Seminário Crise: Rumos e Verdades, em Curitiba

O governador José Serra fez palestra nesta quinta-feira, 11

qui, 11/12/2008 - 20h31 | Do Portal do Governo

O governador José Serra participou nesta quinta-feira, 11, em Curitiba do seminário Crise: Rumos e Verdades. Na ocasião, Serra fez o seguinte pronunciamento.

Governador: (…) a todos e a todas. Cumprimentar o governador Requião, parabenizá-lo pela iniciativa. O senador Álvaro Dias. Os secretários de governo do Governador do Estado. Senhores participantes do seminário.

Um abraço muito especial ao Carlos Lessa. Em 1966, quando eu cheguei exilado no Chile, eu era estudante de engenharia, estava para terminar a faculdade. Não consegui, no exterior, e decidi estudar economia. E quem me ajudou, foi decisivo nessa direção, foi o Carlos Lessa, que teve a paciência de, literalmente, ensinar as primeiras coisas que eu aprendi de economia.  

Desde então, é uma figura que eu sempre lembro, quando vejo, com muito carinho e com muito respeito e não só pela sua capacidade intelectual, seu espírito público, mas também pela sua generosidade.

Eu anotei alguns pontos, uns dez pontos a respeito dessa crise, para poder alinhavar aqui algumas idéias. Quero dizer que vou falar mais como economista do que como governador. E não tenho a pretensão de trazer nada original para o que foi abordado aqui, durante estes dias, mas me pareceu interessante poder, pelo menos, sistematizar algumas questões envolvendo especialmente a economia brasileira.

Um primeiro aspecto dessa crise, na minha opinião, é sua imprevisibilidade. Nós, de fato, não sabemos, ainda, qual é o volume de perda de riquezas no mundo, até agora. Segundo, não sabemos quanto vai durar esse processo de perda de riqueza. Terceiro, não sabemos ainda quais serão os efeitos concretos dessa perda de riqueza sobre o consumo e o investimento, ou seja, sobre a produção e, portanto, sobre o emprego.

Esse é um ponto, depois de tudo o que eu li, e continuo lendo, que me parece claro, óbvio. Não se domina o conhecimento do futuro nessa matéria, mesmo o futuro a curto prazo, me refiro a prazo inferior a 12 meses.

Um segundo aspecto interessante é o do papel do Estado, não do Governo do Estado, do Estado, do ente Estado. Na verdade, essa crise é uma crise produzida dentro de interdependência da globalização. É uma crise que afeta a globalização. Eu não estou dizendo que a globalização vai desaparecer, mas vai mudar de face.

No entanto, a tarefa de enfrentar a crise está cabendo aos Estados nacionais. Isso é interessante e contraria aquela idéia de que os Estados iam perdendo progressivamente seu peso e sua importância. Na hora agá, são os Estados nacionais que estão atuando. Veja o que acontece nos Estados Unidos, com a China, ninguém está tomando decisões, nem na União Européia, coletivamente. Até a União Européia, que é a economia entre países mais integrada, é quase uma confederação, cada país está adotando as suas medidas, como fez o Gordon Brown, como fez o Sarkozy, recentemente.

Ou seja, o Estado nacional está novamente mostrando a sua importância. Eu nunca acreditei na idéia de que estávamos caminhando para o fim do Estado, mas é interessante nós notarmos o peso decisivo da ação do Estado em todos os países e com o maior pragmatismo.

Nós podemos concordar, divergir a respeito de determinadas medidas, de grandes diagnósticos e etc., mas ninguém duvida do ativismo estatal em marcha no mundo, começando pela economia mais importante, que é a economia norte-americana.

Eu sempre impliquei muito com a idéia de que globalização significa o fim do Estado. Até com relação ao Brasil, há anos que eu menciono uma análise feita por um sociólogo inglês, Thomas Marshall, do final dos anos 40, em que ele dizia que a cidadania tem três dimensões. A dimensão dos direitos individuais, (direitos civis), direitos políticos e direitos sociais.

Direitos civis, individuais, vêm do século XVIII. Eles não existem, hoje, no mundo globalizado, por exemplo, no que se refere ao deslocamento de pessoas, ao direito de ir e vir. Que é um direito elementar das liberdades civis em escala mundial, ir e vir. Isso não se pode fazer hoje em dia.

