Serra homenageia personalidades com Ordem do Ipiranga

São Paulo, 29 de setembro de 2009

ter, 29/09/2009 - 16h19 | Do Portal do Governo

Governador José Serra: Queria dar o meu boa noite a todos e a todas. Saudar o nosso prefeito da Capital, o Gilberto Kassab; o (ex-)governador Orestes Quércia; o (ex-)governador Geraldo Alckmin (atual secretário de Estado de Desenvolvimento); o nosso vice-governador Alberto Goldman; o secretário-chefe da Casa Civil e chanceler da Ordem do Ipiranga, Aloysio Nunes (Ferreira). Queria cumprimentar os ex-ministros Henrique Hargreaves, Andrea Calabi, Djalma Bastos de Morais, Paulo de Tarso Almeida Paiva. E queria, através do (deputado) Davi Zaia, líder do PPS, cumprimentar os parlamentares presentes, e saudar também todos os secretários aqui presentes (através do) ex-ministro Paulo Renato (de Souza, secretário da Educação do Estado de São Paulo). E, naturalmente, aqui a minha saudação a todos os que hoje são agraciados.

Na verdade, um Governo não é julgado apenas pelo que faz, nem pelas homenagens que recebe, mas também pela escolha daqueles que homenageia. E eu creio que, para nós, é hoje um motivo de satisfação e de orgulho muito especial homenagear a todos esses homens públicos aqui presentes. É uma homenagem que eles prestam a São Paulo também quando vêm aqui receber esta homenagem de São Paulo. Todos têm em comum um passado e um presente de integridade e luta pelas liberdades, pelo aperfeiçoamento das instituições democráticas e a favor do nosso povo.

O tempo, desde os anos da ditadura, separou o caminho. Nem todos aqui trilham o mesmo caminho dentro da política, dentro do processo brasileiro. Mas continuam mantendo, cada um deles, essas características comuns. Características essas que, infelizmente, não se pode dizer que sejam abundantes em nosso País. Eu diria até que em certos momentos parecem tornar-se escassas – e cada vez mais escassas. E esse é o grande significado da nossa homenagem também: homenagear aquilo que o Brasil teve e tem de melhor. Não estão todos aqui, mas homenagear alguns, os mais representativos daquilo que o Brasil teve e tem de melhor em matéria de qualidade na vida pública.

É interessante sublinhar, ou chamar a atenção, para um fato: todos os homenageados aqui são formados em Ciências Jurídicas, menos um, que é o (ex-)presidente Itamar Franco, que é engenheiro – uma profissão que eu desejei ter, mas não consegui em virtude do golpe de 1964. O presidente Itamar tem um papel, teve um papel e terá nos anos próximos muito importante na história do nosso País. Foi sob o seu Governo, sob a sua responsabilidade maior, que o Brasil conseguiu livrar-se de uma superinflação de 15 anos, que criava uma nuvem de poeira quente, para lembrar o Fernando Pessoa, que impedia que nós pudéssemos vislumbrar – eu já não diria o futuro – mas até o presente.

Foi necessária muita coragem para se fazer o Plano Real, escolher as pessoas certas – o que o presidente Itamar fez (com o então ministro da Fazenda) Fernando Henrique (Cardoso) e a sua equipe – mas muita coragem. Muita coragem especialmente porque o Plano Real, de alguma maneira, representou uma demonstração de práticas que o besouro voa. Porque tinha tudo para dar errado num ano eleitoral.

Quando me perguntaram: “Fazer estabilização num ano da eleição, em três meses? Impossível!”. No entanto, provou-se possível. Isso mudou a história do nosso País, sem dúvida nenhuma. Não que tenha resolvido os problemas brasileiros para sempre, pelo contrário, mas tornou-os mais visíveis, tornou-nos mais rápidos para enfrentá-los. E o País vai ter, presidente Itamar, essa dívida para com a sua figura para toda a sua história futura. E há um outro aspecto importante e relevante do papel do Itamar Franco: foi o momento em que ele assumiu. Um momento em que o País se encontrava no chão, em matéria de credibilidade das instituições democráticas – e coube ao seu Governo de transição restaurar a confiança nas instituições e nos processos democráticos. Foi um período muito importante da história do nosso País, aquele do final de 1992 até 1994. E o presidente Itamar foi, salvo engano meu – vocês conhecem mais histórias e poderão me corrigir – foi o único presidente, desde Artur Bernardes, que fez o seu sucessor.

