Universidade e transparência

Há vários anos o governo de SP assina decretos de teor idêntico, inclusive quanto à aplicação das regras do Siafem às universidades

qua, 30/05/2007 - 11h28 | Do Portal do Governo

ALOYSIO NUNES FERREIRA FILHO

Há vários anos o governo de SP assina decretos de teor idêntico, inclusive quanto à aplicação das regras do Siafem às universidades

O DEBATE sobre a invasão da reitoria da USP está carente de dados da vida real. Embora seja um movimento de reivindicações mutantes, que são substituídas, acrescentadas ou subtraídas ao sabor das conveniências do momento, um dado é permanente -a denúncia dos “decretos” do governo do Estado. Ora se pede a revogação dos “decretos”. Ora se cobram mudanças no texto. Na verdade, os “decretos” são o moinho de vento da provocação que está por trás da invasão e da violência: poucos se deram ao trabalho de estudá-los cuidadosamente ou de explicar de modo racional o que neles há de errado. A denúncia é uma crítica vazia.

Desde logo, o decreto que nomeava o secretário de Ensino Superior para a presidência do Cruesp (o conselho de reitores) já sofreu modificação em 31/1 de 2007 -há mais de três meses e meio, quando as aulas nem tinham começado. Deveria ter saído da pauta das conversas depois que a presidência do Cruesp voltou a ser exercida pelos reitores, em sistema de rodízio.

Mas o chamado decreto-vilão leva o número 51.636 e foi assinado em 9/3 de 2007. Na argumentação dos invasores, é ali que se encontraria a maior ameaça à autonomia universitária. Na prática, seu texto determina o registro dos gastos das universidades no Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios, o Siafem-SP. E sua única novidade é cobrar mais transparência -da universidade e de todo o governo.

Acontece que há vários anos o governo do Estado de São Paulo assina decretos de teor idêntico ao de número 51.636, inclusive no que diz respeito à aplicação das regras do Siafem às universidades. Assim, o decreto 47.586, de 10/1 de 2003, definiu que a execução financeira, orçamentária, patrimonial e contábil do Estado deveria ser realizada em conformidade com o Siafem. No artigo 2º, é explicado que as normas do decreto se aplicam não só aos órgãos da administração direta mas também envolvem autarquias, fundações, “inclusive as universidades”. Isso em 2003.

No ano seguinte, em 15/1 de 2004, o decreto 48.444 repete a determinação do ano anterior, dizendo de modo explícito que as mesmas regras do Siafem seriam aplicadas “inclusive às universidades”. Em 2005, o decreto 49.337, também no artigo 2º, reiterava que as normas do Siafem incluíam as universidades. No ano passado, o decreto 50.589, de 16/3, reflete novos conceitos de administração, mas o conteúdo não é alterado.

Ali se explica que, a exemplo do que ocorre com “fundações, autarquias, sociedades de economia mista”, a partir de 2006, as universidades passaram a exercer funções de unidade gestora financeira e de unidade gestora orçamentária. Esse decreto também tocou num ponto que iria provocar mais uma falsa polêmica em 2007, aquele que define regras para remanejamento nas despesas orçamentárias. Muitos estudantes dizem que houve uma mudança e que ela foi proposta pelo governo Serra. Essa inverdade tem sido repetida por professores e até “juristas” desinformados e jornalistas que não se deram ao trabalho de conferir o que iam escrever.

Na verdade, o artigo 7º do decreto de 2006 diz que “as solicitações de alterações orçamentárias e de alteração das quotas” deverão observar as “normas estabelecidas pelas secretarias de Economia e de Planejamento e da Fazenda”. Essa definição, que gerou tantas acusações fantasmagóricas, apenas foi repetida um ano depois.

Ao lado de seus antecessores, o decreto de 9/3 de 2007 não apresenta mudanças de substância. No artigo 1º, três palavras são acrescentadas para dizer que os gastos de toda a administração do Estado -o que inclui as universidades, mas não só- serão registrados “em tempo real”. Na prática, era uma forma de usar um recurso da internet para ampliar a transparência na administração -não só da universidade mas do conjunto do governo. E os reitores mais de uma vez manifestaram seu apoio à medida, justamente por entender que as universidades públicas não têm receio de submeter a execução de seus orçamentos ao mais amplo escrutínio público.

O leitor pode julgar, por si só, qual o sentido de uma mobilização que não tem reivindicações explícitas que façam sentido. Na obra-prima que descrevia um cavaleiro errante que enfrentava moinhos de vento convencido de que se tratavam de gigantes ameaçadores, dom Quixote era um personagem que freqüentava a fronteira do ridículo, mas jamais deixava de ser sublime. Em 2007, numa provocação à qual falta uma ambição generosa para ser definida como quixotesca, temos uma aventura que seria apenas triste -caso não fosse paga pelo esforço de cada trabalhador que gera a produção e o dinheiro de cada contribuinte que paga imposto.

ALOYSIO NUNES FERREIRA FILHO, 62, advogado, é secretário-chefe da Casa Civil do governo do Estado de São Paulo. Foi ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República e ministro da Justiça (gestão FHC) e secretário de Governo da Prefeitura de SP (2005-06).