Governador José Serra discursa na COP15

Copenhague, 14 de dezembro de 2009

seg, 14/12/2009 - 22h15 | Do Portal do Governo

Governador José Serra: Queria dar o meu boa tarde a todos e a todas. Eu queria também saudar as pessoas que estão acompanhando este debate pela internet no Brasil e, inclusive, nas redes do Governo de São Paulo, através do CEPAN (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste), da Secretaria do Meio Ambiente e da Secretaria da Agricultura. Queria cumprimentar os organizadores pela iniciativa. Acho que montaram aqui uma boa reunião, inclusive enfatizando o aspecto da energia renovável, que é um dos grandes cacifes. O grande cacife do Brasil, no plano internacional, sem dúvida nenhuma, um dos dois grandes cacifes, é a ideia da energia renovável.

São Paulo, que é um Estado onde a energia renovável se usa com mais intensidade, tem uma emissão de carbono per capita que é mais ou menos um quarto da média brasileira – se a gente excluir do cálculo da média brasileira o próprio Estado de São Paulo. Isso porque não tem desmatamento, e porque usa intensamente a energia renovável – 56% da matriz energética paulista é com energia renovável, hidroeletricidade e, basicamente, do etanol. Mais da metade dos automóveis é movida a etanol, o álcool.

Portanto, isso mostra uma situação, na verdade, que revela um potencial enorme do nosso País. Quando eu vejo a questão brasileira no contexto mundial, quanto ao nosso papel eu tenho otimismo. Porque, de fato, o que está acontecendo no mundo é uma crise do modelo de desenvolvimento da Revolução Industrial, que vem do final do século XVIII. É um modelo baseado fundamentalmente na energia fóssil. Este modelo está em crise, ele está atravessando uma época, como dizem os economistas, de francos rendimentos decrescentes. E nós estamos assistindo – não se tem ainda perspectivas históricas para isso – mas nós estamos assistindo a uma mudança de paradigma e uma nova Revolução Industrial, que vai ser baseada em tecnologias de baixo carbono.

Os países que se adiantarem mais nesse esquema vão ter uma posição de liderança no dia de amanhã. A questão de mudanças climáticas, ela está, na sua essência, relacionada com este modelo de desenvolvimento econômico, com esse modelo de desenvolvimento industrial que está em crise, e coloca em xeque a própria natureza que permite, e permitiu, a produção de tanta riqueza. Porque esse modelo foi muito eficiente para produzir riqueza, sem dúvida nenhuma, mas está levando a um tal desequilíbrio da natureza que ele próprio entra em xeque. Essa é a questão de fundo. Agora, o principal problema brasileiro qual é, do ponto de vista da contribuição do CO2? É o desmatamento. Só que o desmatamento não está ligado a nenhuma grande lógica econômica, não está ligado a isso.

O fenômeno econômico do desmatamento é perfeitamente contornável. E o desmatamento implica tecnologias, implica também fiscalização. E eu acho – viu, Minc (Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente) – que, independente dos seus esforços, dos esforços que a Marina (Silva, ex-ministra do Meio Ambiente) desenvolveu, históricos no nosso País, a questão da fiscalização não está resolvida. Eu, particularmente, penso que nós devíamos, no Brasil, criar uma Guarda Nacional, inclusive com atribuições ambientais, especializada, que pudesse ter um papel efetivo na questão do meio ambiente – em número, em qualificação e em treinamento.

Eu acho que, no atual esquema, sem menosprezar o papel dos fiscais do IBAMA, sem menosprezar esses aspectos, eu acho que a gente precisa de um novo modelo de segurança, no que se refere às nossas florestas. Sem falar nas questões econômicas, propriamente ditas, dos incentivos, dos desincentivos, da tecnologia e dos marcos legais. Mas são mudanças mais fáceis de serem feitas do que mudanças com que se defrontam, por exemplo, Estados Unidos e China, que têm a ver com todo um modelo de industrialização, que nós também temos parcialmente no Brasil, mas em menor escala. E já avançamos, inclusive, mais na área da energia renovável do que os outros países, e temos muito terreno pela frente nesse sentido.

Então, eu queria, na verdade, começar com essa perspectiva mais otimista. De fato, nós temos amanhã uma reunião de governos subnacionais, onde eu ia fazer uma exposição mais ampla a esse respeito, mas me parece impossível, neste ambiente, deixar de aludir a essas questões mais gerais. O que eu tinha planejado me concentrar aqui era mais na questão do etanol.

