Confira palestra de José Serra sobre agronegócio e cooperativismo

Campo Grande, 3 de julho de 2009

sex, 03/07/2009 - 23h00 | Do Portal do Governo

Governador José Serra: Boa tarde a todos e a todas. Eu queria dizer, em primeiro lugar, da minha alegria de vir novamente a Mato Grosso do Sul, que nós, em São Paulo, consideramos um Estado especialmente próximo e irmão, muito parecido com toda uma região do nosso estado. E eu me sinto muito em casa quando venho aqui e queria dizer isso com toda sinceridade a todos e a todas.

Eu queria cumprimentar o deputado Reinaldo Azambuja, que é o coordenador da Frente Parlamentar do Agronegócio e Cooperativismo do Mato Grosso do Sul. O Murilo (Zauith), que é vice-governador do Estado. A senadora Marisa (Serrano), que é da área da educação da Frente do Cooperativismo. O Odacir Zonta, que é deputado federal e presidente da Frente Parlamentar. Os deputados federais do Mato Grosso, o (Waldemir) Moka, o Dagoberto Nogueira e o Geraldo Resende, deputados federais também, que também nos honram com a sua presença. O ex-ministro Roberto Rodrigues, coordenador do Conselho Superior de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas. Márcio Lopes de Freitas, presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras. O Celso Ramos Régis, presidente da Organização Estadual das Cooperativas aqui do Mato Grosso do Sul. Tereza Cristina (Correa da Costa Dias), secretária de Desenvolvimento Agrário, da Produção e do Turismo no Mato Grosso do Sul; não sabia que juntavam o turismo com o agronegócio. E o João Sampaio, o nosso Secretário da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Deputados estaduais membros da Frencoop do Mato Grosso do Sul: Zé Teixeira, Paulo Corrêa, Antônio Carlos Arroyo, Akira Otsubo, Márcio Fernandes. Os deputados Professor Rinaldo, e também membros da Frente: Dione Hashioka, Junior Mochi, Coronel Ivan. Eu queria saudar os prefeitos dos Municípios do Estado, secretários municipais e vereadores, presidentes das cooperativas e sindicatos rurais.

Bem, pessoalmente sou um entusiasta do cooperativismo e estou convencido, inclusive, de que o cooperativismo é não a única, mas umas das estratégias importantes para nós, a médio e longo prazo, enfrentarmos a crise no Brasil, reflexo ou não da situação internacional. É uma área que se expandiu muito bem. Em conversas da equipe econômica do Governo desde (19)95 – antes de ser ministro da Saúde eu fui ministro do Planejamento, e defendi muito na época com o Pérsio Arida, que concordava comigo – acabou saindo o Banco Cooperativo, mas só em (19)99. Muito interessante no Brasil. É um setor que tem um potencial enorme. Como eu acho que o gargalo do desenvolvimento brasileiro é a política monetária, os juros e a oferta de crédito, esta é uma bela maneira, no caso da economia, de pelo menos resolver parcialmente esse assunto. Então, essa é uma questão de que realmente falo bem. Eu sou admirador desse processo de dinamização. Ainda deve (representar) quanto do crédito brasileiro? Ainda uma parte pequena, talvez cinco, seis por cento, não sei. Três por cento. Mas é um setor que tem muito potencial. Eu não sei se tem gente aqui da área do crédito, mas tem um potencial muito grande.

