Conselho Empresarial entrega prêmio de incentivo ao combate à Aids

O governador José Serra participou da cerimônia de premiação na capital paulista

ter, 07/10/2008 - 20h16 | Do Portal do Governo

Na comemoração dos seus dez anos de fundação, o Conselho Empresarial Nacional para Prevenção ao HIV/AIDS entrega nesta terça-feira, 7, o “IV Prêmio Nacional CEN-AIDS no Mundo do Trabalho” a três organizações nas categorias micro, médias e grandes empresas. O governador José Serra participou do evento no teatro do hotel Maksoud Plaza, na zona sul da capital, e proferiu o seguinte discurso.

Governador: Queria dar o meu boa noite a todos e a todas. Cumprimentar o Murilo, que é o presidente do Conselho. O nosso secretário da Saúde, doutor Barradas. A Mariangela, que é diretora do Programa Nacional de AIDS. O Pedro Checker, que é o coordenador do Unaids no Brasil. Maria Cristina, que é coordenadora municipal. O Alberto Ogata, presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida.

Queria cumprimentar os profissionais todos da área da saúde, os congressistas e dizer da minha alegria de vir hoje aqui. É um pouco alegria, um pouco susto, porque esses dez anos passaram muito depressa.

Eu lembro que o lançamento foi lá no Palácio do Planalto, no auditório. Mas, se me perguntassem, eu diria: “Não deve ter sido, faz uns três ou quatro anos”. Já se passaram dez, mas um trabalho bem sucedido. Aliás, a luta contra a AIDS no Brasil tem sido bem sucedida.

Eu me lembro, especialmente quando eu saí do Brasil, passei um ano em Princeton depois da derrota na eleição presidencial em 2002, passei um ano lá, e muita gente veio me perguntar. Queria que eu comentasse do programa da AIDS no Brasil. Por que deu certo? É uma questão interessante de ser abordada. A propósito, até escrevi um trabalho, que não foi publicado em português. Prometi mandar para o Pedro Checker.

Escrevi, fiz vários trabalhos naquela ocasião, mais de economia. Escrevi um também sobre a economia política da AIDS no Brasil. Exatamente indagando a respeito das condições que cercaram o nosso programa. Um ponto importante, que explica o sucesso, sem a menor dúvida, foi o tratamento que nós demos ao assunto no plano ministerial. Quer dizer, esse foi um assunto com o qual eu me ocupava diretamente como ministro.

Então, era algo que eu me envolvia no tema, indiretamente, até na publicidade. Não sei se o Pedro lembra que eu patrulhava a publicidade, porque uma vez (…) Eu gosto muito de publicitários, mas eles, às vezes, têm idéias meio extravagantes. Com a mania da obra de autor, de fazer alguma coisa diferente. Eu lembro que uma vez veio alguém lá que tinha um filme que era assim. Era um feijão, lembra disso, Pedro? Era assim. Com feijão era o único método garantido de evitar a AIDS. Como é que era? Era prender o feijão no meio dos joelhos. Bom, vocês imaginam isso. Eu não deixei. Vocês imaginam isso numa publicidade nacional. Você se lembra disso, Pedro?

O fato é que o tratamento da campanha, no plano do ministro, sempre teve um peso grande naquela etapa inicial. Essa é uma tradição que se perdeu depois, no Brasil. Mas eu acho que naquela etapa inicial, sem dúvida, foi decisiva.

Um segundo aspecto foi o da continuidade de política. Ou seja, houve uma política estabelecida e ela passou a ser contínua. Isto é muito importante para dar certo. Na administração governamental, a continuidade é essencial. Não pode ser uma coisa que vai, dura dois, três anos e depois muda. Houve uma continuidade, sempre. E, principalmente, nos primeiros anos.

Outro aspecto básico foi o da participação. Na verdade, a campanha da AIDS  não é tocada pelo governo. Isso é uma ficção. Nem pelo governo federal, nem pelo governo estadual, nem pelos governos municipais. Ela é tocada pelos militantes, pelas organizações não-governamentais e por militantes da área.

Eu recordo que comparava o que aconteceu no Brasil com o que aconteceu na África do Sul. Por que no Brasil deu certo e na África do Sul deu tão errado, em circunstâncias em que o ponto de partida era semelhante?

Se nós abordássemos o caso da África do Sul e do Brasil no começo dos anos 90, o ponto de partida era semelhante.  E lá virou uma calamidade, a ponto de que 25% da força de trabalho, em meados da década passada, era portadora do vírus da AIDS. 25% da PEA, da População Economicamente Ativa, da força de trabalho.

No Brasil, um percentual bastante baixo, irrisório diante dos demais países africanos. Por quê? Aí há um caso, há uma diferença, apesar de que foi já no governo do Mandela. É que lá a AIDS começou entre os mais pobres e aqui no Brasil começou na classe média, que tem um poder de vocalização muito alto, muito forte, notadamente junto à imprensa.