Tem um outro aspecto que eu queria sublinhar, que é o da agricultura e das florestas plantadas. A Elizabeth (Carvalhaes, presidente da Associação Brasileira de Celulose e Papel – Bracelpa) fez aqui uma advertência importante: floresta plantada não é o demônio, não é uma coisa ruim; ela apenas… na hora que disse “derrubar árvore não tem problema”, ela disse “derrubar árvore não nativa, árvore plantada” – foi evidentemente o que ela pensou na hora. Mas isso tem a ver com a absorção de CO2 e tem a ver essencialmente com a questão da energia renovável. E eu creio que a gente deve, enfaticamente, batalhar para que os esforços de desmatamento sejam entendidos como ações nacionais apropriadas de mitigação, aquela NAMAS (Ações Nacionais Apropriadas de Mitigação). Eu acho que a gente tem que fortalecer o regime do CDM, Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, e estruturar melhor essas REDDs, Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal.

E a gente chega a situações absurdas. A China ganha, e o Brasil não ganha porque avançou mais. É um incentivo errado, porque você não pode dar incentivo para quem está mal e não dar incentivo para quem se desempenhou bem, porque você está dando um desincentivo para que continuem as boas práticas – isso no Brasil e em escala mundial.
Agora, eu queria entrar – depois eu falo algo de São Paulo – mais diretamente no etanol. O Brasil é o País que produz com mais eficiência e, ao contrario do folclore, de gente que acha que a Amazônia seria um grande lugar para plantar cana, de fato a produtividade do etanol em São Paulo é mais alta não apenas pela qualidade das terras, pela tecnologia, pela capacidade empresarial existente, pelo domínio do processo produtivo, inclusive da industrialização, mas também pelo clima, aquele friozinho que, aliás, é algo que o Estado vai perder se as mudanças climáticas acontecerem – e aí quem vai plantar etanol vai ser o Rio Grande do Sul, o Uruguai, que provavelmente ainda terão um friozinho. A Amazônia não é adequada para o etanol por causa disso.

Agora, a experiência com automóveis no Brasil foi muito interessante. Começou por causa de um problema de balança de pagamento, não tinha nada a ver com meio ambiente, foi balança de pagamento, comprar menos petróleo depois da crise de (19)73, foi meados dos anos (19)70. Mas o fato é que, por política mandatória, nós chegamos a 25% de mistura (de álcool na gasolina) e depois – lembra que aí se fez o carro a álcool? – mas virou um mico com a oscilação de preços. Mas isso se resolveu com o carro flex (que pode ser abastecido só com álcool, só com gasolina, ou simultaneamente com os dois combustíveis em qualquer proporção). O flex foi uma grande invenção, feita por multinacionais no Brasil – porque as montadoras todas são multinacionais, não há nenhuma brasileira, mas foi uma inovação brasileira. Com o flex o etanol se firmou, porque o flex permite a escolha do consumidor na hora (de abastecer) entre alternativas diferentes de natureza energética.

E o balanço é muito bom. Para cada 8 unidades de energia do etanol, nós precisamos de uma de energia fóssil. Com relação ao etanol do milho, que estigmatizou o etanol, essa relação é 6 vezes menor, eu acho que precisa de mais ou menos 1,4 por cada unidade de energia produzida pelo etanol (do milho). O da beterraba é pior ainda. Aliás, é uma maluquice produzir o etanol a partir da beterraba, com o devido respeito como fazem e se protegem, por causa disso, os europeus.
Agora, além do mais, tem outro aspecto – e isso eu devo dizer que às vezes eu fico preocupado, porque nós estamos todos centrados na questão da mudança climática do CO2 – mas há outros aspectos da velha poluição que continuam, e com o etanol também, que são menores. Me refiro ao enxofre, ao óxido de enxofre, um tal de NTBE, que eu não sei aqui dizer o nome completo, que é um nome complicadíssimo, mas que faz muito mal à saúde – e outras partículas muito danosas, Aliás, uma diferença de São Paulo – não que em São Paulo seja uma maravilha – mas comparativamente a Pequim, comparativamente ao México, é exatamente usar muito o etanol e ter menos poluição, aquela poluição convencional.