Outro (setor) que tem potencial com o qual eu convivi – era considerado área privada, mas tivemos uma boa convivência – foi no Ministério da Saúde com a Unimed e as cooperativas médicas. No Brasil nós temos o SUS (Sistema Único de Saúde), que fortalecemos muito, como nunca, durante a minha gestão. Mas tem também a área de planos de saúde. E a nossa política foi não antagonizar com os planos de saúde; pelo contrário, fortalecê-los. Por quê? Porque isso alivia a carga do SUS. Em geral, é um setor mantido pelas empresas. O pessoal pensa que plano de saúde é plano do indivíduo, mas isso é parte pequena do total, o grosso é mantido pelas empresas, por seus empregados. E a Unimed, particularmente, teve sempre um desempenho que nós consideramos excelente, de muito boa qualidade. (inaudível)

Com relação à agricultura, eu diria que o cooperativismo é inerente ao setor. É a melhor maneira de se organizar, principalmente médios e pequenos produtores. A agricultura no Brasil tem algumas particularidades que são, eu diria, cruciais para o desenvolvimento do nosso País. Uma delas é o papel anti-inflação. Outro dia eu estava olhando uns números, do Real para cá – nós estamos comemorando agora quinze anos do Plano Real, o Brasil está livre daquela inflação maluca de dois dígitos por mês. Lembra disso? Hoje, dez por cento ao ano é um escândalo. Eu estou vendo aquela menina lá, ela devia ser muito pequenininha há quinze anos. Ela não deve saber disso. Mas na época, o que hoje é um escândalo que seria por ano, era por mês. Dez, vinte por cento ao mês, a gente vivia a maior parte do tempo assim. O Plano Real acabou com isso, faz quinze anos agora. Agora, pegando a longo prazo nós verificamos o seguinte: o índice de preços de alimentos, do Real para cá, subiu metade da inflação. Ou seja, quem foi a âncora da estabilidade do Brasil? É a agricultura, o que contraria aquilo que a gente falava muito na minha época de líder estudantil: que a agricultura era, como se diz em “economês”, inelástica. O pessoal migrava para as cidades, deixava de produzir no campo – onde há o que consumir. Ia para as cidades, demandava alimento, o campo não respondia e a inflação subia. A agricultura virou o contrário no Brasil, esta é a verdade. Graças às inovações e graças à penetração da capacidade e do talento empresarial no campo.

Outro aspecto importante para a nossa agricultura é do balanço de pagamentos. Eu peguei um dado, só para ilustrar. No ano de 2008, o superávit do agronegócio foi de 60 bilhões de dólares e o superávit da balança comercial global, foi 25 bilhões de dólares. Ou seja, se o resultado do agronegócio tivesse sido zero em relação àquilo que ele compra, o Brasil teria 35 bilhões de dólares de déficit. Portanto, a âncora verde da estabilização foi também a âncora para o setor externo. Boa parte das reservas que estão acumuladas aí vieram da agricultura, do agronegócio. Essa é outra coisa importante para entender como funciona, e também para a auto-estima do setor. Uma auto-estima de saber o papel que (o setor) está tendo.

Outro aspecto que é impressionante é o da produtividade, que tem crescido muito. No começo dos (anos 19)90, o Brasil devia produzir uns 50 milhões, mais ou menos, de toneladas. Quando (o ex-presidente) Fernando Henrique (Cardoso) terminou o primeiro mandato, já estava em 100 milhões de toneladas. Hoje, deve estar próximo de 140 milhões de toneladas. A área agrícola cultivada não aumentou quase três vezes, nem dava tempo. Foi aumento de produtividade, com coisas como máquinas que lançam sementes diretamente, economizando a terra. Enfim, métodos muito eficientes. Portanto, a agricultura tem tido um desempenho fantástico no Brasil.

Eu queria lembrar também de coisas relevantes que foram feitas no passado, e eu estava presente no Governo na época em que foram feitas. Primeiro, menor taxa de juros. Que, pela primeira, vez passou-se a ter, não só nos bancos, para renegociação de dívidas com o Governo, que deve ter pegado 800, 900 mil agricultores, como também se passou a trabalhar com taxas de juros mais fixas; não mais de olho na exploração monetária, como era antigamente, que era um inferno. É que depois as pessoas vão se acostumando e, inclusive, a origem se perde. Por outro lado, programas como o Moderfrota (Modernização da Frota de Máquinas e Equipamentos Agrícolas) que estão por trás também, ainda que não exclusivamente, do aumento de produtividade. Nós, aliás, em São Paulo completamos o Moderfrota.