Houve muita gente que se engajou como militante. Muitos dos louros que eu ganhei por causa do programa da AIDS, na verdade, deveriam ser repassados ao Pedro Checker e ao Paulo Teixeira, que sucedeu o Pedro no Ministério, e às suas equipes. Foram eles que fizeram. O que o governo fez foi dar cobertura ao trabalho. É claro que, na vida pública, isso é sempre atribuído ao presidente ou ao ministro. Na verdade, se houve trabalho que se deveu a uma equipe que deu continuidade a esta ação e se multiplicou por todo o Brasil, com influência, internacional, nos últimos anos, foi o caso da campanha contra a AIDS. Esse é outro fator importante para ela ter dado certo.

O quarto fator fundamental foi a questão econômica, porque o programa sai muito caro e nós peitamos o assunto. Peitamos. No Brasil, há alguns anos – agora com essa miserável sobrevalorização cambial que tem havido é difícil medir – mas num certo momento, com o valor mais real para o Real, ela custava, por pessoa tratada, cerca de três a quatro vezes menos que nos Estados Unidos, em dólares comparáveis. O real ficou tão sobrevalorizado,  valendo tanto, entre aspas, porque uma moeda que vale muito é, na verdade, uma moeda fraca, que é irreal, que agora não dá para comparar. Mas na época dava. Ou seja, um custo três a quatro vezes menor.

O que vi foi um elemento de viabilidade. Para isto, graças à produção nacional de medicamentos que nós incentivamos bastante e introduzimos também o elemento patente nessa discussão. O Brasil havia aprovado, em 96, uma lei sobre patentes. A meu ver, demasiado permissiva, muito concessiva para os americanos, mas deixava num artigo a possibilidade de o governo quebrar patentes em circunstâncias de interesse público ou de não produção nacional de medicamentos. Eu estava no Senado quando a lei foi aprovada, com a minha desaprovação.

Depois, no governo, nós regulamentamos a lei, transferindo, aliás, a responsabilidade para o Ministério da Saúde, para facilitar a decisão política.  Passamos a lidar com os laboratórios com a ameaça de quebra de patente. Fizemos isso no caso de dois medicamentos, eu não me lembro mais os nomes. Medicamentos de AIDS eu não si porque têm, todos, nomes de deuses egípcios, são todos. Não lembro quais eram os medicamentos, mas nós notificamos o laboratório: se não reduzir preço, nós vamos quebrar patente, importar matéria-prima da Índia e fazer matéria-prima no Brasil.

Isso funcionou, os laboratórios abaixaram os preços. É uma prática de política que foi, então, inaugurada legalmente. Isto favoreceu, economicamente, o enfrentamento da questão, mas teve que cuidar, também, para botar recursos em orçamento, porque é um programa que custa caro.

Há outro fator que é muito mais geral de explicação. É curioso isto, porque no Brasil, por exemplo, não se consegue manter bem estradas. Menos em São Paulo. As de São Paulo são muito bem mantidas. Não quero, aqui, fazer comercial do meu governo, mas das 20 melhores estradas brasileiras, 19 são de São Paulo.

Mas, em geral, não se consegue manter estradas. Agora, não manter estradas não é grave. Está certo? Você pega lá um buraco e a coisa vai caminhando. Mas você imagina, por exemplo, um país que não mantém bem aviões, não é? Já começa a ficar bem mais grave. Por isso, às vezes, é bem mais fácil manter bem aviões num país subdesenvolvido do que manter estradas, porque é um problema de gravidade – eu não vou tomar água, obrigado, ou seja, tem certas coisas que não dá para falhar.

Esse é um motivo pelo qual a campanha contra a AIDS deu certo: falhar seria muito grave para o governo, e nas suas três esferas. O desafio de ter que fazer uma coisa bem feita era muito maior. Não sei se fica claro o meu raciocínio. Quando há algo que pode ser feito, mal feito e que não tem conseqüências graves, em geral, é mal feito. Quando as conseqüências, se não for bem-feito, forem graves, a tendência é ser bem feito. Por isso é que deu certo aqui. Ou seja, nós fomos capazes de fazer um programa complexo que, olhando a priori, seria: “Ó, o Brasil não dá certo”. Mas deu certo, além do que nós temos a tradição, no Brasil, de boas campanhas de massa, que começaram a vacinação. O Brasil é um país que vacina bem e sabe mobilizar.

Eu me lembro de que, na minha gestão, nós introduzimos, no Brasil, a vacina contra gripe. No primeiro ano, na primeira vacinação, a cobertura já foi semelhante à que já havia nos Estados Unidos depois de ter sida introduzida a vacina da gripe. Ou seja, há know how no sistema de saúde pública para fazer as coisas bem feitas nesta área de prevenção, digamos, e do próprio tratamento, como acabou se revelando.

Uma tese que eu sempre defendi é que não só se fizesse o tratamento, mas também se desse assistência para as pessoas infectadas. Para quê? Para facilitar a sua vida, a sua integração, para que vivessem bem, por um lado. Por outro, também para que retransmitissem menos, porque a pessoa que está numa ONG, que está sendo acompanhada vai ter um comportamento avesso à propagação da doença. Mais do que teria se tivesse, simplesmente, abandonado.