Agora, nós temos com relação a isso alguns mitos. Eu me lembro, por exemplo, de uma vez que eu recebi (em São Paulo) a chanceler (alemã) Angela Merkel, e fiquei pasmo como a visão dela a respeito do etanol está baseada em dois mitos absolutamente equivocados. Um é o de que o etanol vai invadir a Amazônia; dois, que vai produzir escassez alimentar no mundo. Ora, a terra da Amazônia não é boa para o etanol. Por outro lado, entre soja e milho eu acho que nós temos umas 4 ou 5 vezes mais de área plantada que a do etanol. E há um outro aspecto inclusive da distância – os centros produtores devem estar a dois mil quilômetros da Amazônia. Eu não sei os principais centros produtores aqui na Europa, devem ser Moscou, Paris, deve ser Copenhage, Roma, é uma coisa muito distante. Eu não vejo realmente esta ameaça à Floresta Amazônica por causa do etanol.

A madeira, o gado, a depredação irracional são, evidentemente… Uma das coisas que mais me exaspera é a questão da madeira, porque o benefício econômico da exploração irracional da madeira, de forma nenhuma chega perto do prejuízo que isso trás não só à ecologia, mas ao patrimônio do País, porque floresta tem que ser encarada como patrimônio, como algo valioso. Aliás, quando a gente tenta recuperar a floresta é que a gente vê quanto custa recuperar. Essa exploração é absolutamente irracional. Mas não a do etanol – esse é um mito que atrapalha bastante.

Há um outro mito que é de natureza, digamos assim, malthusiana. Eu sempre tive um pé atrás com (Thomas Robert) Malthus (economista britânico), primeiro porque ele era muito reacionário. Quando eu comecei a estudar economia, eu tinha um pé atrás porque ele era reacionário demais, mas era um homem inteligente. Depois eu passei a ser contra ele teoricamente, nas análises feitas a respeito do desenvolvimento econômico, porque ele achava que cresce a população em razão geométrica e os alimentos em progressão aritmética, em última análise.
Deve ter no mundo 1 bilhão e meio de hectares de agricultura. No caso do Brasil, tem mais de 90 milhões de (hectares de) terras que não são florestas, que podem ser melhor utilizadas. O etanol ocupa 7 milhões (de hectares) com uma vantagem – com relação a algumas áreas – inclusive de criar uma superfície verde, que absorve carbono. Agora, em escala mundial deve ter 1 bilhão e meio (de hectares). Meio por cento disso é usado hoje na cana-de-açúcar e para etanol. Meio por cento. Quer dizer: não é possível que aumentar, digamos, a produção quatro vezes vá causar uma crise alimentar no mundo. Francamente, não é sério. Essa questão do problema dos alimentos tem outra natureza, inclusive tópica dos próprios Estados Unidos, onde o milho sim concorre com a produção de alimentos.

Essas fantasias de invasão, destruição da Amazônia e de falta de alimentos também partem de uma premissa que era a premissa do Malthus, que é o menosprezo ao progresso tecnológico, uma variável crucial. Por exemplo: a cana, no caso do Estado de São Paulo, aumentou a produtividade por hectare em cerca de 40%, dos anos (19)70 para cá, só com base nas inovações de institutos do Estado, de pesquisas, como o (Instituto) Agronômico e outros – e institutos da área privada também. O potencial de aumento da produtividade é imenso, inclusive de ter uma cana que, em vez de se chamar cana-de-açúcar, venha a se chamar cana-energia. É possível, geneticamente, trabalhar isso, para maximizar a energia contida na cana. Hoje nós aproveitamos só 1/3 dessa energia num pé de cana. Imagina o potencial que há aí para o progresso tecnológico, em diversas etapas, na variedade, na colheita, na industrialização – quer dizer, há um potencial enorme pela frente.

E qual é a nossa ideia? A nossa ideia é que o Brasil deveria apresentar uma proposta nos fóruns internacionais e encontros internacionais de E-10. O que é isso? Que o mundo adote a ideia de (misturar) 10% de etanol no tanque de gasolina, porque isso já representará um avanço enorme e é factível no horizonte de 10, 12, 15 anos. Isso implica quadruplicar a produção. Se você considerar a disponibilidade de terras no mundo, as tecnologias existentes e uma série de outras variáveis, é factível isso. O Brasil estaria na liderança, mas incorporando outros países. Isso teria um efeito importantíssimo no emprego e na renda, inclusive de países pobres, que vão ter uma produtividade… não vão ter a produtividade brasileira, mas os mercados são sempre assim, as produtividades são desiguais.