Nós fizemos um programa organizado pelo (secretário) João Sampaio, de venda de tratores para produtores com renda de até R$ 400 mil por ano, com juro zero. Cinco anos de prazo, três de carência e dois anos para pagar com juro zero. E aí também vem a esperteza no bom sentido: como é o Governo que banca – nós subsidiamos – as compras são negociadas e a gente consegue até 20% de desconto do preço. Quer dizer, às vezes o agricultor paga mais barato, sem dúvida, e com carência de três anos, portanto… mas isso na esteira do Moderfrota, que foi uma coisa muito importante no nosso país que foi criado ainda nos anos 90, como também o chamado Pronaf (Programa de Agricultura Familiar), de que hoje se faz tanta propaganda e isso dá idéia de que foi criada há dois, três anos, mas não foi. Foi criado também nos anos 90, com base nos recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) que devo dizer, modestamente, foi de minha autoria quando eu era parlamentar: a criação do FAT e do esquema do seguro-desemprego.

Mas, bem… a respeito da agricultura, eu queria ainda falar algumas coisas que tem a ver muito com a ação das próprias cooperativas dentro do setor, e que também pega alguns mitos que existem que atrapalham o desenvolvimento do setor agrário no Brasil. Uma delas é uma falsa dicotomia que se criou entre a agricultura familiar e a agricultura empresarial. Isso é falso, certo? O que a gente tem que trabalhar é para que toda a agricultura seja empresarial, inclusive a pequena e média agricultura. Nós não podemos permitir que, de repente, a agricultura familiar passe a ser equivalente a ineficiente e a outra (empresarial) passe a ser um vilão, como se fosse um insulto. Pelo contrário, o que nós queremos é que todo mundo se modernize porque isso significa maior produtividade para a economia. Maior produtividade é menor preço, é segurar o preço. Essa é a maneira. A gente fala “produtividade”. É importante porque implica duas coisas: menor preço para o consumidor e da mesma maneira para o produtor, que é o uma divisão, porque a produtividade em geral se repassa dessa maneira.

Então, essa é uma dicotomia, no mínimo, no nosso País, e nós temos que eliminar… Eu me lembro, na época do Ministério da Saúde, modéstia à parte, eliminei uma dicotomia que também se estabelecia no setor. E hoje está todo mundo de acordo, inclusive os sindicatos petistas, que na época criavam problema. É a questão do que é público e do que é privado. Nós passamos a tratar Santas Casas que, em São Paulo e em alguns Estados têm uma tradição muito importante, porque prestam serviços de alta qualidade, como (se fosse um bem) público. Tinha gente que achava que não se podia colocar recursos do Governo para hospital que era do SUS, só que com a administração filantrópica. Nós eliminamos essa diferença, e hoje isso é amplamente aceito. Quero dizer que, no caso de São Paulo, na rede estadual, nós temos 25 hospitais dos setenta e tantos que o Estado tem, administrados por entidades filantrópicas não-governamentais e com uma eficiência muito maior em termos de custos e em termos de número de pessoas atendidas.

Bom, mas voltando… na verdade, temos de diluir, não aceitar este tipo de dicotomia. Aliás, o cooperativismo é um instrumento importante nessa direção de facilitar que se torne empresarial o pequeno e o médio proprietários. Quer dizer, cooperativismo e atuação empresarial estão de mãos dadas, porque cooperativismo é uma forma avançada de gestão empresarial. É importante compreender isso.