Direitos políticos, votar e ser votado. Nós não votamos para eleger o presidente dos Estados Unidos ou dos partidos majoritários da União Européia, etc. Esses direitos políticos não existem em escala global. E os direitos sociais. Os países desenvolvidos mal agüentam manter os seus, o que dizer de fazer direitos sociais dos outros. Esse sempre foi um argumento que eu levantei, para mostrar a importância do Estado e agora isso, a meu ver, se afirma de maneira inequívoca no contexto dessa crise.

Um terceiro aspecto é o da importância, apesar de tudo, da economia norte-americana. Porque entrou em moda dizer que os Estados Unidos agora passam a um segundo plano, etc. Não é fato. Aliás, o mundo inteiro, hoje, em matéria de economia, está procurando contribuir para que os Estados Unidos mantenham aquele seu modelo de elevadíssimo déficit em conta corrente, que dinamiza o comércio mundial. E a única explicação para, paradoxalmente, onde crise pegou mais forte, onde ela se originou, digamos, o fator gatilho dela, a moeda tenha se valorizado. Não é só no Brasil, não, que, evidentemente, foi numa escala muito maior, mas no mundo inteiro. Quer dizer, os Estados Unidos ainda são o principal ator deste processo e nós precisamos seguir muito de perto o que lá acontece.

Um quarto aspecto, em relação ao Brasil, ao impacto da crise. A crise impactou a economia brasileira no momento em que ela tinha duas vulnerabilidades sérias. Primeira, a vulnerabilidade externa, porque nós conseguimos a proeza… Nós, quero dizer o país, alguns não são responsáveis por isso. Mas a proeza de gerar déficit em conta corrente, apesar de preços de commodities altíssimos. Isso é uma façanha. Nós estudamos a vida inteira sobre a importância das relações de intercambio, de troca, etc.

Pois bem. No momento em que elas estão no momento mais favorável, provavelmente, da nossa história, nós conseguimos gerar déficit em conta corrente. Por quê? Por causa da política monetária, basicamente. Juros siderais, os mais altos do mundo, sem comparação. Inclusive, não dá para comparar com o resto, com os países emergentes, etc. E câmbio megavalorizado. Essa dupla levou à produção de déficit em conta corrente.

Por exemplo, até a economia Argentina, com todas as suas dificuldades, inflação, etc., estava numa situação melhor, com superávit em conta corrente, apesar dos problemas que a economia argentina vive. Mas nos pegou num déficit crescente, que caminha para 2,5% do PIB, num mundo com aperto de crédito. Essa foi uma vulnerabilidade.

A outra, a fiscal. É que os gastos de consumo do governo como um todo, no Brasil, cresceram nos últimos cinco anos o dobro do PIB na nossa economia e isso retira raio de manobra até para políticas anticíclicas, num contexto de problemas econômicos e de queda da atividade econômica. Isto, realmente, aconteceu e continua acontecendo, inclusive, em relação ao futuro, porque muita dessa expansão já foi aprovada para ser feita mais adiante. Por exemplo, apenas em matéria de gastos salariais, a receita real do Brasil teria que crescer 9% ao ano, até 2012, para dar conta dos aumentos parcelados proporcionados para os próximos anos. Duas vulnerabilidades.

Mas não são apenas vulnerabilidades. No caso do déficit em conta corrente, ele é reflexo dessa política de juros e de câmbio que, na verdade, foi o caminho de entrada da crise. O que aconteceu? Exportar não dá dinheiro, por causa do câmbio. Exportador antecipa a entrada de dólares, pega dinheiro emprestado, pega o dólar, investe na taxa de juro mais alta do mundo e, no final desse processo, recompra o dólar para pagar o empréstimo com uma taxa menor. O dólar mais barato, que vinha em processo contínuo de valorização. Ou seja, gerou-se um processo especulativo, não estou fazendo nenhum juízo moral, um processo especulativo para compensar os juros siderais e o arrocho cambial.

É claro que, na medida em que se elimina o cálculo econômico como critério essencial da produção, se abre caminho para abusos, para exageros. Os que foram feitos e que afetaram, inclusive, empresas de boa qualidade produtiva. Boa parte das empresas que tiveram crises eram empresas boas, que foram afetadas por esse processo de especulação ensejado pela política monetária oficial no Brasil.