Mas aqui estão também, entre os homenageados, dois companheiros meus de exílio: o Plínio (de Arruda) Sampaio e o Almino Afonso. Aliás, quem conspirou para que o Almino Afonso falasse, conspirou também contra mim – porque falar depois do Almino é um encargo impossível de ser atendido satisfatoriamente. Foi por ordem alfabética? (risos) Acho que foi uma conspiração contra mim, mas a favor de todos nós. Como eu disse… dois companheiros de exílio e também da política pré-1964. Os dois, para mim, foram uma referência importante nos anos da minha formação. Como foram, também, nos primeiros anos de exílio, uma vez que eu deixei o Brasil com 22 anos recém-feitos – e convivemos muito lá fora. O Almino foi com quem eu convivi o período mais prolongado, desde 1965, porque eu cheguei no Chile com um ano já de exílio, passado em outros lugares, até o golpe do general (Augusto) Pinochet (em 1973). E, com o Plínio, nos Estados Unidos, onde, inclusive, poucos sabem, moramos juntos. Eu na casa dele e ele na minha casa, em períodos diferentes.

O Almino Afonso foi ministro do Trabalho do João Goulart. Devia ter, se eu calculo bem, uns 34 anos – 33. É… você faz em abril. E, para nós, o Almino era um paradigma. Elegeu-se deputado pelo Amazonas, em (19)58, já tinha estudado em São Paulo e sido presidente da UEE (União Estadual dos Estudantes) aqui em São Paulo, entidade que eu presidi 10 anos depois dele. Era, talvez, o político brasileiro que, para a juventude, era quem tinha o melhor dom da palavra. Aliás, dom que ele mantém. Ele falou aqui do Fernando Gasparian (editor, ex-deputado constituinte e empresário), cuja filha, a Helena (Maria Gasparian), é a nossa assessora de Relações Internacionais (no Governo do Estado de São Paulo). Há pouco tempo, há um ano, creio, fizemos uma homenagem ao Gasparian, dando o nome de uma usina elétrica próxima – e o Almino falou de improviso a respeito do Fernando Gasparian. Pois foi a oração mais perfeita que eu vi alguém fazer a respeito de alguém que já não estava presente. Como foram também as palavras dele no seu 80º aniversário, que nós tivemos a alegria de assistir e de absoluto improviso, como foi hoje. O Almino, de fato, para mim, sempre teve um grande significado pessoal – e teve, na política brasileira, o seu regresso.

Eu me lembro que estava passando pelo Brasil… Voltei de fato do exílio em (19)77, depois que prescreveu a minha condenação – eu acabei sendo condenado durante a minha ausência e passei por aqui 2 meses muito instáveis, em meados de 1977. Se eu não me engano, era época da gestação em que foi feita a Carta aos Brasileiros (cujo 32º aniversário foi comemorado em 07/08/2009). Eu sou testemunha, porque o via com muita freqüência, que ele foi um dos articuladores, se não o principal, da ideia dessa carta. Não estou seguro a respeito do direito de autor, mas estou seguro da iniciativa que ele tomou na época e do trabalho de mobilização feito.

O Plínio Sampaio foi outra referência muito importante para mim. Ele foi, talvez, o primeiro secretário de Planejamento que São Paulo teve. Naquela época não estava na moda Secretaria de Planejamento, e o Plínio foi quem coordenou o primeiro plano de ação que nós tivemos aqui no Governo de São Paulo, na época do Carvalho Pinto. Foi um bom Governo e o Plínio foi o coordenador desse programa. Eu o conheci, à distância na época, fazendo apresentações daquele plano que ordenava os investimentos no Estado, identificando ponto de estrangulamento, as ações que o Poder Público deveria representar. E que depois, eleito deputado em Brasília, foi quem assumiu, talvez, o papel mais proeminente na votação dos projetos de reforma agrária, que lhe custou o exílio a partir daí. Aliás, ambos, tanto o Plínio Sampaio quanto o Almino, no exílio, acabaram se envolvendo no processo mais amplo de reforma agrária em escala internacional – o Plínio já especialista, e o Almino não teve dificuldade para tornar-se especialista. Inclusive tem um livro de dois volumes, se bem recordo, a respeito da história do campesinato, dos camponeses no Chile. Portanto, para mim, essa homenagem, além de ser uma homenagem a dois grandes homens públicos de São Paulo, tem também um significado muito especial.