Um segundo aspecto importante no caso da agricultura, e mexe aqui com este Estado e com todo o Centro-Oeste, região Norte, também com São Paulo, é a sustentabilidade ambiental. Olha, se tem uma causa que vem para ficar no Brasil é a questão ambiental. Isto pegou. Não há dúvida nenhuma de que pegou. Tem ainda muito a percorrer, mas que pegou, pegou. Portanto, esse é um tema que nós temos de tratar com muito amadurecimento, sem sustos, pensando no interesse público, protegendo aquilo que foi mantido. Porque muitas vezes se faz em uma legislação generosa, mas inviável, que acaba fortalecendo a transgressão, a criação de situações de fato e tudo o mais. Essa questão ambiental é básica, e nós particularmente temos desenvolvido posições a esse respeito em São Paulo, que é um Estado desmatado em grande medida, mas que, por isso mesmo, aquilo que se faz acaba valendo muito mais.

Nós fizemos, por exemplo, em relação à cana-de-açúcar, um protocolo com os produtores que está levando à eliminação das queimadas. Em São Paulo, quando tomei posse fiquei abismado: 10% do território paulista estava sujeito a queimadas; 2,5 milhões de hectares. O Estado inteiro tem 25 milhões de hectares, não apenas para agricultura, para tudo. Nós fizemos um protocolo, em vez de fazer uma lei, porque tem lei até, mas a idéia da lei é obrigar. Fizemos uma coisa voluntária – o Governo naturalmente tem instrumentos para induzir o pessoal a aceitar – que já permitiu economizar o equivalente a dois e meio milhões de toneladas de gás carbônico. Isso está caminhando e, em 2014, em São Paulo não vai mais haver queimadas praticamente, porque a cana tem um ciclo de sete anos e nós respeitamos esse ciclo.

Ou seja, tem muita questão aí para avançar. Estimulamos quem já tem uma máquina pronta, por exemplo. Outro dia até fui convidado para a apresentação de uma máquina, uma colheitadeira que pode trabalhar em terra inclinada porque o grande problema na agricultura da cana é a inclinação da terra. Tem um ângulo a partir do qual – doze graus – as colheitadeiras tradicionais não trabalham. E agora nós desenvolvemos uma (máquina) que pode trabalhar. Traz problemas de mão de obra, mais de realocação porque os próprios produtores e o governo estamos fazendo cursos para o pessoal poder se reciclar para outro tipo de atividade dentro do campo, dentro do setor rural paulista e de todo o nosso interior.

Um terceiro aspecto é a necessidade do zoneamento agrícola. O que existe no Brasil é ainda muito genérico, muito diluído. No caso do Estado de São Paulo, nós fizemos um zoneamento mais rigoroso. Por exemplo, em relação à cana: nós não temos interesse mais na expansão territorial, mas no aumento da produtividade que, aliás vem sempre acontecendo. É onde nós investimos mais. Até o IPT, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, que é o primeiro do Brasil e pertence ao Governo de São Paulo, teve um papel muito importante e está voltado para isso. A FAPESP, que é uma Fundação de Amparo à Pesquisa, e os produtores, nós estamos voltados a quê? Ao aumento da produtividade da cana, não é? Este é o caminho agora, e a idéia é que a expansão territorial se estenda pelos Estados vizinhos, como é o caso do Mato Grosso do Sul, como é o caso de Minas (Gerais), como é o caso de Goiás, enfim que têm mais terras disponíveis para isso. Nosso zoneamento tem essa política em vista. Não é hostil para o setor, pelo contrário, o que nós queremos é uma coisa ordenada e bem feita. O Brasil precisa de um zoneamento com mais pé no chão, e que realmente dê um norte para o desenvolvimento da agricultura. Ainda tem muita terra para aproveitar no nosso País e muita produtividade também para crescer.

