Serra abre Conferência Internacional de Direitos Humanos

Evento comemora o 1º aniversário da iniciativa "Protegendo a Dignidade: uma Agenda para os Direitos Humanos"

seg, 21/12/2009 - 22h22 | Do Portal do Governo

Governador José Serra: Queria dar meu boa tarde a todos e a todas. É com muita satisfação que hoje eu vim aqui, entre diferentes atividades que eu tinha. Fiz questão de comparecer. Esta é uma atividade que nós fazemos em cooperação com o Departamento Federal de Relações Exteriores da Suíça e em colaboração com o Núcleo de Estudos de Violência da USP (Universidade de São Paulo), uma Conferência Internacional sobre Direitos Humanos.

O evento comemora o primeiro ano de lançamento da agenda Protegendo a Dignidade Humana, que marcou o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Aliás, um documento que, posso falar, muita pouca gente leu e valeria a pena, para quem está especialmente ligado à ação governamental, que lesse pelo menos uma vez por ano, refletindo a respeito do seu conteúdo. Mas a agenda é o resultado de um painel que reuniu a reflexão de 8 personalidades de grande experiência nesse tema e propôs recomendações para a comunidade internacional, para que houvesse mais avanços na realização das propostas, das convocações feitas pela Declaração dos direitos humanos. O relatório inicial do painel, que hoje nós lançamos em português, procurou ressaltar as ações e os passos necessários para tornar mais efetiva a atenção à dignidade e aos direitos humanos de todas as pessoas e povos.

Em 1996, no Governo (do ex-presidente) Fernando Henrique Cardoso, foi lançado o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos e, logo depois, em 2002, o segundo programa. Quero registrar aqui, em relação ao primeiro programa, que se fez sobre a condução do José Gregori (atual secretário especial de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo). E não é por acaso que ele se encontra aqui, junto com o Paulo Sérgio Pinheiro (membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA), que são os autores do primeiro e do segundo programa. Na verdade, hoje, já está sendo lançado em Brasília um Plano Nacional dos Diretos Humanos 3. Essa sucessão de programas, em duas diferentes administrações federais, mostra que a política dos Direitos Humanos no Brasil está afirmada. Não é que ela tenha obtido todo o sucesso que se pretendia, mas se transformou em uma política de Estado, acima de Governos e acima de partidos. E essa é uma das razões que faz a data de hoje tão especial neste mês em que comemoramos o Dia dos Diretos Humanos em escala mundial.

O Brasil, desde 1985, tem feito alguma história neste capítulo dos Direitos Humanos – e São Paulo (tem) oferecido uma contribuição especial. Inclusive, São Paulo foi o primeiro Estado do Brasil a abrir os arquivos da repressão política do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) ainda no Governo do Franco Montoro. Aliás, nossa editora, a Imprensa Oficial do Estado, publicou no ano passado um dossiê da ditadura e dos mortos e desaparecidos no Brasil, que é o mais completo que se fez até o momento. E nós também inauguramos, nas localidades do antigo DOPS, junto da Estação da Luz, o Memorial da Resistência, que vale a pena ser conhecido por todos.

Elaborado em 1997, o programa paulista (de Direitos Humanos) foi o primeiro feito no Brasil por um Estado, e desde então tem desenvolvido muitas ações. Para a preparação da atualização do programa, em agosto do ano passado nós realizamos a 6ª Conferência Estadual dos Diretos Humanos, com a participação de delegados eleitos nas etapas preparatórias. Mais 9 colóquios foram realizados neste ano. São iniciativas que possibilitarão um novo programa estadual, no começo do ano que vem. Um programa intrinsecamente conectado com a agenda, que é o tema desta conferência, privilegiando a implantação de ações concretas.

Uma das formas mais dramáticas de violação dos direitos humanos, sem dúvida nenhuma – e isso está na Carta das Nações Unidas – é a pobreza. No mundo de hoje, 1 pessoa em cada 6 vive em situação, não de pobreza, mas de extrema pobreza. Qualquer estratégia para os próximos anos, em nosso País e no mundo, deve continuar respondendo ao desafio de enfrentá-la. Nenhuma pessoa deve estar predestinada, ao nascer, a essa condição de pobreza. Este, de fato, é um dos objetivos de desenvolvimento do milênio nas Nações Unidas – que também não deixa de lado, não apenas a redução da pobreza, como a luta contra a desigualdade econômica e a desigualdade racial. Porque é possível até eliminar a pobreza, mas não a desigualdade.

No fundo, o que está por trás disso tudo é a qualidade inerente a todas as pessoas: a dignidade. Sem ela, o ser humano não se reconhece como um indivíduo, como pessoa. E nós concordamos com o painel de Pessoas Eminentes, de que está mais do que na hora de tornar concretos os direitos reconhecidos em dezenas de tratados internacionais,mas cuja eficácia não tem ido até agora além do papel. E, a propósito, eu cheguei há pouco tempo da Dinamarca. Eu estive presente na Conferência sobre Mudanças Climáticas e, como todos os participantes, defrontei-me com dilemas urgentes em matéria de Direitos Humanos, agora ligados às mudanças climáticas.