Os outros homenageados eu não conheci senão depois do meu regresso (ao Brasil), às vezes até alguns anos depois, mas conhecia muito pelo noticiário, porque eu consegui me manter no exílio praticamente lendo a imprensa brasileira semanalmente, ou até diariamente. Quando estava nos Estados Unidos era diário. Passei quatro anos lá, eu lia todos os dias com atraso os jornais, para não dizer as revistas. Tinha aquela volúpia de notícias a respeito do nosso País, e também pra não perder o contato devido à distância. Afinal, eu tinha saído com 22 anos e acabei voltando, definitivamente, com 36. Foram 14 anos fora, o dobro, ou o triplo do que eu tinha tido de vida adulta aqui. E aprendi a conhecer aqueles batalhadores da resistência democrática pelo nome: Fernando Lyra, o Jarbas (Vasconcelos), Luiz Henrique (da Silveira), que era político estadual até (19)78, e o Pedro Simon, que era deputado estadual. Eu achava incrível como é que um deputado estadual tinha um papel nacional como o Pedro tinha na época. Era um homem conhecido nacionalmente, porque ele saltou de deputado estadual para senador, se não me falha a memória. E vocês não calculam o significado que a luta que vocês travavam tinha para aqueles, como nós, que ou estavam nas prisões, ou estavam marginalizados, ou estavam impedidos de voltar ao seu País.

Por outro lado, outros homenageados foram militantes em outra esfera, na esfera também da batalha política, da batalha social, mas a partir, eu diria, mais caracterizadamente, da área jurídica. Mauricio Corrêa, que foi presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Brasília, foi meu colega na Constituinte. Eu sou testemunha da importância do Mauricio na Constituinte, nas reuniões de madrugada – lembra, Mauricio? – discutindo aqueles relatórios que o relator abria para alguns parlamentares, entre eles para o Mauricio e para mim. E, posteriormente, também, dirigindo o Ministério da Justiça, nesse momento difícil da transição depois da destituição do (então) presidente da República (Fernando Collor), com a posse do presidente Itamar Franco. Posteriormente, foi para o Supremo (Tribunal Federal – STF). E o testemunho que eu tenho de ministros do Supremo, que não eram necessariamente próximos do ministro Mauricio, como o Gilmar Mendes, ou o Nelson Jobim, ou o (Sepúlveda) Pertence a respeito da qualidade do seu papel como ministro do STF. O ministro Mauricio Corrêa, no STF, teve um desempenho que nos orgulha, e eu estava aguardando uma oportunidade, Mauricio, para lhe dizer isso publicamente.

O nosso Marcio Thomaz Bastos, que foi presidente da OAB de São Paulo e do Conselho Federal da OAB. Um homem que foi ministro da Justiça durante vários anos, na transição… não de um regime… mas de um Governo para outro, de um partido para outro. A meu ver, soube conduzir esse trabalho, difícil também, com qualidade, com respeito e com dignidade. Quero aqui expressar esse reconhecimento público. Poderia também dizer pessoalmente que ele foi meu advogado, mas o José Carlos Dias foi meu advogado em momentos mais críticos, indicado pelo Plínio.

Eu me lembro que o Plínio, nos Estados Unidos, me recomendou o contato com José Carlos Dias. E como são bacharéis, não sei se em todo o Brasil, mas aqui em São Paulo, quando se fala de um, o sujeito lembra o nome, do pai, do avô, do tio. E o Plínio disse: “Não, ele é filho do desembargador…” Eu não me lembro o primeiro nome do seu pai… Cleudomiro Dias. “Escreve muito bem, Zé”, me disse o Plínio. E me mostrou uma carta do José Carlos Dias, realmente que escrevia muito bem. Eu pensei: “Bom, pelo menos pode ser que eu não consiga voltar ao Brasil, mas pelo menos terei um advogado que escreve muito bem”. E foi, na verdade, o José Carlos Dias e o seu escritório que prepararam o meu regresso ao Brasil numa incerteza muito grande, porque apenas prescreveram a minha condenação, que era o dobro mais um ano – havia uma regra aritmética para isso. E eu não conseguia… não só não conseguia passaporte, eu vivia com passaporte italiano, mas eu não conseguia nem um papel da embaixada brasileira dizendo que eu existia. Eu só quero o seguinte: um papel que diga “o senhor José Serra é brasileiro e nasceu em tal data”. A embaixada se recusava até aí.
E eu voltei nessa incerteza. Por outro lado, com a certeza absoluta de que seria preso no aeroporto, em Viracopos (Campinas). Fizemos um caminho… eu tomei um avião que me permitia chegar diretamente em São Paulo, sem passar pelo Rio de Janeiro… porque se tiver que ser preso, que seja pelo menos no meu Estado… ser preso no Rio vai ser muito complicado. E acabei desembarcando e o delegado que estava lá…
Apenas como curiosidade, o delegado que comandava lá o aeroporto, da Policia Federal, ele me disse: “Olha, se o senhor não tivesse avisado”… porque eu consegui pelo menos que o consulado avisasse que eu estava indo para o Brasil, porque tudo que eu não queria era chegar incógnito, queria chegar publicamente… ele disse: “Se o senhor não tivesse avisado, teria passado direto. Porque o seu nome está aqui em cima mas, por algum problema, não estava lá embaixo. O senhor poderia ter entrado diretamente e não teria lhe acontecido nada”, embora, nos dias posteriores, as coisas pudessem ter ficado até mais complicadas por causa disso. Mas o José Carlos Dias… a partir daí ficamos amigos, mas muito próximos quando ele foi secretário da Justiça no governo (Franco) Montoro, que também foi um período… ainda havia vigência do regime militar, que terminou em 1985, na verdade. E o José Carlos comandou aqui a pasta da Justiça em 1983, no lugar que havia sido o centro principal da repressão política, da tortura no nosso País. E posteriormente (foi) ministro da Justiça do presidente Fernando Henrique. Aliás, os nossos homenageados, o Mauricio (Corrêa), o Marcio (Thomaz Bastos), Miguel Reale, José Carlos Dias e José Gregori, (foram) todos ministros da Justiça.

O José Gregori, eu conheci quando ele era chefe de Gabinete do ministro da Fazenda, (Francisco Clementino) San Tiago Dantas – ele era o chefe de Gabinete aqui em São Paulo. E eu queria uma audiência com o San Tiago Dantas, não me lembro o motivo, porque o presidente da UEE (União Estadual dos Estudantes de) São Paulo queria uma audiência com o ministro, mas o José Gregori foi o intermediário e foi então que eu o conheci. E depois o reencontrei aqui como um lutador, na vanguarda dos direitos humanos e da luta contra a tortura e a repressão. O Almino lembrou aqui uma coisa importante, que minimizou talvez o papel dele. Nós, no Chile, organizamos um comitê de denúncia à repressão nos piores anos da tortura no Brasil, que realizou uma verdadeira mobilização internacional, inclusive o tribunal Bertrand Russell, que foi convocado por iniciativa… por articulação nossa. E o Almino era a principal figura desse comitê que, de alguma maneira, permitiu uma mobilização internacional que ajudou muito a luta aqui dentro, até pelo incômodo que os principais agentes da repressão sentiram com relação a essa mobilização internacional.

O Miguel Reale é da minha geração. Acredito que deve ter um pouquinho só mais de anos do que eu mas, como foi dito aqui, o Miguel, além da sua face de jurista eminente, o Miguel era um militante – conheci o Miguel como militante, de base até. Aquela campanha – lembra, Geraldo (Alckmin)? – do Parlamentarismo, em todas as batalhas, o nosso Miguel presente, companheiro. Foi secretário também do governador (Franco) Montoro, do governador (Mário) Covas, além de ministro da Justiça do presidente Fernando Henrique.

Por último, quero me referir aqui ao Roberto Freire. Eu também conheci o Roberto Freire no Chile. O curso que ele foi fazer, Almino, foi sobre reforma agrária, foi sobre agricultura, estou certo? O Roberto, não me lembro se era casado ou namorava com a filha… Não me lembro se você já era casado com a filha do (engenheiro Antonio) Baltar. E aí nos conhecemos – ele era um eminente integrante do partidão (PCB – Partido Comunista Brasileiro, hoje PPS – Partido Popular Socialista), nossos aliados da Ação Popular (AP). Eu quero dizer uma coisa que talvez pouca gente saiba, eu não sei nem se eles lembram, mas eu tenho certeza absoluta que, antes do golpe de 1964, o Almiro e o Plínio ingressaram na Ação Popular – eu nunca vi o Almino falar isso, nem o Plínio, mas é importante. Eu fui talvez o principal agente de recrutamento de ambos…
Mas nós tínhamos uma relação com o partidão, o PCB, de frente única, mas naturalmente sempre com tensões. E eu aprendi a conhecer o Roberto já naqueles dias, um homem aberto. O Roberto não é um dogmático. Essa é a essência da questão: por isso é que ele pode, ao longo da sua vida, mudar sem perder a coerência, porque não era um dogmático. E na convivência que eu tive com ele, mais estreita, já na Constituinte, pude verificar inclusive como ele é um homem corajoso nas teses que defende – e, naturalmente, também, o gosto que ele tem pela polêmica e por uma divergência. Sem dúvida nenhuma é um grande homem público, o Roberto Freire. Nós o incluímos nessa homenagem pelo reconhecimento que ele merece de todos nós.