Outro aspecto, correlacionado, é o da pesquisa em desenvolvimento, uma ação onde o Brasil tem uma vantagem relativa com relação ao resto do mundo. Nós podemos ser vanguarda nisso, sem dúvida nenhuma. O primeiro instituto de pesquisas foi criado por Dom Pedro II, que é uma boa figura histórica, mas que eu não admiro como homem de desenvolvimento. O Brasil ficou parado no século XIX. Mas Dom Pedro, no final do seu mandato, criou um instituto em Campinas, que é o IAC (Instituto Agronômico de Campinas), que o (secretário estadual de Meio Ambiente) Xico Graziano, que vocês conhecem de nome, me disse um dia (talvez exagerando) que dois terços das variedades agrícolas do Brasil passaram pelo IAC. Só nos anos (19)70 é que o Governo Federal criou a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que é uma boa empresa. O fato é que com a Embrapa, com o IAC, com o que se faz nos Estados, nós temos um potencial imenso que não está sendo devidamente escorado – seja naquilo que já se fez, seja naquilo que poderá até fazer no nosso País.

Outro tópico, um quinto ponto, eu estou vendo escrito aqui “ponto sobre a questão do agronegócio”. É a dos assentamentos. Nós devemos ter hoje, eu não tenho certeza do número, perto de um milhão de assentados. Qual é o problema número 1 desses assentamentos? É a produtividade, que é baixa. Qual deve ser o foco de uma política governamental? É a elevação dessa produtividade, porque custa muito. As desapropriações, na Constituinte, foram permitidas com títulos da renda agrária que foram criados. Isso custa dinheiro, isso aumenta o déficit governamental, sai caro para a Fazenda. Passou até a ser um bom negócio, para muitos, serem desapropriados. E com a terra entregue, nós estamos redistribuindo renda via redistribuição de riqueza.

Agora, o importante é que gere renda, esse tem que ser o foco fundamental. Eu me lembro, não sei a quantas anda hoje, de uma certa Fazenda Itamaraty, que era do Olacyr de Moraes, não é? Era uma fazenda modelo e hoje não é mais, com o assentamento. É uma coisa que se perdeu. Eu não estou falando contra os assentados, eu estou a favor dos assentados. O que é estar a favor dos assentados? É que eles tenham renda, produtividade, produzam mais, ganhem mais dinheiro e o País ganhe mais.

Outra questão que sempre aparece, vai e volta, é a do seguro rural. A agricultura tem duas peculiaridades. Primeiro, é um setor competitivo. É diferente da indústria. Faltou açúcar, caiu a produção de cana na Índia, o preço do açúcar sobe. Mas o dia que a Índia voltar, o preço do açúcar vai cair. É um setor competitivo. Depende muito da oferta e da demanda, é diferente da indústria, tem outras curvas. Isso a gente aprende em economia, ou ensina em economia, é elementar. Agricultura é competitiva e indústria não é competitiva para efeito dos grandes preços. É um setor que precisa muito de seguro, e ainda tem o outro lado, que é o problema climático, que vai existir para o resto da vida da humanidade. Não tem um esquema de seguro adequado no Brasil, nós estamos ainda no início do início dessa matéria. Inclusive (não temos) fundo garantidor de empréstimo e tudo o mais. Só isso já seria tema para uma palestra.

Mas eu acho que é hora de, efetivamente, ter (no País) um sólido esquema de seguro rural. Isto é chave, uma questão crucial do funcionamento do setor, e toda a sociedade sairia ganhando, porque isso evitaria muita dor de cabeça. Como também a questão do financiamento rural. E aqui entra o papel do crédito cooperativo, que eu acho que merece muita força e disso vocês entendem melhor do que eu. Sabem o que é preciso para poder se expandir mais. Convém estimular, ter um único banco, ou não? Que medidas nós podemos adotar para que esse crédito se torne mais dinâmico? Isso em um País que está estrangulado pela taxa de juros…