É importante dizer que, no caso brasileiro, hoje o etanol não tem mais subsidio. No começo deve ter levado uns 30 bilhões de dólares de subsidio nos anos 1970, 1980. Mas hoje não tem mais, hoje é competitivo diretamente. Eu digo também isso porque alguns países desenvolvidos alegam que o etanol só tem viabilidade subsidiada. É porque estão pensando, estão com a cabeça nos seus insumos, porque são insumos que, para virarem etanol, consomem combustíveis fósseis, enquanto o nosso consome o sol, basicamente. Consome um pouco de combustível fóssil, mas basicamente sol, que é um fator abundante no nosso Pais e no mundo.

Há 2 barreiras, no caso do etanol, que eu acho que merecem ser citadas. Há 2 mitos, 2 preconceitos e 2 barreiras objetivas. Uma é que, para que tenha essa utilização em escala mundial, precisa virar uma commodity. Commodity implica padronização, implica estar na bolsa, implica garantia de oferta de alguma maneira… Os Estados Unidos têm interesse nisso, o Brasil também, é um bom começo. Nós estamos, inclusive, em São Paulo, ajudando nesse encaminhamento. Mas aí a área privada tem um papel indispensável, aí a área privada é que pode fazer a animação disso, até porque ele (o etanol) virar commodity é uma providência não estatal. Não adianta fazer uma lei, não adianta tomar medidas impositivas. Aí, no caso, o próprio mercado deve produzir isso, com ajuda institucional. Isso é muito importante até para que nós tenhamos mais países produzindo. O Brasil não quer ser um produtor único, como é hoje. Não por altruísmo… Poderia até ser, mas não é por altruísmo. É porque, para formar um mercado mundial de etanol, é importante que tenham mais produtores, para que os consumidores tenham mais segurança.

Um outro aspecto é o protecionismo, que é exercido com cinismo pelos países desenvolvidos. No caso dos Estados Unidos, que são os grandes pregadores do livre comércio, eles aplicam a máxima que eu aprendi no Chile. Quando se dizia de alguém, que em geral é hipócrita, se dizia assim: “és como el cura Gatica, predica y no pratica?”, ou “é como o padre Gatica, predica virtudes que ele não pratica”, porque, no caso do protecionismo em relação ao etanol, são 54 centavos por galão. Na Europa, o mesmo esquema. A Ásia desenvolvida, no mesmo esquema. E quando, já é uma tarifa altíssima no caso americano, mas tem também os subsídios, que chegam a 10 bilhões de dólares, no caso da Europa e dos Estados Unidos.

Eu vou ler aqui, porque é muito interessante, uma declaração do (Arnold) Schwarzenegger, com quem nós vamos estar amanhã, governador da Califórnia. A Califórnia consome etanol mais do que toda a exportação do Brasil – quer dizer, é um mercado extraordinário… seria para nós. Ele diz assim: “O governo federal (dos EUA) subsidia o etanol baseado no milho e impõe uma tarifa de 54 centavos (de dólar), por galão, ao etanol mais importante que existe, que é o do Brasil, para desestimular a importação do etanol barato do Brasil. Isso é uma loucura” – diz o governador. “Para atingir a meta do presidente Bush, de 15% de biocombustíveis na próxima década, isto consumirá mais do que toda colheita de milho nos Estados Unidos. Isso não faz sentido, é uma loucura e, definitivamente, não é do interesse dos consumidores americanos”. Isso é interessante, não como novidade, mas por vir do governador do maior estado, o estado mais rico, mais populoso e mais rico dos Estados Unidos.

