Posse de Celso Lafer na Fapesp

Evento aconteceu nesta quarta-feira, 26, em São Paulo

qua, 26/09/2007 - 14h37 | Do Portal do Governo

O governador José Serra participou nesta quarta-feira, 26, da cerimônia de posse do novo presidente da Fapesp, Celso Lafer. O ex-ministro e imortal da ABL (Academia Brasileira de Letras) assume o posto antes ocupado por Carlos Vogt, hoje Secretário Estadual de Ensino Superior. Na ocasião, o governador fez o seguinte pronunciamento.

Boa tarde a todos a todas.

Queria cumprimentar o nosso presidente da Assembléia, Vaz de Lima; o prefeito Gilberto Kassab, o nosso vice-governador Alberto Goldman; a Suely Vilela, reitora da USP, em nome de quem cumprimento todos os reitores presentes; o secretário Aloysio Nunes Ferreira, da Casa Civil.

Eu queria cumprimentar também o professor e meu amigo Celso Lafer, que assume hoje a presidência da Fapesp; o Carlos Vogt, o nosso atual secretário do Ensino Superior, que deixa a presidência; os deputados aqui presentes, o Jonas Donizette, o Uebe Rezeck e o Chico Sardelli; o professor Marcos Macari, que é vice-presidente da Fapesp, em nome de quem eu cumprimento os conselheiros da instituição.

Bem, eu tenho na minha história – eu estava pensando – uns quatro pontos de intersecção com a Fapesp. Quando ela foi criada, eu era presidente da União Estadual dos Estudantes, aqui em São Paulo, e me lembro de que nos mobilizamos para apoiar, junto ao governador Carvalho Pinto, a criação da instituição.

Evidentemente, a nossa especialidade não era a preocupação com a pesquisa, mas a agitação política estudantil. Mas recordo – levado não sei por quem – que o tema da Fapesp chegou à União Estadual dos Estudantes e nós fizemos chegar ao governador, em entrevista com ele, o nosso apoio àquela tese.

Em um segundo momento, no exílio, eu estava fazendo doutorado em Cornell e pedi financiamento da bolsa para escrever a tese de doutorado. Numa época em que não tinha passaporte e o próprio Ministério das Relações Exteriores tinha se oposto à minha nomeação como funcionário permanente das Nações Unidas. A Comissão Econômica da América Latina tinha vetado a minha participação; vetado para as questões brasileiras.

Não obstante, a Fapesp concedeu a bolsa. Como eu mudei o tema da tese,  acabei renunciando à bolsa. Acabei não desfrutando dessa bolsa porque mudei de tema que era a distribuição de renda – para a qual eu havia obtido financiamento – para questões de política econômica.

Um terceiro momento foi no Governo de São Paulo. Em 1983, eu era secretário de Economia e Planejamento, encarregado do orçamento. Juntamente com o João Saad, que era secretário da Fazenda, nós mudamos o critério de distribuição dos recursos da Fapesp. Vivíamos em uma época de superinflação e eles estavam sendo violentamente corroídos, porque ficavam amarrados ao orçamento aprovado – e não ao orçamento executado – que costumava ser o dobro, ou até o triplo, do orçamento programado. Nós vivíamos uma inflação de até ou mais de três dígitos ao ano, e dois dígitos mensais. Isso era fatal e estava destruindo a instituição.

Então, nós mudamos, por um ato administrativo, a forma de distribuição dos recursos, de maneira a preservar o valor real que eles deveriam ter. Isso tirou a Fapesp do estado de coma em que praticamente havia ingressado a partir de 1980, quando passamos a sofrer uma superinflação galopante.

Um quarto momento é na Constituinte. Alertado pelo então meu colega senador Fernando Henrique, eu abri, no meu relatório, a possibilidade de que houvesse vinculação orçamentária para pesquisa científica. Foi o que possibilitou a sobrevivência da Fapesp, porque ela ia ser inviabilizada pela proibição de vinculações que eu mesmo introduzi na Constituição. Isto não só viabilizou a Fapesp, como representou um elemento de estímulo a que instituições semelhantes fossem criadas em outros Estados.Embora São Paulo seja o único onde, efetivamente, a criação correspondeu à vida. Nos outros Estados – ou na maioria deles – não vem sendo cumprido o projeto na íntegra, em uma instituição, com esse tipo de financiamento.

