Pesquisa investiga papel da tecnologia na violência em relações afetivas

Participaram do trabalho 39 jovens, com idade entre 15 e 18 anos, de duas escolas estaduais do interior paulista

qui, 06/09/2018 - 18h59 | Do Portal do Governo

Um estudo de mestrado conduzido pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da Universidade de São Paulo (USP) aponta que as novas tecnologias têm sido aliadas na propagação de violência nos relacionamentos dos jovens, sejam em relações longas ou momentâneas. As atividades são desenvolvidas pela socióloga Ana Beatriz Campeiz, que analisou as formas de interação nas relações afetivas desse grupo.

“Na pesquisa, ficou bem evidente que as redes sociais, como Instagram, Facebook e WhatsApp facilitam o controle e a manipulação da vida do companheiro, pois os adolescentes insistem em ter acesso a todo conteúdo dos celulares, além de impedir que o parceiro tenha amizades com pessoas do sexo oposto”, avalia.

Vale destacar que participaram do estudo 39 jovens, com idade entre 15 e 18 anos, de duas escolas estaduais do interior paulista. De acordo com a pesquisadora, existem poucos estudos nessa área e o objetivo foi coletar informações para novas propostas de políticas públicas que incentivem relações mais saudáveis.

Segundo Ana Beatriz Campeiz, para os participantes da análise, um dos pilares de uma relação é a confiança. “Contraditoriamente, eles acreditam que o controle das redes sociais não é uma violência, mas sim uma prova de amor. Quando negam esse acesso, isso é interpretado como uma forma de traição”, acrescenta.

Alternativas

Para evitar discussões por conta das redes, os jovens buscaram alternativas que possibilitam um controle mútuo das ações do companheiro: o perfil comum. Segundo a pesquisadora, esse comportamento expõe a fragilidade das relações e reforça a violência, entendida como forma de amor.

“Você não dá a senha se não amar, porque ele saberá da minha vida toda ali e, se ele me ama, também tem que dar”, ressalta M.A., uma adolescente participante do estudo. A socióloga Ana Beatriz Campeiz afirma que as crenças de violência como forma de amor e o mito do amor ideal são fatores determinantes para a violência na intimidade, considerada também como violência de gênero.

A pesquisadora conta que os jovens acreditam em um amor romantizado, que deve suportar e superar tudo. Com isso, auxiliam a propagação de preconceitos como o machismo e a misoginia. “Nessa pesquisa, os adolescentes desqualificam a mulher o tempo todo”, lamenta a pesquisadora.

Os resultados apontados pela pesquisa mostram também a mulher como agressora. O ato violento é aceito, uma vez que os jovens consideram essas agressões menos graves (tapas, beliscões, arranhões). Já quando são vítimas, diz Ana Beatriz, as mulheres recebem rótulos e são penalizadas, diferente de quando o homem é o agressor, que é considerado natural e aceitável.

Contudo, quando o homem era vítima, eles tinham dificuldade em compreender, pois era fora do que estavam habituados e do que é naturalizado. “Há presença de tabu e reprodução de estigmas de que a mulher sempre é a vítima e culpada, sempre a dominada e o homem, sempre o dominante”, alerta a socióloga.

Agressão

Quando o assunto é violência, diz a pesquisadora, muitos associam diretamente com a agressão física, mas existem outras faces dessa tragédia. “Essa ideia é ainda mais recorrente quando é reproduzida pelos veículos de comunicação”, diz. No estudo de Ana Beatriz Campeiz, esse tipo de violência, psicológica e emocional, é encontrada principalmente nos novos modelos de relação entre os jovens, como os “ficantes” e “crushs” (pessoa na qual há um interesse).

“Tem até violência quando é só ‘crush’ também. Tipo: ele é meu ‘crush’ e não pode ‘ficar’ com mais ninguém, só comigo, senão eu largo”, diz M.R, adolescente entrevistado na pesquisa. Segundo Ana Beatriz Campeiz, violências psicológicas e emocionais atingem a autoestima e autoconfiança das vítimas e causam marcas que permanecem ao longo da vida. “Quando se trata da agressão emocional, a vítima não consegue enxergar o que está acontecendo para colocar um fim na relação”, enfatiza.

“Eu vejo as conversas do celular dela todo dia. Não tem essa de ter senha. Eu não confio em amigos e amigas”, ressalta H.F., jovem que também participou do estudo. Vários estudos já relataram o círculo vicioso da violência e, na pesquisa da EERP, esse fato se confirma. Alguns adolescentes entrevistados relataram e justificaram ações de violência devido à presença dessa realidade em suas famílias. Segundo Ana Beatriz Campeiz, antes de relatar algo vivenciado por eles, os jovens citaram as ações dos pais, tios, avós.

O estudo faz parte do mestrado “A violência nas relações de intimidade entre os adolescentes sob a perspectiva do Paradigma de Complexidade”, defendido no início do mês de junho e orientado pela professora Maria das Graças Bomfim de Carvalho, da EERP.