Serra discursa na abertura do Ethanol Summit 2009

Governador José Serra: Quero cumprimentar a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff; o presidente da ÚNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Marcos Jank; o Antonio Lambertucci, ministro-interino da Secretaria-Geral da […]

seg, 01/06/2009 - 23h00 | Do Portal do Governo

Governador José Serra: Quero cumprimentar a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff; o presidente da ÚNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), Marcos Jank; o Antonio Lambertucci, ministro-interino da Secretaria-Geral da Presidência da República; Dallas Tonsager, subsecretário da Agricultura e Desenvolvimento Rural dos Estados Unidos; Roberto Vellutini, vice-presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Queria cumprimentar os deputados federais aqui presentes: Mendes Thame, Arnaldo Jardim e Marcos Montes. Senhores presidentes, representantes de entidades de classe, lideranças empresariais do setor sucroalcooleiro e a todos.

Queria, inicialmente, cumprimentar os organizadores do encontro pela iniciativa que, sem dúvida, representa uma alavanca de contribuição para o desenvolvimento da produção e da utilização do etanol em escala mundial. Eu queria aqui me referir a apenas alguns pontos, porque muitas das questões importantes já foram abordadas ou ainda serão, ao longo destes dias. Portanto, da ótica do Governo do Estado, eu queria me restringir às questões que considero mais críticas e relevantes no assunto etanol.

Em primeiro lugar, o vice-governador (Alberto) Goldman já deve ter feito referência à importância que tem o etanol para a economia do Estado de São Paulo. Cerca de 2/3, aproximadamente, da produção e exportação de cana-de-açúcar, de açúcar e de etanol (brasileiros) são feitas a partir do Estado, onde se verificam as maiores produtividades do mundo na exploração da cana, seja por fatores de natureza tecnológica, seja por fatores naturais, como é o caso da terra e também do clima, uma vez que a cana-de-açúcar exige um inverno que tenha uma certa dose de frio. Portanto, as condições do interior paulista são extremamente favoráveis à cana. Entre 1/5 e 1/6 do território total de São Paulo hoje tem plantações de cana-de-açúcar, para se ter uma idéia do peso que isso tem na economia do Estado. E a cana tem um fator econômico interessante: a renda gerada por hectare é da ordem de R$ 4 mil; com a soja ou o milho, a renda gerada é da ordem de R$ 1.500. E com a criação de gado, da ordem de R$ 500 reais. Isso dá uma medida também de como a cana-de-açúcar tem efeitos encadeamentos, chamados “linkages”, mais importantes sobre a atividade econômica, ao contrário do que se possa inicialmente imaginar.

Por outro lado, aqui em São Paulo há um incentivo grande, que é praticamente único – eu não tenho o panorama de todos os Estados – do ponto de vista tributário, porque há uma redução do ICMS do etanol, que hoje é da ordem de 12%, enquanto a maioria dos Estados impõe a taxação de 25% e, na melhor das hipóteses, de 18%. Esse é um subsídio fiscal ao setor que já vem de alguns anos, e que foi muito importante para o setor em si e para a disseminação do emprego do etanol como combustível de veículos. Aqui também foi gerado o motor flex, que hoje envolve cerca de 90% da nossa frota. E há investimentos muito fortes, que combinam iniciativa privada e pública em termos de pesquisa do etanol e, inclusive, agora da segunda geração do etanol a partir da celulose. É importante dizer que, no momento em que o mundo conseguir resolver esta questão tecnológica, ou seja, uma exploração econômica da celulose para efeito de geração de energia, a cana-de-açúcar continuará na frente. Ela manterá a sua distancia relativa, ou seja, se houver uma revolução que permita extrair de forma rentável, econômica, com alta produtividade, o etanol da celulose, a cana – por suas condições moleculares, pela sua estrutura químico-biológica – manterá a sua distância relativa. Portanto, continuará sendo o melhor investimento nessa área, mesmo com novas tecnologias.

Evidentemente, seria covardia comparar hoje o etanol da cana-de-açúcar com o etanol do milho, que tem uma produtividade infinitamente menor, e que estabeleceu alguma concorrência com a produção de alimentos no caso dos Estados Unidos. Objetivamente, o etanol do milho foi capaz de elevar o preço do milho, criando problemas até em países limítrofes, como é o caso do México, onde o milho é o principal insumo da cadeia alimentar das pessoas.

Nós estamos investindo, através da Fundação do Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo, e de parcerias com a iniciativa privada, não apenas no que se refere à questão da extração do etanol, mas em outros aspectos que vão da própria natureza da planta, no sentido de se obter variedades de cana intensivas em etanol e em energia, como também na extração e no processamento da cana para efeito da produção de etanol. São investimentos grandes que temos feito, acrescentando projetos desenvolvidos com setores da indústria petroquímica na direção de uma “alcoolquímica”.

