Unicamp: Hemocentro investiga distúrbios sangüíneos

Linha de pesquisa estuda defeitos genéticos associados às síndromes mielodisplásicas

seg, 22/08/2005 - 12h36 | Do Portal do Governo

Estudos desenvolvidos pelas pesquisadoras Irene Lorand-Metze e Sara Teresinha Olalla Saad, em pacientes atendidos pelo Hemocentro da Unicamp, estão ajudando a conhecer melhor o surgimento e a evolução de um grupo de doenças da medula óssea chamadas mielodisplasias. Com sintomas iniciais geralmente de anemia, as síndromes mielodisplásicas originam-se de um defeito na medula óssea e podem evoluir para uma leucemia mielóide aguda, de difícil tratamento. A incidência da doença em indivíduos acima de 60 anos, segundo a literatura médica, é de um caso para cada 5.000 habitantes, e se manifesta em pessoas na faixa etária de 70 anos, na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, contudo, surgem mais cedo, por volta dos 55 anos. A precocidade pode estar associada, entre outros fatores, à maior exposição a agentes tóxicos, já que a legislação de controle ambiental no País é frágil em comparação aos países europeus e aos EUA, e nem sempre os usuários têm conscientização dos riscos e da importância da prevenção.

Células mudam de tamanho e forma

As mielodisplasias constituem um grupo de distúrbios sangüíneos causados pelo funcionamento inadequado das células-tronco da medula óssea, responsáveis pela formação dos glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas do sangue. As células apresentam anormalidades morfológicas, com alterações de tamanho, na forma e na organização. Pode haver ainda um acúmulo de células da medula muito imaturas, chamadas blastos, incapazes de oxigenar os tecidos, combater microorganismos ou conter hemorragias.

Os defeitos são heterogêneos, ou seja, não são iguais para todo mundo, e a intensidade das alterações nas células sanguíneas é variável, explica Sara. A doença pode se manifestar como uma anemia leve, ou pode acarretar grande diminuição de hemácias, leucócitos e plaquetas e progredir até se transformar em leucemia mielóide aguda. Nesse estágio, é difícil para os pacientes prevenirem ou combaterem infecções. Também ficam cansados com freqüência e mais predispostos a sangramentos.

Diagnóstico – Como a manifestação clínica mais comum é a anemia, as mielodisplasias são de difícil diagnóstico. Por isso, os médicos adotam um protocolo para inicialmente investigar a ocorrência de doenças com sintomas semelhantes, como a hiperfunção da tireóide, a cirrose hepática ou mesmo a carência de nutrientes essenciais à produção de células vermelhas ou hemácias como o ferro e as vitaminas do complexo B, esclarece Irene.

“O diagnóstico para mielodisplasias só é fechado após seis meses de acompanhamento e com a constatação de que o estado anêmico do paciente não se alterou com os tratamentos tradicionais”, afirma Sara.

As manifestações das síndromes mielodisplásicas já eram identificadas no início do século 20, embora a Medicina não tivesse ainda dado a devida importância clínica ao fenômeno. Idosos apresentavam um quadro de redução de glóbulos vermelhos do sangue, resistente aos tratamentos convencionais com suplementos vitamínicos e outros medicamentos, e o problema era conhecido como anemia refratária.

Os hematologistas começaram a olhar com maior atenção para o fato a partir da década de 1980, e passaram a perceber que, embora mais prevalentes em idosos, os distúrbios podiam ocorrer em todas as faixas etárias. A manifestação cresce com a idade. Embora a doença possa surgir em crianças e ser associada a anormalidades cromossômicas, é mais freqüente a partir dos 50 anos de idade. A doença afeta ambos os sexos, mas, como outras leucemias, é mais comum em homens que mulheres.

Pioneirismo – A Unicamp participou das pesquisas pioneiras que possibilitaram o reconhecimento das mielodisplasias como um grupo de doenças, e não apenas uma anemia crônica. De acordo com Sara, a instituição tem atuado em uma linha de pesquisa pouco explorada por outros grupos, que é o da investigação de defeitos genéticos associados à doença, o que tem permitido avançar no conhecimento dos mecanismos que ocorrem na medula óssea e deflagram alterações na composição sanguínea. Exemplo dos achados é a descoberta de alterações genéticas em células do sangue que apresentam um comportamento ainda não esclarecido pelas pesquisadoras: morrem em grande número no início da doença e, nos estágios mais avançados, embora defeituosas, proliferam-se de maneira descontrolada, ou seja, cancerosa, causando a leucemia mielóide aguda.

Nos casos mais graves, a doença pode exigir tratamento com drogas quimioterápicas. Porém o único recurso capaz de curar a mielodisplasia é o transplante de medula óssea, mas ainda assim é alta a chance de o paciente voltar a apresentar os sintomas.

Paulo César Nascimento – Unicamp