USP: Pesquisa do IEB organiza e possibilita a publicação dos ‘Fundos Villa-Lobos’

Material é um registro da cultura popular brasileira, com ênfase na Região Nordeste

qua, 11/06/2003 - 21h37 | Do Portal do Governo

A outra face dos fundos Villa-Lobos, pesquisa de pós-doutoramento realizada no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP levou à organização de um arquivo de 633 textos, originalmente montado sob a coordenação do maestro Villa-Lobos, depois repassado a Mário de Andrade. O material é um registro da cultura popular brasileira, com ênfase na Região Nordeste. O acervo conta com folhetos da literatura de cordel, poemas, músicas, repentes, partituras e peças de teatro de variedades.

Com o apoio da Fapesp, Edilene Matos classificou e analisou cada um dos textos, organizando-os por ciclos temáticos e contribuindo com novas informações sobre sua origem e autoria. Escreveu também um ensaio sobre a literatura e a cultura popular, desde a Grécia Antiga até o Brasil de Mário de Andrade. Todo o material deve ser lançado em um livro, acompanhado de CD-Rom, que terá imagens e gravações de cantadores em atividade, manuscritos e datiloscritos originais digitalizados.

‘Os ‘Fundos Villa-Lobos’ têm um riquíssimo conjunto de músicas, como o que se chama de tango carioca, sambas, pelejas, trovas, desafios’, comenta a pesquisadora. Toda a poesia foi classificada entre composta ou feita de improviso, caso dos repentes. ‘Procuramos também detectar autorias e encontrar as obras popularizadas, ou seja, poesias eruditas apropriadas pelo povo. Alguns poetas eram muito parodiados, como Catulo da Paixão Cearense, Casimiro de Abreu e Castro Alves’.

Grande parte do material é de folhetos de cordel, divididos por ciclos como de religiosidade, ciclo histórico, de amor e valentia. ‘Há textos escritos em qualquer tipo de papel, de pensão, de venda, de caderno e de pão, que é chamado papel manilha, muito apropriado para a capa dos folhetos’. O acervo, antigo e de material perecível, está todo digitalizado e disponível para consulta no IEB, assim como o ensaio e o CD produzidos pela pesquisadora. A publicação ainda não tem editora definida nem data prevista.

Mário de Andrade
Os ‘Fundos Villa-Lobos’ surgiram de uma encomenda feita ao maestro pelos industriais e mecenas Arnaldo e Carlos Guinle, do Rio de Janeiro. Nas primeiras décadas do século XX, músicos populares como Pixinguinha, Donga, João Pernambuco e Ernesto Nazareth percorreram o País, sob a coordenação de Villa-Lobos, para registrar manifestações da cultura popular brasileira. Recolhido o material, o maestro não pôde organizá-lo e publicá-lo, como pretendia. O resultado da pesquisa não retornou aos irmãos Guinle.

Em 1929, o acervo foi repassado a Mário de Andrade. ‘Tendo outros projetos e sendo um amigo e admirador pessoal de Mário, Villa-Lobos viu nele alguém que poderia continuar o trabalho, sobretudo no tocante aos textos’, conta Edilene. ‘Minha própria pesquisa analisa os ‘Fundos’ sobretudo com atenção às anotações marginais de Mário. É impressionante como ele escrevia, grifava, com vários traços, caneta, lápis, exclamações, correções, fazia referências a outros autores e todo tipo de relações’.

Segundo a pesquisadora, os ‘Fundos Villa-Lobos’ deram uma grande contribuição aos estudos de Mário de Andrade. ‘Quando recebeu o acervo, Mário tinha terminado suas viagens etnográficas, e aquele material foi somado à sua própria experiência’, explica. ‘As viagens redundaram em seu livro ‘O Turista Aprendiz’, em que, entre muitas outras coisas, se referia a um cantador chamado Chico Antônio. Em cartas a Manoel Bandeira, denominava ‘Na pancada do ganzá’ um livro que seria uma síntese da cultura brasileira, que não chegou a ser feito. Encontramos este poema nos ‘Fundos’, provavelmente da lavra de Chico Antônio’.

Há indícios de que Mário de Andrade também pretendia organizar e publicar os ‘Fundos Villa-Lobos’, mas não concluiu o projeto. Depois de sua morte, em 1945, o arquivo pessoal do escritor, pesquisador e crítico foi preservado por sua família e comprado pela USP, em 1967. Conta com mais de 30.000 documentos, entre manuscritos, fotografias, discos, recortes e programas de atividades culturais, 17.624 volumes, com livros, revistas e partituras e 1.200 obras de arte. Todo o arquivo está disponível ao público no IEB.

Lucas Oliveira Telles
-C.M.-