Olha, eu não vim aqui falar de economia, mas de agricultura, mas só quero dizer uma coisa a vocês. Taxa de juros, ao contrário do que ficam dizendo, não se pode fixar no mercado por oferta e demanda. Taxa de juros quem fixa é o Governo, e nós temos a maior taxa de juros do mundo, antes da crise e depois da crise. Fomos o único País do mundo, entre as economias mais importantes, que menos mexeu em matéria de crédito depois da crise caracterizada pela queda do (banco de investimentos) Lehman Brothers. Nós passamos quase dois meses para mexer na taxa de juros, e mexemos tão lentamente que ela continua sendo a maior do mundo, o que quer dizer muito. Por exemplo, no Chile, que é um país que tem uma política econômica exemplar, a taxa de juros hoje é 0,75% por ano. Nós continuamos recordistas, e isso contamina tudo. Inclusive um fator que é crucial, que é a taxa câmbio. Para a nossa agricultura, é essencial… Porque ela dá quanto o agricultor recebe por cada coisa que produz. Antes da crise, houve uma compensação porque os preços internacionais estavam explodindo e isso mascarou o problema do câmbio. Mas agora não. Agora não tem explosão de preço, exceto em um ou outro caso por fatores climáticos, e o setor se descapitaliza com esse fenômeno que, por sua vez, prejudica o Brasil.

Um outro aspecto que eu queria tocar aqui é o da infraestrutura, que tem a ver inclusive com este Estado, tem a ver com o Mato Grosso, mais lá em cima, tem a ver com toda a fronteira agrícola no Brasil. A gente estima que os custos do produto, quando chega para ser vendido, são 20, 25, 30% mais altos por falta de infraestrutura. Isso implica planejamento, isso implica visão de médio e longo prazo, não é? Isso implica ter recursos, e recursos a gente consegue quando tem um plano e quando tem um esquema correto de investimentos que vão render e vão tirar, por sua vez, mais produção e mais impostos. Nós, infelizmente, na área da infraestrutura estamos com problema atrás de problema… E toda esta região é testemunha disso – eu me refiro a toda a região Centro-Oeste, Norte, isso vai até o Piauí, onde também tem fronteira agrícola ainda inexplorada. Nós não estamos aproveitando (isso) e é o tipo de investimento, como dizem os economistas, de altíssima valorização produto-capital, ou seja, pelo capital que se investe – capital básico, público, que pode ser também privado, mas com parcerias – tem um rendimento, em termos de produção, extremamente elevado.

Eu não vou, aqui, entrar nos assuntos específicos de Mato Grosso do Sul em relação à agricultura, mas quero reforçar um aspecto de que falei no início, falei no meio e quero levar agora à conclusão. É a importância do crédito. Foi o que eu disse a respeito do papel da taxa de juros, do papel da falta de oferta de crédito no Brasil. Eu acho que o cooperativismo é uma das saídas mais importantes a esse respeito. Uma outra questão é a Lei Geral do Cooperativismo, que não chegou a ser votada no Congresso Nacional ainda. E essa é uma batalha que, a meu ver, deve ser dada e que não pode dispensar o papel do Governo. Vamos deixar claro: Lei Geral só se vota quando o Governo quer. Isso vale para Estados também. Grandes leis, o Governo precisa entrar. Não é entrar coibindo a liberdade, isso e aquilo. Precisa ter o apoio político e precisa trabalhar, porque o Governo tem recursos de informação, de influência política, no caso, que são basicamente decisivos. Nós votamos em São Paulo a Lei da Billings, que é uma represa muito importante na Grande São Paulo. Para vocês terem uma idéia, vai ser necessário investir 600, 700 milhões ali em questões de poluição, moradia, e isso está fazendo o Estado, (o assunto) só voltou (à pauta) porque nós entramos com todo o peso, como na Lei da Guarapiranga, que é outra represa. Enfim as grandes leis sempre exigem uma mobilização geral e eu acho que isso é que está faltando… inclusive ter mais consciência na sociedade a esse respeito, não é? Eu raramente vejo, se é que eu vi alguma vez, um editoral de jornal falando disso. (Não vi) matérias nos jornais gerais, nos setoriais e corporativos falando disso, e tem que se enfrentar obstáculos como esse da unicidade versus a pluralidade, digamos, na organização das cooperativas. Hoje, a tendência é a unicidade, que é o que eu pessoalmente favoreço, mas tem condições diferentes. Inclusive com relação ao PT, MST etc., mas eu acho que a gente tem que procurar uma saída, negociar, que permita com que esse processo avance.