Mas não são só vulnerabilidades. Nós temos também algumas condições que, paradoxalmente, diante da crise, são positivas. Por exemplo, devido, exatamente, às taxas de juros siderais, as empresas brasileiras, de cada 100 que investem, só 25%, grosso modo, posso estar sendo impreciso aqui, pode ser 30%, enfim, mas é uma ordem de magnitude. Nas empresas brasileiras, só 25%, 30% do seu financiamento para investimento é captado no mercado; 50% são lucros, recursos próprios e 25% do BNDES, através do esquema do FAT e da TJLP, do qual eu tenho a honra de ter sido, quando deputado, criador, tanto na Constituinte, quanto através da legislação posterior. 

Esse é o elemento de proteção no momento como o atual. Por incrível que pareça, o que era um fator negativo, ou seja, a impossibilidade de pegar crédito, na hora da crise, termina sendo um fator de atenuação do impacto da crise.

Um outro aspecto importante é do câmbio. É que o câmbio estava, realmente, megavalorizado. O câmbio mais valorizado da história, a troco de nada, diga-se de passagem. Como tem um princípio que é muito citado, dum fulano, um nome complicado, Hanslon Blaze, não se deve atribuir à malícia o que pode ser explicado pela estupidez e pela ignorância. Quer dizer, a questão do câmbio não é um problema de malícia, de astúcia. É erro mesmo.

O fato é que este câmbio arrochado representou um problema e hoje, com a desvalorização que tem (naturalmente, dificuldades, que trazem dificuldades) nós podemos reverter esse processo e ter um maior dinamismo das exportações, que nós estamos mantendo só por causa dos preços. Em volume já estavam caindo.

Ao mesmo tempo, maior atividade interna, uma palavra que parece uma heresia, que é substituição de importação. Então, para não chocar os mais sensíveis a isso, eu lembro um exemplo que é o do turismo. É óbvio que isso tende a dinamizar, imediatamente, o turismo interno, a mudança do câmbio. Portanto, há um fator aí que pesa mais, agora, em favor do desenvolvimento da atividade econômica doméstica.

E mais ainda. Como essa desvalorização se dá num contexto de queda de preço de commodities, isso significa que o seu impacto inflacionário é inevitável. Há sempre uma simetria. Quando supervaloriza, a inflação não cai tanto quanto cresce quando se desvaloriza. Mas, no caso, a queda do preço de commodities tende a segurar a inflação. O muito que eu vi é que as commodities chegaram a cair em 2/3, 65% até. Então, ajuda a segurar a inflação. Claro que vão trazer problemas para a balança comercial, para a exportação, mas esse é outro departamento, vamos mencionar depois.

Mas são fatores que, paradoxalmente, funcionam a favor. Da mesma maneira, o compulsório elevadíssimo que tinha em nossa economia também abre margem para uma expansão do crédito sem grandes traumas, mediante a diminuição de compulsórios. Esse era um fator negativo que também pode ser aproveitado como fator positivo e, sem dúvida nenhuma, o fato da existência de instituições financeiras públicas nacionais, como é o caso do Banco do Brasil e, principalmente, do BNDES. O BNDES, por exemplo, criou uma linha de financiamento de capital de giro, eu acho que da ordem de 6 bilhões de reais, que não é a especialidade do BNDES, bastante interessante para durar até meados deste ano.

Não tivesse a taxa de juros, que para o padrão mundial é alta, porque deve ser 19%-. Para o Brasil, não é nem de pai para filho, é de mãe para filho, como taxa de juro. Portanto, a existência dessas instituições também favorece o enfrentamento de uma conjuntura de contração de crédito mundial e nacional.

Um outro aspecto também importante é uma relativa solidez do sistema financeiro doméstico, inclusive, proporcionado pelas intervenções do Estado, que foram feitas em meados da década passada, chamado de Proer, que funcionaram, foram eficientes, do ponto de vista de ter um sistema financeiro mais sólido, apesar do custo, evidentemente, que tiveram à época.

Agora, a questão do juro. Os juros siderais, absurdos, anômalos, seriam uma vantagem. Em que sentido? Uma oportunidade para baixá-lo, até porque o problema hoje é o emprego; o problema hoje é a queda de preços. O mundo inteiro baixou o juro, mas isto, infelizmente, como nós vimos pelo que aconteceu ontem, não está sendo aproveitado. Haveria uma margem enorme para diminuir juro no Brasil.

