Homenagem à Revolução de 32

Evento aconteceu nesta segunda-feira, 7, e contou com a presença de Serra

seg, 07/07/2008 - 21h42 | Do Portal do Governo

O governador José Serra recebeu nesta segunda-feira, 7, o colar “Carlos de Souza Nazareth”, uma homenagem prestada pela Associação Comercial de São Paulo a pessoas que se destacam na prática de ações relevantes em prol do bem comum. A honraria foi entregue durante a solenidade de comemoração dos 76 anos da Revolução Constitucionalista de 1932. Na ocasião, Serra fez o seguinte pronunciamento.

Governador: Queria dar o meu boa noite a todos e a todas. Cumprimentar o desembargador Roberto Bellocchi, presidente do Tribunal de Justiça. O deputado Vaz de Lima, presidente da Assembléia. O prefeito Gilberto Kassab. O general de exército Antonio Gabriel Esper, comandante militar do Sudeste. O vice-almirante Terenilton Souza Santos, comandante – aqui faltam os óculos, não posso errar o número – do 8º Distrito Naval. O desembargador Jarbas João Coimbra Mazoni, vice-presidente do Tribunal de Justiça. Desembargador Rui Pereira Camilo, corregedor-geral da Justiça do Estado.

Alencar Burti, presidente da Associação Comercial. Luiz Antônio Marrey, secretário da Justiça do Estado e, por intermédio, cumprimento todos os demais secretários. Capitão Gino Struffaldi, presidente da Sociedade de Veteranos de 32 MMDC. Coronel Paulo Tenório da Rocha Marques, membro da Sociedade de Veteranos de 32 e idealizador da comenda Carlos de Souza Nazaré. Paulo Bonfim, nosso poeta e decano da Academia Paulista de Letras. Membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. Presidentes de federações, associações, entidades de classe. Senhoras e senhores.

A bandeira de São Paulo nos diz, de forma muito clara, aquela frase em latim, “Pro Brasilia Fiant Eximia”. Para o Brasil, façam-se as melhores coisas. Esse  lema inscrito no escudo de armas do nosso Estado foi o compromisso que, em 32, impulsionou os paulistas – ou melhor, os brasileiros de São Paulo – a se unirem na luta pela Constituição.

Eram brasileiros há muito tempo na terra. Brasileiros vindos dos quatro cantos do País, brasileiros recém-chegados, que falavam português com sotaque de todas as línguas do mundo. Como, aliás, acontece, até hoje, em São Paulo. Nosso português é o português com sotaque de todos os Estados e de todas as línguas do mundo.

Deu-se então, no nosso Estado, aquilo que o poeta e também soldado Guilherme de Almeida disse: “Uma fusão perfeita de todos os fatores de uma nacionalidade”. Como ele continuou dizendo: “Não houve distinção de cor política nem de credos religiosos, nem de condições, nem de idade, nem de nacionalidade. Nem mesmo de sexo, porque a mulher foi tão forte quanto o homem nessa luta”.

É interessante nós lembrarmos um fato. Ou mencionarmos um fato. É que hoje o significado da data de nove de julho se esmaeceu bastante, mesmo dentro de São Paulo.

Eu lembro, quando estudante, no grupo escolar, no ginásio, mesmo no colégio, que nove de julho era uma data presente. Quanto eu estava no ginásio, nós organizávamos, a cada ano, uma exposição sobre 32 e vários dos professores tinham lutado em 32. Era algo muito presente. Era algo que esquentava a alma, que emocionava.

Ao longo dos anos, esse significado histórico e afetivo foi se perdendo. Naturalmente, pela sucessão das gerações. Sem dúvida, isso teve um papel. Segundo, nós vivemos 64 até 85, até 84, num regime de exceção, que não era próprio para comemorações em torno de um evento que esteve relacionado com a democracia, com o respeito aos poderes, à independência dos poderes constituídos, à liberdade de imprensa e ao voto livre.

Pois bem. Mas há um terceiro fator, também, que pesa. Foi o debate que foi se gerando em torno da questão da Revolução Constitucionalista. E aí desdobrando em duas tendências paralelas que acabaram – eu diria – quase  esvaziando o seu significado.

