USP realiza evento para debater 130 anos de abolição da escravidão

Seminário organizado pelo Instituto de Estudos Avançados teve participação de diversos especialistas e interessados no tema

qua, 19/09/2018 - 18h34 | Do Portal do Governo

O Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP) promoveu, em 31 de agosto, o seminário “130 Anos da Abolição da Escravidão: Emancipação, Inclusão, Exclusão”. O evento também foi organizado por Maria Helena Machado e Lilia Schwarcz, professoras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Vale destacar que a escravidão deixou de ser legal no Brasil em 1888, porém, segundo especialistas, o processo de abolição e a emancipação da população negra escravizada durante mais de três séculos não se resumem à sanção da Lei Áurea. O livramento completo é, para muitos estudiosos, uma marcha em curso.

Assim, o evento teve o objetivo de lembrar criticamente o processo brasileiro de emancipação e repercutir os estudos de pesquisadores que se debruçam sobre os regimes escravistas americanos. Em 2013, as docentes da FFLCH coordenaram a última edição da “Conferência Humanidades USP”, que comemorou os 125 da abolição.

Simultaneamente, elas organizaram uma exposição fotográfica com a colaboração do Instituto Moreira Salles. “Emancipação, Inclusão, Exclusão” continha fotos de fazendas cafeeiras do Vale do Paraíba e mostrava a rotina dos escravizados. As discussões da conferência e as principais fotografias da mostra foram registrados por elas no livro “Emancipação, Inclusão e Exclusão: Desafios do Passado e do Presente”, lançado neste ano pela Editora da USP (Edusp).

Fotografia

Durante a abertura do evento no IEA, Lilia Schwarcz revelou que, na mostra fotográfica, as imagens originais do século XIX foram ampliadas para mostrar os detalhes velados, como expressões contrariadas, roupas em mau estado e olhares encabulados dos negros escravizados. “A intenção da exposição era mostrar de que maneira é possível explorar a fotografia de uma nova forma, sobretudo capturando reações, resistências e ações que os fotógrafos não podiam esconder”, salienta.

Além das organizadoras, participaram do seminário os pesquisadores Flávio dos Santos Gomes, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luciana Brito, professora da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), Marília Ariza, doutora pela FFLCH, Luiz Felipe de Alencastro, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Maria Clara Carneiro Sampaio, professora da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e Matheus Gato de Jesus, também doutor pela FFLCH.

Observações

O professor Flávio dos Santos Gomes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisa sobre temas que orbitam a escravidão e a abolição há mais de 30 anos. O docente iniciou as observações pelos quilombos do município de Campos dos Goytacazes, onde parte de seus ancestrais foi escravizada. Na visão do pesquisador, as discussões sobre comunidades remanescentes de quilombos são muito recentes. “A ‘coisa’ pegou fogo mesmo a partir de 1995, no tricentenário da morte de Zumbi”, avalia.

“Em um primeiro momento, houve um silêncio muito grande por parte da historiografia brasileira sobre a resistência e os protestos da população escravizada”, acrescenta o professor. Apenas duas rebeliões de escravos constavam na história mais amplamente divulgada: o Quilombo dos Palmares e Revolta do Malês, em Salvador. Apesar disso, Flávio dos Santos Gomes lembra que nenhum dos dois teve relação direta com a abolição.

Durante a apresentação, a professora Luciana Brito, da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), esclareceu como alguns setores da sociedade norte-americana reagiram à mistura racial brasileira. De acordo com a docente, a partir de 2010, época na qual o Brasil passou a ter mais de metade da população negra ou parda, jornais estadunidenses começaram a noticiar a possibilidade de os Estados Unidos sofrerem um processo de miscigenação parecido.

É importante frisar que, segundo a docente, no território norte-americano, ativistas abolicionistas negros também circulavam em jornais exemplos da miscigenação no Brasil. De acordo com ela, as afirmações de uma suposta igualdade racial que eram apresentadas serviam para criticar as regras de segregação racial aplicadas nos estados do Norte. “Eles viam no Brasil um país atrasado politicamente, por ser monárquico, mas avançado socialmente por ter regras menos duras de convivência entre brancos e negros”, ressalta.

Crianças

Antes de apresentar as conclusões de suas pesquisas, Marília Ariza, doutora pela FFLCH, disse que, para falar sobre trabalho infantil no século XIX, é necessário se livrar das concepções modernas de trabalho escravo, trabalho livre e infância. Isso porque, de acordo com ela, o período foi o das abolições, mas também o das negociações sobre um novo modelo de trabalho, com características de compulsoriedade que fogem largamente da concepção atual de trabalho livre.

Na avaliação da pesquisadora, a pobreza extrema da população imperial foi a principal determinante para a exploração da força de trabalho de crianças negras e brancas, que garantiam com seu labor a subsistência da família. “A realidade da infância no Império era, sobretudo, uma realidade de trabalho, que abrangia crianças escravas, libertas e empobrecidas das mais diferentes origens sociais”, enfatiza.

Segundo Marília Ariza, as mulheres sós, solteiras, viúvas ou descasadas, eram consideradas incapazes de cuidar dos próprios filhos, que deveriam ser encaminhados à tutela de terceiros. “Geralmente, um homem com condições financeiras e morais de assumir responsabilidade sobre os órfãos”, acrescenta.

A pesquisadora ressaltou que entre as diversas formas de arregimentação de órfãos existia um método de tutela que ficou conhecido como “contrato de soldada”, que previa a utilização dos serviços de crianças empobrecidas em troca de uma educação em certos tipos de ofício. Marília contou que contratos semelhantes eram empregados com adultos livres.

O evento também contou com debates a respeito de escravidão e gênero, abolições no continente americano e no Brasil, bem como o período republicano em território nacional.