Por que não diminuíram? As hipóteses são duas: ignorância e falta de conhecimento de economia, que sempre é uma cosia que pesa e que, curiosamente, nunca se considera um fator importante. Segundo, a tendência de diretores do Banco Central de raciocinar da seguinte maneira: “o governo está pressionando para baixar? Então, nós não podemos baixar, porque se não vão pensar que não somos independentes e autônomos”. Quer dizer, uma distorção psicológica que seria engraçada, não fossem os seus custos adversos sobre a economia. Porque o principal efeito dessa imobilidade dos juros é de não passar confiança e a confiança, a curto prazo, é o elemento fundamental.

Ao contrário, passa desconfiança. Imagina! É a maior taxa de juro do mundo, problema de contração de crédito, perspectiva de desemprego, deflação de commodities, não baixa juro? Deve ter coisa muito mais séria que a gente não está vendo. Isso é o que passa para o mundo de negócios nacional e internacional, indiscutivelmente.

Problemas que nós temos hoje. Alguns desses dissemos. Agora, quais sãos os problemas a curto prazo que nós temos? Primeiro, a volatilidade do câmbio. O que é a volatilidade do câmbio? O sujeito vai fechar o negócio e não sabe quanto vai ser o câmbio amanhã, depois de amanhã. Esse é um elemento de incerteza fatal do ponto de vista da microatividade econômica, da decisão empresarial.

A meu ver, sem mudar o regime de flutuação cambial, devia o Banco Central praticar uma política que pudesse conferir um pouco mais de estabilidade. Não se trata de revalorizar, se trata de diminuir a volatilidade, o que não está sendo feito.

Em segundo lugar, eu já mencionei, a questão dos juros. Terceiro, naturalmente, a lentidão na ação. Eu acho que apesar da vontade do governo, acabou sendo mais lento do que poderia ter sido. Poderia ter tido uma atuação mais rápida.

(Vocês vêem, agora, que predominam os governadores cabeludos na mesa)

Por outro lado, nós temos os limites, eu insisto, de natureza fiscal. O que é mais importante numa conjuntura como essa? O mais importante é o investimento, não deixar o investimento cair, coisa que o Governo Federal está se esforçando, que os estados estão se esforçando, que eu estou me esforçando como governador, em São Paulo, porque isso não apenas tende a ajudar o emprego, como tende a sinalizar expectativas mais estáveis para o conjunto da economia. Mas a coisa não vai para o lado do consumo do governo, e sim pelo lado do investimento.

Mas o que o Governo Federal está sabendo bem é expandir o consumo, mais do que os investimentos, que eu reconheço, são muito difíceis, dados todos os obstáculos que nós temos no Brasil para materializar investimentos. O próprio protocolo aqui firmado entre as duas secretárias, de São Pauloe do Paraná, tem como propósito, exatamente, a agilização de licenças ambientais para construção, que é uma questão, um obstáculo enorme, para que os investimentos nesse setor possam prosperar.

Bem, esses são tópicos aos quais eu queria fazer referência a respeito da situação ou do impacto da crise. Três reflexões finais.

Qual é a questão chave, hoje em dia? É a confiança. A curto prazo, é confiança. Confiança de as pessoas gastarem, de investimento, fora dificuldades objetivas. É confiança. Para emprestar, para tomar emprestado, para consumir e, é muito importante, elevar a confiança e estabilizar expectativas menos pessimistas em relação ao futuro. Essa é uma questão chave, e eu acho que a ação do Banco Central, ontem, não contribui para isso.

Um outro aspecto importante para ser lembrado é o de outras crises. Quando nós olhamos a mais longo prazo, no século passado houve crises muito sérias no mundo e, no entanto, nós conseguimos sair mais rapidamente, inclusive, da crise dos anos 30. Em 32, o Brasil já estava em processo de recuperação e, na verdade, aproveitou a oportunidade da crise mundial para acelerar o seu desenvolvimento.

Foi assim até o começo dos 80, ou final dos 70. Tinha contrações externas, mas a contração no Brasil era menor, quando não se transformava em mais crescimento. Foi a partir dos 80 que nós passamos a ser pró-cíclicos. O mundo piora, nós pioramos mais. O mundo cresce, nós crescemos menos. Isso é o que aconteceu, inclusive, nos anos recentes. Fala-se muito, mas nós crescemos atrás da América Latina. Crescemos atrás dos países emergentes. Nós não aproveitamos como podíamos essa conjuntura expansiva da economia mundial.