Acho que são esses os motivos pelos quais o programa deu certo, e nós ganhamos, sim, com a experiência. A frase do Pedro Nava, que a nossa coordenadora nacional disse, na verdade, ele aplicou para os filhos, e não para a sociedade. Para os filhos, geralmente, a experiência é um farol voltado para trás. Pelo menos com os meus filhos é assim. Não sei se alguém aqui tem uma experiência, mas a gente não consegue transmitir experiência. Eles fazem tudo contrário daquilo que é sugerido. No caso da sociedade, a experiência funciona e isso, sem dúvida, manteve a luta bem sucedida, apesar dos tropeços que de vez em quando aparecem.

Agora, eu queria só mencionar alguns números aqui de São Paulo para que a gente tenha uma noção do avanço havido. Em janeiro, 70 mil pessoas receberão os medicamentos. O coquetel, Pedro Checker me dizia, aumentou de 13 para 18, não é isso?

Houve também um avanço grande em medicamentos no sentido de não precisar tomar tantas vezes por dia e alguns tomaram conjuntamente. Coisas que têm uma importância enorme para o tratamento, para eficácia do tratamento. Mas há também medicamentos novos.

Foram 70, só em janeiro. Nós chegamos, até, a criar, foi recém-inaugurado – não é, Barradas? – um serviço de cirurgia plástica no Emílio Ribas, principalmente para problemas como lipodistrofia, que é o acúmulo gorduras ou falta de gordura, irregularmente no corpo, que piora o aspecto da pessoa sendo tratada, diminui sua auto-estima. Na verdade, não é nenhum mistério correr isso através da cirurgia plástica e nós inauguramos, tem capacidade para atender 80 pessoas por mês.

Mas os números são realmente importantes a respeito do decréscimo. Vejam só: em 2006, morreram em São Paulo 3.363 pessoas por conta da AIDS. Isto foi 56,5% menos que  1995. A mortalidade por tuberculose em infectados por HIV caiu de 76% no total. Que dizer, caiu de 100 para menos de 25 entre 1996 e 2000. A sobrevida de pacientes diagnosticados em 1992 mostrava que apenas 23% sobreviveram depois de 36 meses de acompanhamento. Esse percentual subiu para 79% em 1997, hoje deve ser muito mais alto. Houve redução de 63% dos casos de AIDS por transmissão vertical da mãe para crianças. Aí foi uma das coisas que mais deu certo entre 97 e 2003.

Como nós podemos constatar, o avanço tem sido grande. Agora, há problemas pela frente. A AIDS continua ainda com muita força entre as mulheres, que são mais propensas para pegar a doença por uma questão fisiológica. Isto torna os homens mais frouxos nas suas ações, na medida em que acham que eles são mais imunes à doença. Não são. Têm apenas menor chance de pegar, mas são grandes transmissores.

A questão dos medicamentos produz um efeito perverso da eficácia dos medicamentos, que é muita gente que tem AIDS imaginar, ou que não tem, imaginar que se pegar vai viver como um diabético. Está certo? Antes pegava, morria. Agora pega e vai se tratar. Isso pode estar afrouxando os cuidados. Esta é a questão mais crítica que eu vejo. A pessoa diz: “Ah, eu posso viver com isso, não é mais mortal”. Não sabe a amolação que vai ter, por um lado. Por outro, os riscos que correm. Em terceiro, a doença ainda não tem cura, mas isto tende, ou pode tender a afrouxar o comportamento.

Portanto, nós temos que ter um trabalho permanente, também, de abrir novas frentes de idéias em relação às pessoas, para influenciar o seu comportamento. A coisa mais difícil na área da saúde é a que envolve comportamento das pessoas. Quando tem vacina, quando tem comportamento fácil, o comportamento passa para o segundo plano. Mas, quando não tem, o comportamento é decisivo, especialmente numa doença infecciosa.

Portanto, esse é apenas um exemplo de desafios que a gente tem por diante. Agora mesmo, vocês podem achar esquisito, com esta desvalorização do câmbio, que é porque o câmbio era muito irreal, da taxa de câmbio, eu fico preocupado com o tratamento da AIDS, porque os remédios vão aumentar de preços. Muito porque a totalidade deles é importada. Alguns elaborados, outros a matéria-prima, em cima da qual é feito o medicamento. Assim, a desvalorização aumenta o preço, coisa que deve preocupar o Ministério da Saúde.

Na época, o que eu fiz foi zerar a alíquota de importação de todos os medicamentos, que era para impedir, quando houve também a desvalorização em 99. Agora já não tem mais alíquota para zerar, porque não deve ter mudado, essa zeragem não deve ter sido alterada. Mas isso vai aumentar os custos e você vai ter que alertar o ministro para isso porque já está acontecendo. O dólar passou de R$ 1,60 para dois e tanto. Isto implica  encarecimento.

Bem, eu queria, por último, agradecer, hoje, a este convite. Fiz questão de estar aqui presente. Queria cumprimentar os publicitários pelo slogan “Empresários unidos por resultados criativos”, porque desperta curiosidade. Todos os otimistas que lêem isso vão ficar chocados e irão procurar saber por que, não é?

Portanto, chama bem atenção. Está muito distante daquela idéia do feijãozinho.

Muito obrigado.