E o nosso Luiz Henrique (da Silveira), também autêntico, do PMDB, do MDB, discípulo do Dr. Ulysses (Guimarães), que eu conheci quando fui com o Almino – lembra? – num seminário em Santa Catarina. Ele era prefeito, eu acho que foi em Joinville o seminário. Eu fui falar sobre descentralizarão, escrevi um texto imenso que eu perdi, até hoje estou procurando. E o Luiz Henrique está no presente como um grande governador de Santa Catarina, reeleito… eu tenho a impressão que ninguém foi reeleito lá; você foi o primeiro que foi reeleito, se não me falha a memória e, além do mais, no primeiro turno, que é o sonho de consumo de todos os candidatos a governador. É um companheiro que expressa bem o vínculo que há entre aquele passado de lutas e o presente de lutas, o vínculo que há entre aqueles que escreveram a nossa história e continuam escrevendo. Por isso esta homenagem ao Luiz Henrique. Menos como governador, e mais como companheiro do antigo MDB, mais como companheiro de lutas em toda essa nossa trajetória.

Bem, eram essas palavras que eu queria dizer aqui, de forma improvisada. Foi impossível, dada à complexidade da própria homenagem, que o Almino dizia, fazer algo mais preparado. Mas o que eu disse aqui tem uma característica que é básica, que é da espontaneidade e da sinceridade. Todos os que estão aqui merecem o meu respeito, a minha consideração, a consideração de São Paulo e do seu Governo. Todos aqui, sem exceção, são políticos ou parapolíticos nacionais, todos com visão nacional. Isso eu aprendi através da convivência e da reflexão em todos os momentos que atuei no Brasil depois do meu regresso. São homens que têm uma visão do País, a partir das suas regiões, mas que olham o Brasil como um todo. Visão essa que pelo menos o exílio também reforçou muito em mim, porque aquela distancia toda não só terminou eliminando parte do meu sotaque italianado da Mooca, que eu tinha muito forte. Eu saí do Brasil dizendo fome (fóme) e voltei dizendo fome (fôme).

Mas, afora a formação intelectual que o exílio me proporcionou… Outro dia eu dei uma entrevista, que vai sair numa revista, na verdade à minha revelia, eu só dei no finalzinho, e a menina (repórter) me perguntou que autor eu preferia. Eu citei o Borges, Jorge Luis Borges, que é um grande escritor argentino, e que tem um poema maravilhoso, que eu citei pra ela. Não declamei, mas citei, que é “Fragmentos de um Evangelho Apócrifo”. E aí, depois, ela me mandou um e-mail, uma coisa de procurar contradição, dizendo o seguinte: o Borges declara, ou diz que, em algum lugar que ela leu, que intelectual que vai para a política não dá certo. Aí eu respondi: “Puxa, aí também não vale, o fato de que eu admire o Borges não significa que eu compartilhe, por exemplo, as idéias políticas dele”. Mas, de toda maneira, eu não fui um intelectual que entrou na política, eu fui um político que teve uma formação intelectual. Porque eu comecei na política como um militante, puro e simples. A minha formação acadêmica praticamente foi feita toda no exterior. E uma vez voltando ao Brasil, (foi) posta a serviço das nossas lutas, às vezes errada, às vezes certamente, mas sempre com aquela intenção de que o País possa encontrar um futuro de desenvolvimento, de prosperidade. Olhando o Brasil de hoje, eu estou convencido que nos falta um projeto de médio e de longo prazo, nos falta uma visão do País e seu conjunto.
A menina me perguntou: “O que é ser de esquerda hoje?” Eu falei: “Olha, por incrível que pareça, ser de esquerda hoje é pensar em desenvolvimento, é pensar em política de desenvolvimento, é achar que o mercado por si só não constrói o desenvolvimento”. Para ver como as coisas mudaram no nosso País – e como muita coisa que estava no passado deve ser recuperada para o presente, atualizada e levada para o nosso futuro. Porque nós precisamos mais do que nunca de um projeto de País, precisamos mais do que nunca de um projeto de Nação. E aqui, este é um outro denominador comum entre todos os nossos homenageados – noves fora as diferenças que possam existir – estamos todos convictos dessa necessidade, que é uma necessidade imperativa para que tenhamos aquele futuro que, afinal de contas, ficou da nossa militância durante décadas.

Ninguém aqui, e eu conheço todos, entrou em política, deu o que tinha de melhor de si na política, para obter o prestígio do poder, para obter tudo aquilo que o poder confere em matéria de prestígio ou de liturgia. Nós entramos para mudar o Brasil. O Brasil já mudou, mas tem que mudar muito mais pela frente. E os exemplos dos homenageados de hoje são muito importantes para aqueles que estão mobilizados nessa luta.

Muito obrigado a todos, de coração, pela homenagem que nos prestam!