Serra inaugura ambulatório para travestis e transexuais

São Paulo, 9 de junho de 2009

ter, 09/06/2009 - 23h00 | Do Portal do Governo

Governador José Serra: Queria dar o meu boa tarde a todos e a todas. Cumprimentar nosso secretário Luiz Barradas, da Saúde, e o secretário da Justiça, Dr. Luiz Antônio Marrey. O Ricardo Montoro, secretário municipal de Participação e Parceria, uma pasta que criei quando assumi a Prefeitura de São Paulo, quando também criamos a Coordenadoria da Diversidade Sexual, no início da gestão, e de novo criei quando assumi o Governo do Estado, dessa vez no âmbito da Secretaria da Justiça. Queria cumprimentar a Maria Clara Gianna, que foi a diretora deste centro que, na verdade, foi o primeiro do Brasil, criado na época do (ex-governador Franco) Montoro. Não era neste endereço, ficava na própria Secretaria e depois veio para cá. E eu me lembrei, quando cheguei, que era ministro da Saúde, vim aqui em um sábado… Queria saudar o Eduardo Barbosa, coordenador adjunto do Programa DST/Aids do Ministério da Saúde. Alessandra Saraiva, representando o Movimento de Travestis e Transexuais (do Estado) de São Paulo. Os representantes do Coletivo Nacional de Transexuais, integrantes da Associação Nacional de Travestis e Transexuais. Membros dos Fórum das ONGs da Aids. Participantes da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV- Aids. Diretores e funcionários do Centro de Referência e Treinamento e da Secretaria da Saúde.

Nós estamos na semana da 13ª Parada do Orgulho do LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneres) aqui em São Paulo e, por isso, estamos promovendo uma série de ações voltadas à prevenção do HIV e contra outras DST, as doenças sexualmente transmissíveis. Este ano o tema é: “Sem homofobia, mais cidadania, pela isonomia dos direitos”.

Nós montamos pontos para a realização de testes de diagnóstico rápido do HIV, que hoje pode ser detectado pela saliva, apesar de a saliva não ser portadora do vírus – mas nela é possível detectar anticorpos. Vamos distribuir também um milhão de preservativos, e espalhar tendas de prevenção em diferentes pontos da cidade – uma delas será montada no Playcenter, no Gay Day do dia 9, onde também vão ser distribuídos preservativos e materiais informativos. Haverá tendas no Vale do Anhangabaú e no Largo do Arouche. Até no Cine Bombril, no Conjunto Nacional, vai haver um documentário dirigido pela jornalista Neide Duarte, que tem 30 minutos de duração, a respeito do universo gay na cidade de São Paulo.

Bem, mas vamos falar deste ambulatório, que é o tema principal da nossa reunião. É um ambulatório de saúde dedicado exclusivamente a travestis e transexuais, o primeiro do Brasil. Não há nada paralelo, ou semelhante, em nosso País. Quais são os objetivos? Em primeiro lugar, prover assistência integral, inclusive no campo da saúde sexual; elaborar protocolos clínicos; desenvolver e avaliar tecnologias e modelos assistenciais; promover atividades integrando o movimento social e o serviço, e oferecer treinamento para profissionais de saúde nesta área de atuação. Esse treinamento é crucial, é a coisa mais importante que existe – porque saúde é gente, basicamente. Então, o que precisamos é ter gente preparada para isso.

O atendimento vai ser de segunda a sexta, de duas da tarde às dez da noite (14h às 22h) – cinco dias por semana, oito horas, de duas às dez. Parece um horário feito para quem dorme tarde e acorda tarde, como uns e outros que estão falando aqui… Terá capacidade para trezentos atendimentos/mês. Essa equipe vai ter diversas especialidades: proctologista, urologista clínico, infectologista, endocrinologista, nutricionista, ginecologista, psicólogo, assistente social, enfermeiras e auxiliares de enfermagem. Portanto, é uma equipe bastante multidisciplinar, do ponto de vista da Medicina. Num primeiro momento, o ambulatório vai atender as demandas mais específicas observadas num serviço de saúde, e também aquelas que são apontadas pelos movimentos sociais organizados no Estado. É muito importante esta parceria, porque a troca de informações é fundamental para aprimorar a qualidade e a adequação do serviço público.

Entre as necessidades óbvias estão o atendimento de clínica geral especializado em urologia; proctologia e endocrinologia; terapia hormonal; avaliação e encaminhamento para outros tratamentos mais complexos, tudo baseado na seguinte idéia: a orientação sexual e a identidade de gênero são fatores que condicionam as condições de saúde. Este é o princípio que está por trás de um serviço como este. Ou seja: a orientação sexual, a identidade de gênero, têm implicações sobre a saúde e, neste sentido, o sistema de saúde deve estar preparado também para este tipo de atendimento. Esta é a base, é o que dá sustentação à idéia que estamos, hoje, transformando em prática aqui neste centro. Isto porque esta orientação e a identidade não apenas implicam práticas sexuais e sociais específicas, mas também porque expõem a população LGBT a agravos decorrentes do estigma que a gente sabe que existe, da discriminação e da exclusão, fatores que violam seus direitos humanos, com cuja defesa nós estamos comprometidos nesta área e em todas as outras.