Eu queria tocar em dois pontos importantes aqui. Um é do meio ambiente. A grande vantagem do etanol em relação à gasolina reside na questão ambiental. E realmente há dados muito significativos. Basta dizer o seguinte: entre 2004 e 2008, a frota flex de São Paulo poupou cerca de 35 milhões de toneladas de CO2 lançadas na atmosfera. Esse é um dado importante. Em outras palavras, essa frota economizou o equivalente ao plantio de 110 milhões de árvores em 20 anos. Isso mostra o aspecto ecológico positivo do etanol que, em geral, aparece menos na discussão internacional. Para que se tenha uma idéia – e este é um seminário internacional, portanto vale a pena citar – se 10% da gasolina do mundo contivesse álcool, deixariam de ser emitidas por ano 530 milhões de toneladas de CO2, o que equivale a um bilhão de arvores em pé. Eis uma síntese do benefício ecológico que o etanol traria.

Temos aqui um argumento extremamente importante nessa discussão mundial a respeito do etanol. Quando esteve aqui a primeira-ministra da Alemanha, ela me falou da sua preocupação com a Floresta Amazônica. A cana-de-açúcar não prospera nas terras e no clima da Floresta Amazônica, portanto não há esta competição predatória que se imagina (fora do Brasil). E existem muitas possibilidades de expansão (da cultura da cana-de-açúcar), tanto aqui como no conjunto da região latino-americana e em outros países do mundo. Portanto, no ponto de vista ambiental, a nota do etanol comparativamente com a do petróleo é muito mais alta, muito mais significativa.

Quero dizer ainda que, aqui em São Paulo, nós enfrentamos com sucesso enorme, num trabalho conjunto com o setor, a questão das queimadas. Por que as queimadas? Porque são ainda um método de extração de cana. Queima-se a cana, faz-se o corte, num trabalho de natureza manual. Para que vocês tenham uma ideia, quando eu tomei posse aqui em São Paulo, há pouco mais de dois anos, o índice de queimadas no Estado era de cerca de 10% do território, ou seja, 2,5 milhões de hectares queimados a cada ano. São Paulo é uma parte muito pequena do território brasileiro, tem entre 2% e 3% do tamanho do país. Pois bem, 10% do território do Estado estava sujeito a queimadas. E nós então criamos um entendimento com o setor através de um protocolo, materializado em um cronograma que antecipa o fim das queimadas – que estava previsto para 2020, 2025. O antigo cronograma era de outra época, quando a cana não tinha também essa importância. De maneira que, em 2014, praticamente não haverá mais a queima da cana em São Paulo, exceto nas propriedades menores.

E há também o desenvolvimento da tecnologia que permite o corte mecânico da cana em terras inclinadas, porque esse é o grande problema: a maquinaria atual não permite atuar em terras com muito declive. Estão sendo desenvolvidas soluções tecnológicas que permitirão fazer isso. O programa tem tido um sucesso espetacular. Basta dizer que a colheita crua, que é aquela feita apenas com as máquinas, equivaleu a 34% na safra de meados de 2007, passando para 49% na safra de 2008 e 2009. Ou seja, um aumento de 810 mil hectares colhidos mecanicamente, sem a utilização do fogo. Isto equivale a 2,3 milhões de toneladas de monóxido de carbono não lançadas na atmosfera, assim como deixam de ser emitidas 200 mil toneladas de material particulado e 330 mil toneladas de hidrocarbonetos. Há ainda um grande avanço na expansão e recuperação das matas ciliares, e aqui quero fazer um reconhecimento público ao setor, que é o que mais aderiu a esse programa do Governo do Estado. Portanto, são resultados muito significativos e que mostram a preocupação de São Paulo, e que é uma preocupação nacional, de lidar adequadamente com a expansão ambiental no caso da cana-de-açúcar.

Falando de energia e seus encadeamentos, nós também estamos caminhando a pleno vapor para a utilização dos resíduos da cana na produção de energia. E no caso, também, com poupança significativa de CO2, uma vez que se trata de uma fonte que será queimada, mas será replantada e reabsorverá CO2 da atmosfera. E ainda há mais: toda a vertente da alcoolquímica e bioplásticos, a rota de produção do eteno a partir do etanol, que exige fábricas integradas verticalmente, o etanol de segunda geração de que eu falei e a disseminação dos motores flex, agora na motocicleta, no ônibus, nos motores náuticos e nos aviões: é toda uma área de expansão nova para a cana.

