Regulamentação da Arbitragem pelo Estado de São Paulo

Decreto n° 64.356, de 31 de julho, orienta e traz segurança ao gestor público, sem engessar escolhas

Cristina M. Wagner Mastrobuono
Procuradora do Estado de São Paulo, LL.M pela Universidade de Chicago, FCIArb

sex, 09/08/2019 - 11h00 | Do Portal do Governo

O Estado de São Paulo utiliza cláusula de arbitragem em seus contratos de concessão e parcerias público-privadas desde 2006, a despeito da inexistência de regulamento disciplinando tal tema. No entanto, os Procuradores do Estado especialmente dedicados ao acompanhamento de processos arbitrais verificaram a necessidade de apresentar ao Governador uma minuta de ato normativo, elaborado a partir da experiência adquirida em seu cotidiano profissional. Tal proposta se transformou no decreto n° 64.356, publicado em 31 de julho de 2019 e teve por objetivo endereçar alguns dos desafios enfrentados pelos profissionais responsáveis pelas providências preparatórias ao início da arbitragem e na condução dos procedimentos, dentre as quais podem ser destacadas a identificação dos contratos em que se recomenda a cláusula compromissória e os critérios para selecionar a câmara arbitral responsável pela administração do conflito.

É digno de registro que o processo de elaboração da minuta foi objeto de consulta pública e contou com intensa participação da sociedade civil interessada, de modo que as sugestões foram analisadas e o resultado final atende a parte relevante das contribuições apresentadas. A disciplina trazida no decreto consolida as práticas recomendadas pela literatura especializada, sendo que diversos aspectos já foram positivados em instrumentos normativos editados por outros entes federativos (necessidade do uso português como idioma oficial da arbitragem, aplicação das leis da República Federativa do Brasil ao conflito como regra geral, definição da capital do Estado como sede da arbitragem, entre outros temas).

Em relação às novidades trazidas pelo decreto, vale destacar:

a) Instrumentos obrigacionais em que se recomenda o uso da arbitragem. A redação original da minuta de decreto afirmava que a arbitragem poderia ser utilizada em contratos de concessão e PPPs com valor superior a 100 milhões de reais e demais avenças celebradas pela Administração Pública, desde que justificada tal opção. As críticas apresentadas na consulta pública indicaram que esses parâmetros seriam muito restritivos. A indicação de uma preferência por tipo de contrato ou por um valor de alçada poderia dificultar o uso da arbitragem em outras avenças nas quais ela poderia ser recomendada em função de outros elementos, como a especificidade técnica da matéria. Assim, optou-se por uma redação mais abrangente, que autorize o uso da cláusula compromissória nos ajustes estatais em razão da complexidade da matéria ou do valor do contrato.

b) Utilização de arbitragem ad hoc. Foi apontada a necessidade de indicação da versão do regulamento da UNCITRAL nas arbitragens ad hoc, tendo em vista a possibilidade de sua atualização ao longo do tempo, de maneira que a minuta foi modificada para prever que será utilizado o regulamento vigente “no momento da apresentação do requerimento de arbitragem”. Cabe esclarecer que, embora a preferência seja pela arbitragem institucional, é necessário preservar a possibilidade de procedimento ad hoc, cujo uso é por vezes é obrigatório em razão de condicionantes contidas em diretrizes de organismos financiadores multilaterais.

c) Regime de honorários. A redação do artigo 10 da minuta colocada em consulta previa que os Procuradores do Estado que atuarem nos procedimentos arbitrais deveriam solicitar aos árbitros a fixação de regras equitativas ao ressarcimento de honorários advocatícios pela parte sucumbente na disputa, com expressa vedação de condenação ao ressarcimento de honorários exclusivamente contratuais. A preocupação do dispositivo supramencionado decorre da dificuldade das pessoas jurídicas de direito público comprovarem suas despesas com advogados para fins de ressarcimento, tendo em vista que os órgãos de advocacia pública não celebram contrato com a Administração Pública que os remunera e os vencimentos de seus integrantes são compostos parcialmente por sucumbência das ações judiciais. Contudo, após as contribuições recebidas, pareceu-nos que a melhor solução seria uma reformulação topográfica do texto, de modo a tornar cogente para as partes contratuais a impossibilidade ao ressarcimento de honorários advocatícios contratuais, aplicando-se o regime de sucumbência do Código de Processo Civil.

d) Escolha da câmara arbitral. O decreto prevê a formação, pela PGE, de um cadastro de instituições que podem ser indicadas para administrar as disputas. Trata-se de constituir uma lista de câmaras arbitrais que atendem condições mínimas para serem selecionadas para os litígios com a Administração Pública paulista. A formação de cadastro para tal circunstância ainda é algo pouco experimentado, de modo que houve um cuidado maior com sua regulamentação. A ideia é que haja um conjunto de organismos capazes e experientes na gestão de arbitragens, aptos a serem imediatamente selecionados no advento de um litígio, sem maiores formalidades burocráticas. Optou-se, assim, por adotar critérios que enfrentem requisitos objetivos para a Administração – apresentação de espaço físico para a realização das audiências, atendimento dos requisitos legais para recebimento de valores pela administração pública e constituição formal há pelo menos 5 (cinco) anos – combinado com um critério imbuído de maior subjetividade, que é a reconhecida idoneidade e competência. Por fim, a escolha da câmara, quando ainda não identificada no contrato, deverá ser feita pelo requerente da arbitragem no momento em que surgir a disputa.

Em suma, a publicação do decreto nº 64.356 orienta e traz segurança ao gestor público, no que diz respeito ao uso da arbitragem, em relação a temas cruciais dessa modalidade de procedimento, sem engessar as escolhas e permitindo adequações de acordo com a evolução de tal instituto. Confiamos que tal proposta contribuirá ao aperfeiçoamento dos contratos do Estado de São Paulo.

*colaborou André Rodrigues Junqueira, Procurador do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e Mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP)