastar – foi no CEBRAP, paradoxalmente, embora ninguém lá entendesse, também, coisa nenhuma. Mas, de repente, caiu uma pesquisa sobre reforma tributária, e eu tive que organizar o grupo para trabalhar no tema e acabei virando um especialista, embora detestasse e continue detestando a área tributária. Como curiosidade, um dos assistentes que eu contratei é o Nelson Machado, que é secretário geral do Ministério da Fazenda. E houve outras pesquisas, todas elas de uma ou de outra maneira também foram se traduzindo em artigos.

E, como eu disse, já era uma época de muita agitação, de intensa participação política. Eu voltei ao Brasil em março / abril de (19)78, antes da Anistia, porque tinha prescrito a condenação que eu tinha tido. Prescreveu, eu resolvi voltar antes – e o Fernando Henrique já foi candidato em 1978, a Senador, de maneira que as coisas foram se misturando, a própria presença no CEBRAP e uma ação política mais intensa. Posteriormente, quando eu fui para o Governo, como secretário de Economia e Planejamento do Estado, nós criamos um grupo de conjuntura. Eu acredito que fiquei ligado ao CEBRAP, mais de perto, uns cinco anos mais. Nos anos (19)80 – o governo começou com (Franco) Montoro em (19)83 – nós organizamos esse grupo com vários economistas, que eram o Gesner de Oliveira, o Antônio Kandir, o Plínio (de Arruda) Sampaio Júnior, o Rui Affonso, a Mônica Baer, a Lídia Goldenstein… grupo este que deu vida às questões mais de conjuntura da economia brasileira no período.

E também devo dizer que tenho saudades dessa época e, principalmente, da época da volta ao Brasil e da integração na instituição. Nós vivíamos um momento – que a gente só a posteriori é capaz de avaliar – bonito, da redemocratização, de muitas esperanças e de confiança, inclusive na Anistia. A revogação do AI-5 (Ato Institucional 5) só veio, se eu não me engano, em janeiro de 1979. Mas, de fato, já se vivia um período de liberdades. Foi uma época muito marcante da minha vida, porque era voltar ao Brasil também depois de 14 anos de exílio. E, ao mesmo tempo, de criatividade também intelectual e, posteriormente, a preocupação com as questões de política econômica, porque sempre vinha a pergunta: muito bem, tudo analisado, tudo diagnosticado, tudo bem criticado, mas o que a gente vai fazer se chegar a governos? E nós chegamos aqui em São Paulo, a minha experiência pessoal foi muito difícil, porque chegava no Governo, o Governo que não emite dinheiro. Encontrou, digamos, todo o setor público de São Paulo desorganizado, depois do período Maluf, uma pressão tremenda por ampliação dos serviços sociais, do funcionalismo – enfim, uma situação muito diferente do que a gente estava acostumado a viver. Essa experiência de passar da área intelectual para a ação da política concreta, da ação executiva, ou mesmo legislativa, é uma experiência que precisa ser, a meu ver, melhor analisada. Seria muito importante se fazerem mais reflexões, mais estudos e ter mais insights a esse respeito.

Bem, acho que já falei demais. Mas eu vim aqui, de fato, foi para me associar a este aniversário da fundação, me associar à instituição que, apesar de que há anos eu já não vou à sede do CEBRAP, eu carrego sempre comigo. Eu sempre digo que a gente na vida carrega tudo aquilo que foi. E eu, particularmente, sou muito assim. O CEBRAP, de tudo aquilo que eu vivi, desde a infância até hoje, é uma parte importante de mim.

Muito obrigado!