E tem também uma questão polêmica, porque envolve a Receita Federal sempre que o setor de cooperativas quer ter a definição do ato cooperativo. Eu acho que a gente tem que procurar um caminho de negociação. Claro, que dê segurança para um lado e dê agilidade para o outro, em uma definição jurídica mais clara. Eu acho que essas são as questões fundamentais.

Bem, eram esses os pontos que aproveitei, vindo aqui, para expor a todos os presentes, reafirmando a nossa sintonia. Poderia falar aqui mais das coisas que temos feito no caso do Estado de São Paulo. Mas, na verdade, na área pública, na área governamental, a gente faz coisas novas e também copia dos outros. Toda boa experiência merece ser copiada e, no caso, ser aperfeiçoada. Com o Mato Grosso do Sul, nós inauguramos uma parceria que serviu como base para ampliarmos no Brasil inteiro. São Paulo é o Estado que tem o maior superávit comercial entre os Estados. No Brasil, é o que exporta mais e também o que compra mais dos outros Estados. E nós inauguramos aqui, com o (governador André) Puccinelli, um esquema de substituição tributária que a Fazenda pode confirmar, mas deu para o Mato Grosso do Sul uns 80 milhões de reais a mais por ano, num orçamento de 2 bilhões de reais, mais ou menos. Ou seja, são 4%, não é isso? A gente sabe o que valem 4% de receita especialmente quanto não tinha e se passa a ter.

O que é esse esquema da substituição tributária? Nas mercadorias que São Paulo vende para o Mato Grosso do Sul, o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) é rateado – uma parte fica no Estado de origem e uma parte, no de destino. Só que nós passamos a cobrar a totalidade do imposto: aquele que é do Mato Grosso do Sul, nós passamos a cobrar e entregar ao Mato Grosso do Sul. Com isso, se combate a sonegação e se faz uma economia de trabalho com máquina administrativa tremenda. São Paulo não ganha diretamente com isso, mas não perde e aumenta a cooperação e o entendimento. Isso é uma demonstração de ação irmã, fraternal, entre Estados. Aliás, com base em Mato Grosso do Sul, o que nós fizemos? Nós fizemos depois com Rio Grande do Sul, com Santa Catarina, com Paraná, com Minas Gerais, com Rio de Janeiro, com Pernambuco, com Alagoas, enfim, fizemos com muitos outros Estados, melhorando a receita sem aumentar a carga tributária… porque uma coisa odienta que existe no sistema tributário não é só o tamanho da carga, é a coexistência de quem paga e quem não paga pelo mesmo produto. Isso realmente é um problema sério.

Em São Paulo, começamos a fazer um esquema que é o da Nota Fiscal Paulista, em que devolvemos para os consumidores 30% do ICMS pago no varejo. O pessoal vai juntando as notas, se inscreve e recebe 30% de volta do valor adicionado do imposto adicionado do varejo, além de concorrer a prêmios mensais que são uma fortuna, e são distribuídos em dinheiro. Em compensação, informatizamos basicamente todo o setor do varejo, porque para ter a inscrição precisa ter a informatização. Com isso, combatemos a sonegação e, ao mesmo tempo, diminuímos a carga tributária individual, que é a questão essencial – a carga tributária do indivíduo. Porque quando outros sonegam, ele tem que ter o dobro, está certo? Se todo mundo pagar, todo mundo pode pagar menos. E eu acho que esse é um bom princípio, e a substituição tributária que nós começamos com o Mato Grosso do Sul é uma coisa que hoje pegou no Brasil. Portanto, eu venho aqui também com a satisfação da fraternidade. E agradeço essa receptividade.

Obrigado!