Pesquisadores em SP investigam sistema cardiovascular de bebês nascidos com baixo peso

Estudo realizado com 35 crianças entre 6 e 11 anos contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

dom, 23/02/2020 - 18h51 | Do Portal do Governo

Crianças que nascem a termo (após a 37ª semana de gestação) com menos de 2,5 kg têm risco aumentado de desenvolver doenças cardiovasculares na vida adulta. No entanto, a prática regular de exercícios físicos durante a infância pode melhorar o funcionamento de células envolvidas na saúde dos vasos sanguíneos e atenuar o risco.

É o que mostra um estudo publicado no periódico Nutrition, Metabolism & Cardiovascular Diseases. O projeto foi apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), sob coordenação de Maria do Carmo Pinho Franco, da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Participaram da investigação Livia Victorino de Souza, Franciele de Meneck, Edilamar Menezes de Oliveira e Tiago Fernandes.

Análises

O artigo (em inglês) pode ser consultado pela internet. A pesquisa foi feita com 35 crianças entre 6 e 11 anos de idade, divididas em dois grupos: nascidas com peso menor do que 2,5 kg e maior ou igual a 3 kg. Todas foram submetidas a um programa de treinamento de dez semanas, que incluía sessões semanais de 45 minutos de atividades físicas lúdicas com intensidade de moderada a vigorosa.

Parâmetros antropométricos (peso, estatura, porcentual de gordura e circunferências corporais) e amostras de sangue dos participantes foram coletados antes e depois do período de treinos.

No fim da intervenção, notou-se a melhora significativa na circunferência da cintura e na aptidão cardiorrespiratória de todas as crianças. Naquelas que nasceram com baixo peso, foi possível perceber também melhora na pressão arterial, assim como nos níveis circulantes e na funcionalidade das células progenitoras endoteliais.

“As células progenitoras endoteliais são produzidas pela medula óssea e estão envolvidas em diversos processos vasculares, incluindo a formação de novos vasos sanguíneos e o reparo dos já existentes. São, portanto, importantes para a manutenção da saúde cardiovascular”, salienta Maria do Carmo Pinho Franco à Agência Fapesp.

Programação fetal

No fim da década de 1980, surgiram as primeiras suspeitas de que crianças nascidas a termo, mas com peso inferior a 2,5 kg, tinham maior propensão a doenças cardiovasculares. Esses achados deram origem à Hipótese de Programação Fetal, postulada pelo epidemiologista britânico David Barker (1938-2013).

O pesquisador observou, no Reino Unido, que nos grupos populacionais mais carentes as taxas de doença cardiovascular eram duas vezes mais altas que nas regiões mais ricas. Com o avançar dos anos, essa relação está sendo elucidada pela ciência.

Sabe-se hoje que a programação fetal pode ocorrer em resposta a diferentes condições adversas durante a gestação, como deficiências nutricionais, insuficiência placentária e estresse. O fenômeno pode ser interpretado como uma tentativa do feto de se adaptar ao ambiente de nutrição restrita intrauterino, garantindo sua sobrevivência às custas de modificações permanentes em suas estruturas e órgãos vitais.

A pesquisadora tem se dedicado ao estudo das repercussões tardias do baixo peso ao nascer desde seu mestrado. A linha de investigação começou com modelos animais e, nos últimos anos, migrou para estudos em população de crianças durante o pós doutorado e um Auxílio à Pesquisa – Apoio a Jovens Pesquisadores, com foco nas alterações tardias no endotélio vascular, a camada que reveste a parede interna dos vasos sanguíneos.

“Nas crianças pré-púberes, já é possível notar diminuição na vasodilatação de determinadas artérias e alterações na pressão arterial, principalmente um aumento na sistólica [ou pressão máxima, que marca a contração do músculo cardíaco quando ele bombeia sangue]”, explica Maria do Carmo Pinho Franco. “São detalhes pequenos, mas que elevam o risco cardiovascular no futuro, caso não seja feita alguma intervenção”, completa.

Exercício

No trabalho mais recente, o grupo avaliou como a prática de atividade física afeta o funcionamento das células progenitoras endoteliais em crianças com idade entre 6 e 11 anos que frequentam um centro da juventude no município de São Paulo.

“Estudos anteriores demonstraram que a capacidade de deslocamento das células progenitoras endoteliais da medula óssea para a corrente sanguínea, bem como sua capacidade de transformação em células endoteliais maduras, podem ser alteradas frente a diferentes estímulos. Dentro desse contexto, observamos que o exercício físico desempenha um papel importante e benéfico sobre a mobilização dessas células”, afirma Maria do Carmo Pinho Franco.

Os resultados do estudo mostraram que o efeito positivo do treinamento físico foi mais significativo no grupo de crianças com histórico de baixo peso ao nascer. Além de aumentar os níveis de células progenitoras no sangue, houve aumento nos níveis de óxido nítrico (NO) e do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF-A).

“Essas duas moléculas [NO e VEGF-A] estão envolvidas nos processos de mobilização e recrutamento das células progenitoras endoteliais”, ressalta a pesquisadora.

Reprogramação vascular

Dados da literatura científica sugerem que o fenômeno da programação fetal está associado ao que se convencionou chamar de fatores epigenéticos, ou seja, a modificações bioquímicas que ocorrem nas células (geralmente em resposta às condições ambientais) e alteram a forma como os genes são expressos, sem que para isso seja necessária uma alteração na sequência genética.

A equipe suspeita que a prática regular de atividade física na infância atue justamente sobre esses mecanismos epigenéticos, revertendo o padrão prejudicial de expressão gênica induzido pela condição gestacional adversa.

Na avaliação da cientista, os resultados do estudo indicam que uma intervenção simples e de baixo custo pode ter um impacto decisivo na vida adulta de crianças que nascem com baixo peso.

“Os pais precisam ser orientados para que coloquem seus filhos para se exercitarem o quanto antes. E o pediatra, por outro lado, deve acompanhar essas crianças com olhos diferentes, realizando exames regulares de perfil lipídico, aferição de pressão arterial e outros marcadores cardiovasculares”, conclui a cientista.