Portanto, temos aí batalhas boas pela frente. São batalhas vencíveis. E é uma batalha que vai beneficiar o mundo, porque serão muitas dezenas de milhões de toneladas de economia de carbono emitido, com essa energia mais limpa. E eu insisto, também… Eu acho que isso não pode ser deixado de lado, como os outros poluentes também – aquela poluição que a gente conhecia, aquela que tinha em Cubatão, essa poluição que inferniza a vida da cidade, que não é apenas o CO2.
Agora, para concluir, algumas políticas, no caso de São Paulo, com relação ao meio ambiente… Aqui já foi mencionado, inclusive pelo ministro (Carlos) Minc, que a nossa Lei de Mudanças Climáticas paulista prevê uma redução absoluta – não é uma redução por unidade de PIB (Produto Interno Bruto), nem desaceleração, nem engordar menos, digamos, ou nem passar dos 80 para os 60 quilômetros por hora. É uma redução em termos absolutos, não é uma tarefa fácil, até porque São Paulo é um Estado. Em termos absolutos ele é valido, mas comparativamente a outros centros industriais. Mais limpo em matéria energética, por aquela combinação que eu mencionei de hidroeletricidade mais a energia da biomassa.

E nós vamos precisar de muita ajuda. Vai precisar de mais tecnologia nova, inclusive tecnologia de natureza financeira, mais criatividade e tem um outro aspecto também, que é de replantar a floresta nativa – e nós estamos com um programa bom nessa área, no que se refere a matas ciliares. Por exemplo: dentro do protocolo com a cana – e a cana faz rapidinho isso – tem o replantio de matas ciliares. Tem um potencial total de 2 milhões de hectares. Até o ano que vem nós podemos chegar a mais de 300 mil, 400 mil (hectares), se tudo der certo. A Mata Atlântica, em São Paulo, é aproximadamente 14% do território. E eu acho que não é irrealizável, a longo prazo, chegar a uns 18%. Isto é uma contribuição permanente de absorção de carbono.

Nós vamos precisar de muita tecnologia, muita criatividade, além de muito dinheiro – por exemplo, aquele que é empregado hoje, em grande volume, que terá que ser nos próximos anos, na substituição do transporte de pneus, de passageiros, por transporte ferroviário. Nós estamos fazendo o maior investimento da história de São Paulo, talvez do Brasil, nesta tarefa, porque isso, além do mais, tem outros benefícios que não são apenas da qualidade do ar, pois são, também, para o padrão de vida das pessoas.

Realmente o transporte – e até o Rodoanel (Mário Covas) que é uma obra rodoviária, é uma obra viária – ele vai economizar CO2, porque um caminhão que hoje gasta 2, 3 horas dentro horas na cidade, vai gastar 15 minutos. Você sabe que qualquer caminhão que venha do Norte do Brasil, do Sul ou do interior, e que vá para Santos, passa pela avenida dos Bandeirantes, lá perto do Aeroporto de Congonhas, que todo mundo conhece. Tudo passa lá por dentro, vocês imaginam a loucura que é isso em matéria de consumo de combustível.

Mas, então eu queria sublinhar esse aspecto. Quer dizer: é um programa de mitigação que vai junto com o de adaptação, que é, no caso, a recuperação e a criação de parques lineares. Está no começo o maior parque linear do mundo, em São Paulo, com mais de 70 quilômetros (de extensão), na zona do Alto Tietê, isso junto com a Prefeitura (da cidade). Quero dizer, aliás, que nós andamos de mãos dadas com a Prefeitura de São Paulo, coisa que facilita muito as ações na área ambiental.

Mas, alguns aspectos em referência à bioenergia… Primeiro, o fomento e a coordenação de pesquisas acadêmicas, através da FAPESP. A FAPESP é uma entidade, um Fundo de Amparo à Pesquisa de São Paulo, mantida pela vinculação de 1% do ICMS. Portanto é uma entidade que tem dinheiro – o ICMS paulista é alto, até porque São Paulo não tem transferências federais, vive praticamente do ICMS. Nós temos na FAPESP o programa de pesquisa sobre mudança climática global, inclusive associado com o Governo Federal, que entra com metade do dinheiro, mais ou menos, 33 milhões de reais. O programa todo custa 64 milhões de reais.

O programa sobre bioenergia, inclusive em parceria com atividade privada. Vai da planta até a alcoolquímica, que é uma atividade que começa… eu já tenho participado de inaugurações de plantas de alcoolquímica que tem a vantagem óbvia, também, de utilizar um insumo mais vantajoso.

E os programas do Biota (Pesquisas em Caracterização, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo), pesquisa sobre a diversidade. Foi criado há mais ou menos 10 anos e é um dos maiores programas de pesquisa no mundo.