Foram, portanto, esses os quatro momentos. Quero sublinhar que o Vaz de Lima mencionou aqui que houve um aumento da vinculação de 0,5 para 1% durante a Constituinte estadual. Esse aumento foi conduzido pelo nosso secretário, hoje da Casa Civil, que era deputado estadual, líder na Assembléia Constituinte paulista; e pelo Belluzzo, pelo Luiz Gonzaga Belluzzo, que acabamos de indicar, na minha condição do governador, para membro do Conselho da Fapesp.

Eu creio que poucas instituições têm prestado a São Paulo e ao Brasil serviços tão relevantes quanto a Fapesp. Ela contraria uma lei do serviço público, lei esta que, infelizmente, é verdadeira para muitas coisas. Interferências políticas … Com a Fapesp, tem acontecido o contrário. Com a idade, ela tem melhorado. Ela contraria uma lei do serviço público. Infelizmente, lei essa que, como eu digo, tem grande parte de vigência.

Nesse sentido, para nós, é um motivo também de orgulho para São Paulo. São 45 anos que ela existe. 45 anos. Portanto, vocês vêem que faz 45 anos que eu fui presidente da União Estadual dos Estudantes. E é uma instituição que não sobrepõe e nem inferioriza as humanidades, relativamente às ciências. Não privilegia o saber puro frente ao saber aplicado – e nem o contrário. Tem sido axial, digamos assim, na promoção da ciência e da tecnologia, em São Pauloe no Brasil. Nos laboratórios e nas universidades. E nas parcerias, mais recentemente, com o setor privado.

Aliás, o próprio mandato do professor Vogt expressa bem essa combinação que a Fapesp soube fazer, e a ponte entre as duas culturas. Entre a cultura literária e humanística e a cultura científica. O próprio fato de que o presidente da Fapesp era e é ligado à cultura de tradição humanística e literária, aliás, nos deu aqui uma demonstração deliciosa com seu discurso, com sua apresentação no dia de hoje.

A importância da Fapesp pode ser medida por um número bastante sintético: 110 mil bolsas de estudo e auxílio à pesquisa nos últimos dez anos. 110 mil bolsas. Realmente, isso mostra a força, o peso da instituição e o nosso novo presidente Celso Lafer dispensa, como já foi dito, apresentações. É uma das pessoas que até constitui um problema quando nos referimos a ela para efeito de resumir a sua vida. Fez doutorado antes de mim em Cornell, foi embaixador chefe de missão permanente do Brasil na Organização Mundial do Comércio, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, ministro das Relações Exteriores. É professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, membro da Academia Brasileira de Letras.

Eu quero dizer que teria um dia na vida em que iria à posse de alguém na Academia, assistir a uma cerimônia completa. E fui quando o Celso Lafer tomou posse na Academia do Rio de Janeiro. E também me lembro da Academia Brasileira de Ciências. É um homem que compatibiliza a excelência intelectual com uma visão concreta e prática do mundo. Essa característica é, sem dúvida, um dos atributos que mais o qualificam ao posto que agora está assumindo. No discurso de inauguração do instituto que leva seu nome … e aí, eu também recebi o discurso do Celso Lafer, mas não chegamos a conversar a esse respeito … e naquilo que a minha assessoria tinha preparado, houve uma coincidência em matéria de citações a respeito do Louis Pasteur, que me parece a melhor síntese para tantas discussões que às vezes são travadas a respeito desse tema.

Não existe ciência aplicada, existe aplicação da ciência. E ciência não tem pátria. Mesmo não tendo pátria, nem por isso ela deve deixar de ceder à pátria, não à pátria paulista. São Paulo é um dos poucos Estados no Brasil que não tem uma pátria paulista. Isso vem do passado, do complexo de classe dominante que os paulistas tinham – e hoje não tem nem razão para esse complexo. Mas, de fato, é servir à Pátria, é servir ao Brasil.

Há um número interessante sobre o financiamento à pesquisa. No Brasil,  excluindo-se São Paulo, 75% dos recursos para pesquisas são do Governo Federal.

Em São Paulo, 60% são do governo estadual, o que mostra a desproporção, praticamente a inversão nessa matéria. Mas não é uma pesquisa para São Paulo, é uma pesquisa para o Brasil.

