Programa faz videoconferências para deficientes auditivos

Um sinal de áudio e vídeo será enviado pela internet para que os alunos assistam aula em tempo real

ter, 06/05/2008 - 20h54 | Do Portal do Governo

Na moderníssima sala de videoconferências da Faculdade de Educação, o engenheiro eletrônico Gilberto Oliani liga os equipamentos e, em três telas, mostra uma sala de aula em Londres, onde já era noite; movimenta um botão e a câmera de lá dá um zoom na lousa. É uma demonstração pequena do sistema. Durante os cursos de licenciatura e de bacharelado em Letra-Libras serão quinze pólos conectados, espalhados pelo Brasil.

“O pólo gerador de conteúdo dos cursos será a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que gerenciará as conexões dos equipamentos através da Internet. É possível a visualização das quinze salas simultaneamente, com vídeo e áudio, permitindo a interação em tempo real”, explica Oliani.

Durante as videoconferências, o videostreaming (sinal de áudio e vídeo) será enviado através da Internet para que os alunos credenciados ao curso, que estejam em casa ou em qualquer outro lugar, assistam a aula em tempo real pelo computador. “Os conteúdos, gravados e editados em vídeo, com o título de cada aula, ficarão disponibilizados num servidor para quem precisar de uma revisão posterior ou mesmo para download”.

Segundo o engenheiro, o curso ainda contará com o chamado Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) para que professores e alunos cadastrados depositem conteúdos – arquivos de diversos formatos, imagens – igualmente passíveis de download. “Se um grupo isolado marcar a hora, também podemos promover salas de bate-papo nesse ambiente”.

Gilberto Oliani, que especificou os equipamentos, acompanhou o processo de compra, instalação e configuração, hoje opera a sala de videoconferências da FE. Em quatro anos de experiência, com um total de 240 videoconferências, conhecendo salas de países como Portugal, Espanha, Estados Unidos, Canadá, França, assegura que esta fica acima da média em termos de qualidade e estrutura tecnológica. “Quem vem de fora, reconhece”.

O sistema custou cerca de R$ 500 mil, com o dólar a R$ 4 (hoje está a R$ 1,70). Mas o engenheiro assegura que, mesmo sendo adquirida num momento de dólar caro, a instalação já se pagou com sobras pelos benefícios em educação e pelos recursos que economizou em viagens de professores pelo país e para o exterior. “Vamos ampliá-la, com um equipamento que permite a conexão de até 30 salas, a ser instalado até o meio do ano”.

Mais do que operar o sistema, Oliani vem estudando, elaborando e aprimorando modelos de apresentações de conteúdos, bem como outros fatores que possam contribuir com a didática das aulas através do sistema de videoconferência. Ele prepara ainda sua pesquisa de mestrado pela FE, em que analisará o uso da tecnologia para alunos ouvintes, incluindo uma comparação em relação aos surdos. “Esta tecnologia não tem retorno, pois é a que mais simula a comunicação presencial, mostrando olhos e feições”.

Refinamento – O mestrando já operou o sistema em um evento anterior envolvendo pessoas surdas, com quatro salas conectadas, e sabe que os cursos de Letras-Libras vão requerer um grau de refinamento para gravação das aulas, em relação a videoconferências convencionais. “Já sabemos, por exemplo, que teremos de focar professor e intérprete, com atenção especial no enquadramento para que as outras salas consigam enxergar os sinais manuais. O enquadramento deve ser da cintura até o topo da cabeça”.

A definição de padrões como este, que garantam a qualidade na transmissão e gravação do vídeo a ser editado para os cursos de Letras-Libras, será um dos objetivos de Gilberto Oliani. “Em videoconferências para ouvintes, já adotamos um modelo de apresentação de conteúdos que asseguram a qualidade das imagens gravadas e do videostreaming na Internet. Isto faz com que os vídeos sejam muito requisitados pelos professores, inclusive para complementar as aulas presenciais”.

A adoção da língua de sinais não é consensual

A professora Regina de Souza informa que a população de surdos no Brasil é estimada em 5 milhões de pessoas. Uma parte delas opta por se inscrever no discurso clínico sobre a importância da oralização, da fonoaudiologia e também do implante para aprender a ouvir e falar como um ouvinte; e outra parte busca romper com a lógica médica, narrando-se como sujeitos que, por meio da libras, constituem-se como grupo de cidadãos brasileiros. “O decreto 5.626 reconhece e legitima a militância das comunidades surdas que recusam a classificação como deficientes”

Regina de Souza recorda que no ano seguinte à publicação da lei 10.436, de 2002, a Congregação da Faculdade de Educação redigiu uma moção ao Conselho Federal de Medicina endossando a importância da lei e contra as teses defendidas em um artigo, assinado por Ítalo Carvalho, à Sociedade Brasileira de Medicina. Segundo ele: “[O surdo] Desconfiado e sensível, é este o personagem com o qual o médico se defronta tentando restituir-lhe o que a natureza retirou – o sentido da audição, sem o qual é impossível qualquer contato verdadeiramente humano”.

Mesmo na Unicamp, segundo a professora, boa parte dos docentes ainda entende os surdos como sendo iguais entre si: como se todos se narrassem – e fossem – deficientes auditivos, por conta da forte afetação dos discursos clínicos. Dessa forma, ainda manifestam estranheza e dúvidas se os surdos não deveriam todos ser considerados deficientes, já que não possuem um dos sentidos em relação aos “normais”.

Regina Maria de Souza recorre a dados de pesquisa feita na Universidade de Brasília (UnB) para demonstrar que um posicionamento centrado na oralização e inclusão nas escolas em português não contribui para melhorar a realidade. “Cerca de 80% das crianças surdas abandonam o ensino fundamental e apenas 3% dos adolescentes concluem o ensino médio. Eu, pessoalmente, calculo que menos de 1% dos surdos cheguem ao ensino superior. E falamos de uma população nada pequena, que é superior à de países como o Uruguai”.

SERVIÇO

Entenda como funciona o sistema no vídeo “Decreto 5.626 e formação de professores: política lingüística, inclusão e educação de surdos” no endereço da camera web.