USP: Relações com a mídia auxiliaram na construção do herói Ayrton Senna

No final dos anos 80, numa época de derrotas, Senna personificou o Brasil que vencia

ter, 20/06/2006 - 20h05 | Do Portal do Governo

A construção do ídolo Ayrton Senna na sociedade brasileira, embora pouco estudada, é um fenômeno singular e complexo. Isso se deve, em parte, por sua relação íntima, e por vezes conflituosa, com a mídia. Na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, essa relação é o objeto de estudo da dissertação de mestrado do jornalista Rodrigo França.

“É impossível qualquer rede de televisão produzir, sozinha, algo como o Ayrton. A Rede Globo até poderia colocar um piloto na Fórmula 1, mas nunca fazê-lo vencer ou apresentar desempenhos geniais”, afirma o pesquisador. “Nem sempre, porém, um grande piloto chega a ser um mito. O Nelson Piquet, por exemplo, também é tricampeão como o Senna, mas sua legião de fãs é bem menor”, completa.

De acordo com França, no caso de Senna, ele e a imprensa esportiva desenvolveram uma relação de interdependência. Em meio à crise de competitividade do futebol brasileiro no final dos anos 80, a mídia procurava algo capaz de encarnar o nacionalismo dentro do esporte. Um personagem do qual o Brasil prescindia justamente durante o processo de redemocratização política. Vale lembrar que Senna venceu sua primeira corrida na Fórmula 1 no dia em que foi anunciada a morte de Tancredo Neves. “Além disso”, diz o jornalista, “a primeira vez que o Ayrton levantou a bandeira nacional depois de uma vitória foi logo após a eliminação da seleção na Copa do Mundo de 1986. Em uma época de derrotas, Senna personificou o Brasil que vencia.”

Rodrigo França fez um levantamento histórico, desde os primórdios dos esportes e da imprensa, até o nascimento da imprensa esportiva e de sua chegada ao Brasil. Segundo ele, a mídia articula-se de tal modo com a categoria que surge a necessidade da construção de heróis. Isso se deve tanto a questões comerciais e publicitárias quanto ao sentido que a competição adquire na sociedade. “A espanhola Telefónica só começou a investir pesado na Fórmula 1 quando um piloto espanhol começou a vencer”, exemplifica. Segundo o jornalista, Senna sabia que o apoio da mídia seria benéfico para sua carreira, e tratou de cultivar essa relação, “algo que é perfeitamente lícito”.

Morte ao vivo

No entanto, a dimensão dada à sua morte, pela sociedade e pela imprensa, encontra poucos paralelos na história, principalmente na do esporte. “Um jornal (O Estado de S. Paulo), após sua morte, publicou seis manchetes principais seguidas sobre o Senna. Era como se um presidente tivesse morrido, não um esportista”, diz o pesquisador. O fato de a tragédia ter sido transmitida ao vivo, e em cadeia global, certamente foi relevante para a comoção causada.

Além do trauma coletivo, existem outros mecanismos que mantém sua imagem sempre em pauta na mídia. O maior deles é o Instituto Ayrton Senna, coordenado pela irmã do piloto, Viviane Senna, que desenvolve projetos sociais e os vincula ao nome do esportista. Outros fatores, porém, como a ampla documentação de sua carreira e o talento de Senna como piloto, colaboram para o seu legado. “O número de estudos acadêmicos sobre Ayrton Senna é muito pequeno, se comparado à quantidade de material jornalístico produzido, ou à sua dimensão como herói”, afirma França.

Daniel Médici

Da Agência USP