De um lado, aquela interpretação de que foi uma guerra separatista de São Paulo. O que, na verdade, não constou de nenhum documento, de nenhuma diretriz dos chefes, dos dirigentes daquela revolução. Pelo contrário. Na verdade, o movimento de 32 começou como um movimento nacional. Até o último momento, a expectativa era da entrada do Rio Grande do Sul. Até o último momento, a expectativa era de entrada de Mato Grosso, de parte de Minas Gerais.

Na verdade, o que houve, rapidamente, foi o isolamento militar do Estado, devido a hesitações que se produziram em outros Estados e por meio do próprio comando daqui de São Paulo. As manifestações civis não-armadas não foram viáveis, naquele período, exatamente porque se vivia uma ditadura, virtualmente. Sem garantias constitucionais, a possibilidade de repressão de movimentos de direito de palavra era total. Mas, na verdade, foi um movimento cuja origem foi nacional.

Aliás, o comandante militar, em São Paulo, era do Rio Grande do Sul. Klinger, não me lembro o primeiro nome, Klinger. E o comandante das tropas que foram para o Vale do Paraíba era o general Euclides Figueiredo, carioca, pai do general Figueiredo.

Na verdade, havia batalhões de gente de outros Estados aqui, da mesma maneira que havia até de minorias, como era o caso de indígenas. Na verdade,  as palavras fundamentais de ordem desse movimento eram nacionais. Tinham a ver com a Constituição, com a reabertura do Poder Legislativo, que estava desativado. Com a independência dos Poderes, com o voto secreto, que na República Velha não era voto secreto. Foi uma das motivações importantes da Revolução de 30. Eram questões de natureza nacional. Nada a ver com separatismo.

De outro lado, houve uma tendência, principalmente nos meios acadêmicos, mas que acabou contaminando formadores de opinião e até governantes, com a idéia de que, em 32, se procurou fazer, aqui, uma contra-revolução. A contra-revolução com relação a 1930, para repor elementos fundamentais do status quo da República Velha. Quando, na verdade, em 32, o que se procurou fazer foi dar seqüência às questões mais fundamentais da Revolução de 30. Entre elas, o voto secreto. Entre elas, o funcionamento de uma democracia constitucionalmente organizada.

Mas o fato é que essa interpretação, meio marxista, de primeira ou de segunda categoria, acabou colando, acabou pegando, acabou se consagrando. E só nos anos recentes é que novos estudos vão apontando noutra direção, mostrando a complexidade do fenômeno da Revolução de 32 e o simplismo de quem  procurou reduzi-la a um movimento separatista ou a um movimento de retrocesso.

Na verdade, o norte – claro que havia diferenças dentro do movimento, mas isso é natural dentro de qualquer movimento político – o fundamental era que a hegemonia era das forças que lutavam pela democracia. E a mobilização foi total, incluindo os jovens e os estudantes, o que mostrava o caráter de esperança de que se revestia esse movimento.

Portanto, esse tipo de análise, que agora começa já a perder prestígio, também foi responsável por este desconhecimento. Nesta semana, nós vamos fazer uma pesquisa para averiguar quem se lembra, na população, ou quem tem idéia do que representa nove de julho, que é o único feriado estadual que São Paulo tem. É o único feriado.

Por que é importante essa revitalização? Porque não apenas como homenagem àqueles que morreram – e foram centenas. Não apenas como homenagem à coragem, à mobilização feita. Mas também como valorização da questão da democracia. Da Constituição. Das leis. Da liberdade de expressão. Do voto cada vez mais secreto. E também sobre a importância de nós sempre contarmos com meios pacíficos para resolver as questões institucionais do nosso País.

Assim, é preciso revalorizar o significado da Revolução Constitucionalista e da data de nove de julho. Foi idéia minha, pessoal, constituir uma equipe comandada por um historiador para fazer, agora, um livro novo, com documentação, não só fotográfica, mas histórica e também das interpretações existentes. Esse livro vai ser lançado no começo da semana que vem, e vai ser a base de um material didático para nós termos isso nas escolas de São Paulo.