São Paulo é um Estado que cumpre tarefas nacionais com a Fapesp, com suas universidades estaduais, com seus institutos de pesquisa que são extraordinariamente importantes – do IPT ao Agronômico de Campinas. E vamos continuar cumprindo com a Fapesp essas tarefas nacionais. Para que se tenha uma idéia do esforço material que representa o funcionamento da Fapesp, em 2006 os recursos executados foram da ordem de R$ 437 milhões. Executados no sentido de que foram transferidos à instituição. Em 2008, no orçamento que nós vamos mandar agora no final do mês, R$ 517 milhões. Isto  representa um aumento de praticamente 17, 18% em dois anos, que é o que a vinculação e os percentuais permitem.

Isto se soma, no caso do Governo do Estado, à vinculação informal que existe com relação às universidades. É informal porque a Constituição proíbe vinculação e não há nenhum dispositivo que estabeleça alguma ressalva. Mas existe uma vinculação informal para as nossas universidades que representa  9,57% do principal imposto, o ICMS. E também os nossos 19 institutos de pesquisa que recebem um equivalente a 1% da receita.

É importante lembrar os institutos de pesquisa, pois, entre a comunidade dos pesquisadores dos institutos, às vezes prevalece um certo complexo de inferioridade achando que as universidades são mais bem tratadas. Isto não é correto, pois, entre os clientes da Fapesp, o segundo maior cliente é o conjunto dos institutos de pesquisa estaduais. A eles, diga-se de passagem, na virada do semestre deste ano, nós proporcionamos uma ampla revisão de natureza salarial proposta pelo vice-governador e secretário de Desenvolvimento, Alberto Goldman. De maneira que consideramos esses institutos uma parte essencial e não secundária do sistema estadual de pesquisa.

O bom funcionamento da Fapesp depende, na minha opinião, fundamentalmente de três coisas: autonomia, o repasse de recursos pontualmente pelo Poder Executivo e a comunicação constante da fundação com a comunidade cientifica, hoje realizada pelo sistema de assessoria para análise de propostas de pesquisa; pelo sistema de coordenações da área da diretoria científica; pelos membros do conselho superior; pela diretoria em visitas de reuniões. E também pela revista da Fapesp, da qual eu sou leitor, que é uma iniciativa mais recente.

Vale a pena aqui destacar a idéia da autonomia, mencionando, a propósito, o fato de que o Estado de São Paulo, independentemente dos governos – o que não é pouco dizer, porque tivemos governos desastrados no passado – sempre representou e respeitou muito atentamente. Sempre cumpriu direito, governos após governos.

Enfim, poderia me alongar mais. Mas creio que o que ouvimos hoje, além de agradável por parte do presidente que vai e do presidente que chega, do presidente da Assembléia e do prefeito, do ponto de vista do conteúdo, é o melhor que poderia ser transmitido aqui.

Por último, eu quero mencionar, a respeito da aplicação da ciência, os exemplos que São Paulo tem dado ao Brasil e os ganhos que proporcionou ao nosso País: a eficiência na produção de etanol, que decorre de pesquisas públicas e privadas; o melhoramento da cana-de-açúcar pelo Instituto Agronômico de Campinas; a competitividade de empresas como a Embraer e as empresas geradas a partir das universidades estaduais USP, Unicamp e Unesp.  

Quero dizer que, no caso do Instituto Agronômico de Campinas, há um dado impressionante: cerca de 80% das variedades agrícolas produzidas no Brasil passaram pelo instituto.

Isso é realmente assombroso como indicador e como expressão da contribuição do Estado de São Paulo para o Brasil. Um instituto que foi criado por Dom Pedro II, ainda no Império. É, digamos, o exemplo mais notório, até pela antiguidade, que nós temos nessa matéria no Estado.

Mas poderia citar várias conquistas de vários institutos. E as nossas universidades, além, de tudo, formam quadros essenciais para a gestão do País e do Estado.  Agora, eu creio que um importante desafio que a Fapesp deve enfrentar, com base na sua autonomia e experiência, é enfatizar a capacidade de realização da pesquisa básica, que constrói o futuro e desenvolve possibilidades. Ao mesmo tempo, cria as condições para que a aplicação da ciência tenha cada vez mais impacto social e econômico.

Muito obrigado, boa sorte para o novo conselho, parcialmente renovado para o novo presidente. E boa sorte também para o nosso secretário de Ensino Superior nas novas funções e responsabilidades que assumiu.

E obrigado a todos e a todas.