Unesp participa de iniciativa que estuda resíduos da indústria vinícola

Projeto em parceria com a Embrapa analisa impacto e benefícios do consumo de uma bebida que leva extrato e suco de uva

sex, 29/06/2018 - 13h42 | Do Portal do Governo

O aproveitamento integral de resíduos da indústria de vinho é o novo desafio de cientistas que têm desenvolvido insumos de alto valor agregado para os ramos alimentício, farmacêutico, de cosmética e de mobiliário com um nobre resíduo industrial: bagaço da uva.

Com ele, ingredientes funcionais, corantes naturais e nanocristais de celulose foram criados por pesquisadores da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ), que há mais de oito anos estudam soluções especiais para o resíduo.

O processo pode ser implantado na linha de produção industrial com equipamentos simples e de baixo custo. Inclui, na primeira etapa, a extração de antioxidantes (compostos fenólicos, incluindo as antocianinas) da casca da uva, sem as sementes. Como a presença desses compostos é abundante, o procedimento resulta em ingredientes funcionais e corantes naturais de alta qualidade.

Em seguida, pode-se realizar um processo simples de extração aquosa a quente de fibras alimentares, que ainda carregam compostos antioxidantes na estrutura, originando um ingrediente rico em fibras antioxidantes.

Multiexperiências

O extrato em pó proveniente do bagaço de uva pode ser considerado um insumo agroindustrial com grande potencial funcional. Para avaliar a funcionalidade, a pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos Karina Olbrich, em parceria com a professora Kátia Sivieri, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual de São Paulo “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), desenvolveu um estudo para analisar o impacto do consumo de uma bebida de leite caprino adicionada do extrato e suco de uva sobre a composição e a atividade da microbiota intestinal humana.

O teste in vitro ocorreu com o uso de um equipamento simulador do ecossistema microbiano intestinal humano. Os resultados observados no estudo demonstraram que as bebidas probióticas de leite de cabra enriquecidas com extrato de uva continham altas quantidades de fibra alimentar e compostos fenólicos, que são considerados biologicamente ativos.

A análise da composição e da atividade metabólica da microbiota intestinal simulada in vitro indicou que o consumo dessa bebida enriquecida com o extrato de uva pode, sim, trazer benefícios para a saúde.

“A bebida promoveu um aumento substancial de ácidos graxos de cadeia curta, muito benéficos à saúde do intestino e que favorecem o controle de microrganismos causadores de doenças, reduzindo o pH intestinal”, conta a pesquisadora Karina Olbrich, que trabalha no desenvolvimento de produtos lácteos caprinos com potencial funcional.

Benefícios

Também foi observado aumento da população intestinal de bactérias como lactobacilos e bifidobactérias, que têm efeito positivo para a saúde. Por essas diversas funcionalidades, a bebida enriquecida com extrato de uva pode ser considerada um produto multifuncional. E há ainda mais uma vantagem. “Agrega-se funcionalidade e cor naturalmente, dispensando o uso de corantes artificiais”, completa a cientista.

A bebida láctea fermentada probiótica adicionada de suco e extrato do bagaço de uva foi avaliada sensorialmente por 112 consumidores potenciais na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp, em Araraquara. O teste de aceitabilidade indicou que a bebida obteve aprovação para todos os atributos sensoriais avaliados.

Nada de sobras

Entretanto, o bagaço da uva ainda é tratado como um produto de baixo valor econômico, utilizado normalmente como adubo na plantação, ração animal ou então incinerado. “O nosso maior desafio é convencer o empresário a utilizar os resíduos da indústria vinícola para um fim mais nobre, ou seja, aproveitar seus valiosos compostos bioativos para obter produtos de maior valor agregado”, diz Renata Tonon, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos e líder de um projeto que busca o aproveitamento dos resíduos das indústrias vinícolas do Vale do Rio São Francisco, para obtenção de ingredientes e alimentos com alto valor agregado.

Desde 2010, colaboradores da Embrapa buscam soluções para o aproveitamento dos resíduos da indústria vinícola, em parceria com as suas unidades de pesquisa: Uva e Vinho (RS) e Semiárido (PE). Composta por uma equipe de mais 15 pesquisadores e técnicos, a iniciativa vem aprofundando a análise das características desses resíduos agroindustriais, proveniente de diversas uvas produzidas no País.

Agora, os profissionais chegaram a um consenso: independentemente da variedade da uva, não há variação significativa nos resultados para a obtenção desses ingredientes funcionais de alto valor agregado.

“A ideia inicial era a recuperação de compostos fenólicos, que são substâncias com comprovado poder antioxidante e estão presentes em grande quantidade nas cascas e sementes da uva, mesmo após o processo de fermentação ocorrido durante a produção de vinho tinto. As antocianinas são a principal classe de fenólicos presentes nas uvas tintas, sendo responsáveis por sua coloração roxa típica”, explica Lourdes Cabral, pesquisadora da Embrapa que coordenou o primeiro projeto voltado ao aproveitamento dos resíduos das indústrias vinícolas do Sul do País.

“Em uma fase mais recente da pesquisa, a equipe verificou que, além de rico em compostos antioxidantes, o bagaço de uva fornece fibras solúveis funcionais em grande quantidade”, conta Caroline Mellinger, pesquisadora do Laboratório de Bioquímica da Embrapa.

Consumo

Os benefícios para a saúde relacionados ao consumo de fibras já são conhecidos, segundo a agroindústria: redução de doença cardiovascular, prevenção de diabetes, redução da absorção de glicose, regulação do trânsito gastrointestinal e redução do colesterol sanguíneo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um consumo diário entre 27 e 40 gramas para um adulto. Uma forma de aumentar o consumo da população seria utilizar as fibras como ingrediente ou insumo na indústria de alimentos ou como suplemento alimentar.