Como eu disse, na busca dessa valorização. Nós vivemos, naquele período, uma época crucial, semelhante à da Independência, semelhante à da República, semelhante à da redemocratização do Brasil em meados dos anos 80. Aqueles momentos decisivos da nossa história.  

Há um fenômeno que é interessante: a Revolução de 32 sempre foi comemorada pelos vencidos. Os vencedores sempre tiveram pudor de qualquer espécie de comemoração. No máximo, lamentar a guerra que foi a maior guerra dentro das fronteiras do Brasil da nossa história. Foi a maior guerra, durante 32, que houve no Brasil, dentro do território brasileiro. Foram mobilizados, pelo menos, 80, 85 mil combatentes. 50 mil federais, e de 30 a 35 mil de São Paulo.

Bem, dentro daquele processo, houve aqui, no nosso Estado, dois componentes interessantes na mobilização revolucionária, que foram o Tribunal de Justiça e a Associação Comercial.

Talvez seja exagero o que eu vou dizer, mas, por abrigar a primeira escola de ciências jurídicas do Brasil, São Paulo sempre teve muito apreço pelas leis, pelo direito e pela liberdade. Um apreço que o Judiciário paulista tem sabido traduzir com competência e eqüidade, desde o antigo Tribunal da Relação que, se não me engano, foi criado em 1874 e foi o primeiro Poder de segunda instância no nosso Estado, tendo sido sucedido pelo Tribunal de Justiça.

Por sua vez, a Associação Comercial concentrava, na época, não apenas a representação do comércio, mas também da indústria. É como se juntasse a Fiesp, a Ciesp, e a Federação do Comércio dentro da Associação Comercial. Os integrantes da Associação Comercial interpretavam que bem trabalhar, produzir, gerar empregos exige normas claras, instituições sólidas, o respeito às leis e à cidadania. Essas foram razões, também, que levaram o Judiciário, sob a liderança do desembargador Manoel Costa Manso, a se engajar imediatamente no movimento constitucionalista.

Muitos pracinhas de 32, aliás, vieram depois a integrar o Tribunal de Justiça, se destacar dentro do Judiciário paulista. Entre eles, dou dois exemplos: o Adriano Marrey, pai do nosso secretário da Justiça, e o Júlio Bonfim Pontes, tio do acadêmico Paulo Bonfim. O tio dele jamais teria imaginado que, já no final da primeira década do século seguinte, o Paulo Bonfim ainda pontificaria neste Tribunal e na noite de hoje.

A Associação Comercial se engajou na campanha antes de nove de julho. Seu presidente já mencionado – Carlos de Souza Nazaré – foi uma das mais importantes lideranças do movimento e umas das principais vítimas da perseguição que se sucedeu, até mesmo com o exílio.

É uma grande satisfação, para mim, receber o colar que leva o seu nome. Uma satisfação maior porque esta outorga está sendo feita aqui no Tribunal de Justiça de São Paulo, instituição que tem uma longa história de autonomia e independência.

Por fim, eu queria ressaltar que o sangue derramado – e foi muito, em 32 – em vez de significar o afastamento da cidadania, dos cidadãos do nosso País entre si, representou o elemento de união ainda mais forte entre todos os brasileiros, no anseio de construir uma sociedade justa, equitativa, democrática.

Aliás, os vencidos – e não foi a primeira vez na história que isso aconteceu – se transformaram em vencedores, porque um ano depois da derrota, da rendição das tropas constitucionalistas, houve eleições com voto secreto para a Constituinte de 34. E a ditadura chegou em 37, nascida das mesmas forças que, antes da Revolução de 32, se opunham à reconstitucionalização do País.

São Paulo é a única unidade da Federação que traz o Brasil desenhado na sua bandeira. O que significa que, para nós, empunhar a bandeira do Estado é empunhar, também, a bandeira do Brasil.

Eu queria lembrar aqui aqueles que tombaram dos dois lados das trincheiras. Repetindo Guilherme de Almeida: “Soldados de 32. Sem armas, em vossos ombros, velai por nós”.

Muito obrigado.