Mas nós estamos comentando a pesquisa acadêmica e a pesquisa tecnológica aplicada, inclusive, por exemplo, a densidade energética da cana. Estamos criando agora um Centro de Pesquisas da Biomassa, com ênfase no etanol, inclusive com o dinheiro que vem de parte da venda da Nossa Caixa para o Banco do Brasil, mobilizando as 3 universidades e outros institutos de pesquisa.

Outro aspecto importante é a formação e capacitação de recursos humanos. Desde o ensino técnico de nível médio, todo esse pessoal está sendo treinado, inclusive para a cana-de-açúcar, para o etanol, até o universitário de pós-graduação e de pesquisa pura.

Um terceiro aspecto foi o zoneamento agroecológico para a cana-de-açúcar no Estado. Um zoneamento muito bem feito, disciplinando o uso do solo e, objetivamente, nós não temos interesse de aumentar a área plantada cana-de-açúcar no Estado. O que a gente quer agora é que o aumento de produção se dê via aumento de produtividade. E o zoneamento é um instrumento, também, para impulsionar, estimular que o crescimento se dê via produtividade.

Quarto ponto a ser mencionado, muito interessante, é o protocolo firmado com o setor do etanol, que é talvez o maior sistema de garantia sócio-ambiental de bioenergia do mundo. Envolve 88% da produção do Estado. É um compromisso voluntário, mas que o setor está cumprindo, até porque o setor tem apoio do Governo do Estado – e se não fosse voluntário, seria mandatório. Está cumprindo voluntariamente muito bem, que é uma forma muito mais flexível e sempre mais entrosada com o Governo. Prevê a recuperação de matas ciliares, diminuição do uso de água, controle de erosões, de emissões atmosféricas de caldeiras, gerenciamento na utilização de agroquímicos e aspectos sociais, inclusive cumprimento de direitos trabalhistas, sem falar do treinamento e da qualificação de mão-de-obra, que nós estamos fazendo com dinheiro público e com o dinheiro do setor.

Um quinto, que faz parte desse protocolo, é a redução das queimadas, substituído-as por uso de máquinas. Até 2014 nós já vamos ter praticamente eliminado. Tem um problema, quando a terra é inclinada a partir de um ângulo determinado, as máquinas não fazem colheita. Mas estão melhorando as máquinas nessa direção – e nós já conseguimos economizar de hectares queimados 750 mil. Ou seja: esse programa está andando muito rapidamente, porque 750 mil é mais ou menos 1/6 da superfície cultivada de cana no Estado.

Bem.. esses são os aspectos que, eu diria, essenciais, a meu ver, da questão da energia renovável brasileira. Esse aquecimento global, na verdade, ameaça grande parte dos avanços e dos confortos que a vida moderna chegou a proporcionar, baseada nesse modelo de industrialização. Como eu disse, esse modelo apresenta rendimentos decrescentes. Esse modelo está entrando em xeque pela própria natureza, que facilitou um dinamismo muito grande na criação de riqueza.

Como economista, eu estou absolutamente convencido de que é perfeitamente possível a economia mundial crescer bem, de maneira sustentável. Eu, quando comecei a estudar economia, li um livro da Joan Robinson, que é uma grande economista inglesa. Ela dizia o seguinte: “quando os alunos me perguntam qual é o motivo para estudar economia, se vale a pena estudar, eu repondo o seguinte: vale a pena estudar economia, não apenas para se obter respostas prontas a respeito do que se fazer, mas vale a pena estudar economia sobretudo para aprender a não ser enganado pelos economistas?”. E eu acho que esse é um ponto importante.

Essa história de que a médio e longo prazo vai comprometer o crescimento, é uma história também de corte malthusiano, porque é cética quanto às possibilidades da inovação, da mudança, da tecnologia, em um sentido amplo. Então, eu estou convencido de que isso é possível. Agora, isso exige cooperação internacional, porque é um problema de teoria dos jogos esquisito. Porque um problema global… Não adianta um País só fazer, mas adianta às vezes para um País só ele se manter poluindo, ele não tem punição por isso. Portanto, exige um esforço internacional, uma reunião como essa. Exige cooperação internacional, vontade política em cada Nação e em cada região. A importância dos governos subnacionais é decisiva.

E aí, voltando naquilo que já virou quase um slogan, que vem do Rio (de Janeiro) – da reunião do Rio, eu acredito – o problema ambiental é global, mas as ações são regionais, são locais. Por isso é que a gente tem que cumprir com a nossa parte.

Muito obrigado!