Qual é a nossa perspectiva? É o direito ao atendimento humanizado – livre de discriminação devido à orientação sexual e identidade de gênero – a todos os usuários do SUS (Sistema Único de Saúde). Portanto, travestis e transexuais devem ser abordados dentro da integralidade da atenção de saúde preconizada e a ser prestada pelo SUS. Essa é a questão fundamental. Eu dizia antes que, no âmbito do Estado, nós já criarmos uma Coordenação de Políticas para Diversidade Sexual que promove, elabora, coordena, desenvolve e acompanha programas e projetos e atividades também destinadas à promoção da cidadania LGBT, e destinadas também ao respeito à orientação sexual e identidade de cada gênero de cada pessoa. Ao mesmo tempo, nós estamos fortalecendo a lei estadual que pune a discriminação por orientação sexual no Estado de São Paulo. Elaboramos e propomos políticas públicas, através dessa coordenadoria, que valorizem o respeito às diferenças humanas.

Junto a essa coordenação, por exemplo, nós criamos o Comitê Intersecretarial de Defesa da Diversidade Sexual, composto por representantes de dez secretarias, para ajudar a Coordenação de Políticas para Diversidade Sexual. Nós estamos mapeando as políticas públicas desenvolvidas pelo Governo do Estado com vistas à inserção da temática da diversidade sexual e promoção dos direitos humanos do pessoal LGBT nos diversos programas já existentes no Estado, iniciativas para o enfrentamento do tráfico de travestis e transexuais para fins de exploração sexual – tráfico este que é crime – em parceria com a Secretaria da Segurança e a Secretaria da Justiça, e também a ampliação do espaço físico e de pessoal na delegacia, que São Paulo tem, de crimes raciais e delitos de intolerância.

Portanto, estamos apenas dando seqüência lógica àquela que é a nossa orientação fundamental. Como disse aqui a representante de vocês, ou de boa parte dos que estão aqui, trata-se de um programa de acolhimento na perspectiva da saúde e dos direitos humanos. O SUS tem obrigação, que eu não só defendi como ampliei quando fui ministro da Saúde, de atender todos e todas as pessoas da nossa sociedade, com respeito às suas raças, às suas orientações sexuais, às suas identidades. Nós estamos fazendo um trabalho, na verdade, de direitos humanos, e de defesa da cidadania no sentido que todos e todas no Brasil devem ser tratados e ter as oportunidades iguais na nossa sociedade.

Assim, este é um capítulo desta batalha, e tenho certeza que vai ser bem sucedido. Pelo que eu vejo do interesse e da dedicação do pessoal que trabalha aqui, e também pelo fato de que é um trabalho desenvolvido de maneira articulada com as representações dos movimentos sociais. Nós fizemos uma campanha de combate à AIDS no Brasil que chegou a ser considerada a melhor do mundo em desenvolvimento. E eu fui quem capitaneou essa batalha, a partir da segunda metade dos anos 90. Sou testemunha de como ela foi acolhida no mundo inteiro. Mas uma questão que é menos conhecida, inclusive fora daqui, é que se ela deu certo foi devido à parceria com as ONGs e com os movimentos organizados. Não foi a ação dos funcionários do Ministério da Saúde e nem da Secretaria Estadual da Saúde aqui de São Paulo apenas, mas também essa parceria e o ativismo de tanta gente pelo Brasil afora. Por isso é que a campanha deu certo.

Eu me lembro, inclusive, quando estava em Doha, em uma reunião da Organização Mundial do Comércio, em 2001, que nós ganhamos uma batalha. A Organização Mundial do Comércio aprovou uma resolução que permite aos países quebrarem patentes de medicamentos no caso de interesse social, e amplamente. Não foi apenas no caso da AIDS – isso foi uma mudança na história e na política de medicamentos em escala mundial.

Foi uma proposta nossa, brasileira, e particularmente minha, e nós ganhamos a batalha, conseguimos aprovar. E por quê? Porque lá também estavam todas as ONGs se movimentando. Eu me lembro que o representante dos Estados Unidos era o Robert Zoellick, no cargo de United State Trade Representative, ou seja, o ministro na prática, que opera o comércio internacional. Ele disse que foi um entendimento comigo, que a posição dos Estados Unidos era muito importante, que a gente estava pressionando muito e que, no fundo, nós tínhamos razão em algumas coisas – e ele também não aguentava mais a pressão das ONGs. E que, por isso, ia ceder.

Este foi um trabalho de parceria que veio desde quando, com o João Yunes, secretário da Saúde na época do Montoro, nós fundamos o Movimento de Combate à AIDS aqui em São Paulo. Na verdade, foi a fundação no Brasil. Naquele momento foi feita essa parceria que o Governo do Estado está sempre disposto (a repetir) na minha administração, como esteve nas anteriores. Está disposto a fortalecê-la, a ouvir, a aprender, a detectar quais são as questões, a ajustá-la dentro dos requerimentos de políticas públicas que são bastante estritos e avançar na defesa dos direitos humanos que pressupõe que o SUS atenda todo mundo dentro das suas particularidades.

Muito obrigado aqui à equipe, bom trabalho e eu tenho certeza de que não preciso desejar sucesso, porque sei que vão ter… Só espero que esse sucesso seja alcançado o mais rapidamente possível.

Obrigado!