Eu estou dizendo isso para sublinhar um ponto. O que vai acontecer, no futuro, com relação a essa crise, vai depender das decisões e das medidas que sejam adotadas aqui no Brasil. Depende do enfrentamento das condições da crise. Não depende de lá fora. Nós podemos transformar fatores adversos, até apontei alguns, em fatores positivos, mas isso pressupõe uma visão também, não apenas de curto prazo, como de médio e de longo prazo. Está faltando essa visão do ponto de vista concreto, digamos, de para onde vamos; o que temos que fazer; quais são, realmente, as mudanças; como atuar na direção fiscal; na política monetária; na política cambial; na política de comércio exterior.

Isso tem muito a ver também com o que vai acontecer nos Estados Unidos. Hoje, a economia americana, os que vão assumir o governo, estão concentrados no curto prazo. A economia americana tem um problema estrutural, que é o seu déficit com relação ao exterior, a sua baixíssima poupança, que não vão se resolver com essas medidas de curto prazo. Se for, realmente, inverter o padrão de desenvolvimento da economia dos Estados Unidos, isso significará, entre outras coisas, diminuir o déficit comercial deles. Isto muda o padrão, que é o que o mundo não quer que aconteça, mas provavelmente é o que tenderá a acontecer.

Nós vamos ter que, como país, como nação, como economia, ter uma estratégia nessa direção. Esse modelo de exportar commodities com preço explodindo, para alimentar a economia chinesa, por sua vez alimentada pela economia norte-americana, pelos déficits norte-americanos, e de ficar numa nice, numa boa, encarando a economia como uma espécie de clara de ovo, que vai batendo e crescendo magicamente, não tem mais. Não é assim que a opinião pública percebe, muito menos os jornais, os analistas econômicos, etc.. Muita gente ainda está com a cabeça no passado.

Aquele modelo de natureza financeira; aquele tipo de globalização que se desenvolveu até agora, acabou. O problema é o que vai vir daqui em diante e como é que nós vamos nos posicionar diante disso. Não estou querendo dizer com isso que acabou a globalização, a interdependência, nada disso. Nada disso é simplista, mas aquele modelo, que era uma moleza para expandir liquidez, uma moleza para montar verdadeiros processos de especulação oficial.

Como nós fazemos aqui, por exemplo, com o comércio exterior, juros e câmbio. Esse modelo acabou. Aliás, uma prova disso é que basta pegar a literatura de todo esse pessoal que antes falava como economista _ em algum momento foram economistas, mas que depois é gente do sistema financeiro _, para ver a falta de idéias a respeito do que dizer sobre essa situação ou até para entender aquilo que está acontecendo. Podem ler a vontade que não vão encontrar uma explicação, não que não se tenha preparo para encontrar explicação. Porque ela envolve mudanças de parâmetros que são muito desconfortáveis.

Não há nada pior intelectualmente do que incerteza a respeito do que vem, mas também não há nada melhor do que a incerteza para a gente construir o futuro. E para isso nós vamos ter que trabalhar muito. Eu me lembro de uma fábula que foi citada por um filósofo polonês, exilado na época ainda do domínio soviético na Polônia, Leszek Koulakov.  Ele falava de uma caravana de beduínos no deserto e do papel que tem a miragem. Que essa caravana, morrendo de sede, ficava se deslocando porque via uma miragem, um oásis, uma fonte de água, etc. Só por isso encontrava energia para continuar caminhando e, na caminhada, não encontrava nada apesar da miragem, mas acabava descobrindo alguma fonte de água. Não fosse a miragem, não se deslocaria, teria desistido. Ao se deslocar, encontrou meios de sobreviver, de se manter, de se recompor, de prosperar.

Então, nós temos que, no Brasil, encontrar energias e forças para continuar procurando, que a gente vai descobrir esse caminho. Sem mágica, com muito realismo; com muito pé no chão e entendendo que nós somos uma nação e que precisamos de uma política nacional, como os outros países estão mostrando à saciedade que têm, que é o caso dos Estados Unidos; é o caso da França; é o caso da China; é o caso do mundo inteiro. Nós não podemos ter vergonha, também, de termos a nossa política.

Muito obrigado.