No caso da eletricidade, a colheita da cana crua já alcançou praticamente 50% da área de cana do Estado. E aí, no caso, 50% dessa palha pode ser aproveitada com a hidroeletricidade. Quais são as vantagens? Renovável e limpa, 100% de autosuficiência energética, créditos de carbono. Período de safra complementar ao hidrológico, implantação de unidade em tempo reduzida (24 a 30 meses), e disponível no coração do sistema elétrico, maiores áreas de consumo e movimentação da indústria de consumo evidentemente gerando empregos e renda, o que tem uma importância muito grande. Só no caso de São Paulo, o potencial de utilização plena do bagaço e da palha pode equivaler, em 2012, a 56% da usina hidrelétrica de Itaipu. É algo muito significativo porque estamos falando da maior hidroelétrica da região.

Por último, o aspecto do comércio: se um país como o Japão adotasse 10% de etanol na gasolina, seria uma verdadeira revolução. E o Japão, em matéria de combustíveis, não tem o viés protecionista dos Estados Unidos e mesmo da União Européia. Há um protecionismo muito forte nos Estados Unidos, até contra os consumidores americanos – a mesma coisa que os economistas e articulistas americanos sempre falaram de América Latina, os Estados Unidos praticam. Eles são como aquele padre chileno, o Cura Gatica – que predica e não pratica (provérbio popular chileno). Ou seja, predicam o livre comércio mas não praticam quando é inconveniente, e esse é o caso típico do etanol. A União Européia também coloca muitas restrições, mas olhemos um país como o Japão, que só teria interesse (em adotar o etanol) – não que o Japão não seja protecionista, mas não nessa área.

Qual o problema do Japão, então, para adotar o etanol? O problema é a insegurança do abastecimento, e aí há uma batalha que nós temos que travar em comum, inclusive no Brasil, Estados Unidos e outros, que é transformar o etanol em uma commodity internacional. Daí o interesse do governo brasileiro de estimular a produção de etanol na África e no resto da América Latina. O governo brasileiro tem manifestado disposição de dar assistência para que se produza mais fora do Brasil, e essa é uma atitude que pode parecer surpreendente… Para que se produza nas Américas, na América Latina e na África, inclusive na Ásia. Primeiro, devo dizer com toda a franqueza: a liderança do Brasil não será perdida; é impossível. Não há nenhum outro país que possa se aproximar (da produção brasileira), exceto os Estados Unidos, evidentemente, mas o consumo é muito elevado e eles não vão ser players no comércio de etanol – isso é quase impossível.

Queremos disseminar o conceito de commodity para a cana-de-açúcar e para o etanol porque isso é que vai permitir o desenvolvimento do comércio – e essa é a questão chave. Temos todo o interesse em desenvolver o esquema de oferta garantida, porque o etanol compete com o açúcar – de repente o açúcar sobe, e a produção migra. É um problema de racionalidade econômica, não é perversão psicológica. Se a produção migra para o açúcar e deixa o álcool, quem está com uma frota arrumada para receber o etanol pode se sentir em perigo. Então, nós temos que desenvolver esquemas dessa natureza, de oferta garantida, o que é muito importante não apenas para São Paulo, que é o principal Estado exportador, não apenas para o Brasil, que é um País de grande expansão.

Em São Paulo, inclusive, pelo zoneamento de expansão agrícola, não é do nosso interesse expandir a área plantada de cana. Mas é do nosso interesse expandir a produção mediante o avanço tecnológico – e a produção vai entrando necessariamente nos Estados vizinhos – Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, que são aqueles onde, agora, a produção está avançando mais. E essa é uma coisa muito boa do ponto de vista de utilização do solo.

Mas a questão crucial é podermos ter também uma opção ao petróleo – primeiro do ponto de vista ambiental e, segundo, do ponto de vista político-econômico, porque eu não tenho pessoalmente nenhuma ilusão: essa contração do comercio internacional do petróleo, com queda de preços e etc., é passageira. Nós vamos viver, ao longo da historia, com surtos de aumentos de preços, porque essa é uma produção altamente monopolizada, que envolve problemas políticos que infelizmente não vão desaparecer no horizonte – não estou querendo ser muito pessimista, mas acho que ainda na minha geração não vão desaparecer. Portanto, o desenvolvimento do etanol apresenta também a possibilidade de um alivio na pressão que a concentração da produção e os problemas políticos envolvendo o petróleo sejam atenuados, além evidentemente da questão ambiental a que eu fiz referência aqui.

Eram essas as palavras que eu queria dirigir aos participantes deste encontro, cumprimentando novamente pela organização, agradecendo a gentileza do convite, e desejando a todos um bom trabalho nos próximos dias.