Copenhague deixou claro que a dificuldade de construção de um acordo global está no fato de que a realização deste objetivo é uma tarefa de todos os Estados e de toda a sociedade. Não adianta um país cuidar das suas mudanças climáticas sozinho, porque ele vai sofrer as mesmas conseqüências dos outros que não estão cuidando. Claro que isso não é pretexto para não fazer nada, muito pelo contrário. Aqui em São Paulo, dento do Brasil, nós promovemos uma Lei de Mudanças Climáticas mandatória, até para ter moral, para poder, junto ao Governo Federal, junto ao País, reivindicar avanços semelhantes e junto, também, à comunidade internacional. Mas essa é uma tarefa de todos. Do Norte e do Sul. Países desenvolvidos e em desenvolvimento. Aliás, não é de se estranhar que a principal responsabilidade – principal, de longe – pelos problemas que afetam as mudanças climáticas, no mundo, são dos Estados Unidos, um país super desenvolvido, e da China, que é um país em desenvolvimento, pois realizam ambos a mesma contribuição para o aquecimento global em números aproximados.

Portanto, é uma tarefa de todos. E, no nosso caso, afeta, como em todos os países, os direitos dos indivíduos. No nosso caso, o Brasil é o maior emissor de CO2 do mundo no item derrubada de florestas. Não precisamos ir longe para ver como a derrubada de florestas afeta, não apenas populações indígenas, mas afeta o conjunto do nosso País e, no futuro, afetará a Nação como um todo. Basta dizer que o ressecamento da Amazônia terá um efeito direto sobre as questões climáticas de São Paulo, do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, inclusive quanto ao regime de chuvas. Mas, eu acredito, apesar disso, que em Copenhague houve um avanço, pelo menos no que se refere à consciência a respeito do desastre que as mudanças climáticas poderão trazer, por um lado e, por outro, no aprofundamento do debate, dos diagnósticos e das questões fundamentais. E essa é uma responsabilidade que o Brasil tem que assumir cada vez mais junto à comunidade das nações, como eu propus, aliás, nesta mesma conferência.

Creio também ser relevante a ênfase que a agenda dá à luta contra a impunidade das violações dos direitos humanos, sejam elas praticadas por particulares, envolvendo muitas vezes o tráfico de seres humanos, redes de pedofilia e de prostituição, a existência de trabalhadores em situação análoga a de escravos. A Secretaria da Justiça (e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo) há pouco dedicou modestos recursos à preparação de um documentário a respeito do tráfico de mulheres – dentro do Brasil e do Brasil para fora. É um documento que logo será divulgado, um documento cinematográfico da maior importância, ao menos para que a gente tenha consciência a respeito do que está acontecendo

E também a luta contra a impunidade envolve as violações decorrentes da ação de agentes estatais, como abuso de poder, violência e tortura – ou até mesmo casos como aquele que foi bastante noticiado, de uma jovem mulher presa em uma cela junto com homens, que aconteceu no Estado do Pará. É obrigação dos países em geral, e do Estado brasileiro em particular, prevenir essa prática de violação de direitos humanos – e puní-las, quando existem, para que a impunidade não seja importante fator de estímulo aos novos crimes.

Em todos os casos o Ministério Público joga um papel fundamental – e o definitivo é o Poder Judiciário, que deve ser chamado a examinar o tratamento legal a ser aplicado. Além disso, no campo da prevenção, é essencial investir na educação para os Diretos Humanos, na sociedade e em todos os campos de atividade do Poder Público, inclusive nas Academias de Polícia, como já ocorre em São Paulo. E aqui deve haver vários alunos de Academia de Polícia que sabem o que eu estou dizendo, é um fator presente nos cursos que estão seguindo.

Esta conferência, que reúne participantes de tantos países, é um acontecimento cosmopolita. Portanto, não haveria melhor lugar para realizá-lo do que nesta cidade, que recebeu em sua população povos vindo dos 4 cantos do mundo, e que acolhe a todos como se estivessem em suas próprias casas. São Paulo é a cidade mais brasileira do Brasil, porque reúne brasileiros de todos os Estados – e a cidade mais internacional do Brasil, talvez da América Latina. Talvez não, com certeza, porque aqui vivem pessoas de todas as origens, do mundo inteiro e que continuam chegando e se renovando. Aliás, uma das principais, que é vítima de problemas de Diretos Humanos mais recentes, é a comunidade boliviana. Só aqui nós temos 200 mil (bolivianos) em São Paulo, que são objetos de uma exploração no estilo de trabalho escravo, que tem semelhanças em alguns aspectos com o trabalho escravo.

Portanto, eu tenho certeza que é com o espírito cosmopolita que as discussões serão aqui realizadas. Estou convencido de que é urgente que um número maior de países participem da reflexão sobre os temas da agenda – e que apóiem iniciativas concretas, como nos convida a conselheira federal de Relações Exteriores da Suiça, madame (Micheline) Calmy-Rey. Julgo extremamente promissor para o painel ter aprofundado o programa de pesquisa e quero dizer que o Governo de São Paulo se dispõe a colaborar nessa direção. Quero desejar uma boa reflexão para todos, agradecer toda esta atenção e dar a minha acolhida a todos os delegados em nome do Governo de São Paulo.

Muito obrigado!