Na América Latina, o papa confronta a Teologia da Libertação

Quando chegar ao Brasil, em sua primeira visita pastoral à América Latina, Bento XVI se surpreenderá

ter, 08/05/2007 - 18h11 | Do Portal do Governo

The New York Times

No início dos anos 80, quando o papa João Paulo II quis reprimir o que ele considerava um movimento perigoso na Igreja Católica Romana – a Teologia da Libertação, inspirada no marxismo- ele procurou um assessor de confiança: o cardeal Joseph Ratzinger.

Agora o cardeal tornou-se o papa Bento 16 e, quando chegar aqui, na quarta-feira (9), para sua primeira visita pastoral à América Latina, talvez se surpreenda com o que encontrará. A Teologia da Libertação, que ele chamou certa vez de “ameaça fundamental à fé da igreja” persiste como uma força ativa, até desafiadora na América Latina, lar de quase metade dos católicos romanos do mundo, que são em torno de 1 bilhão.

Nos últimos 25 anos, enquanto o Vaticano se movia para silenciar os teóricos da Teologia da Libertação e a igreja reforçava sua hierarquia conservadora, os males sociais e econômicos que o movimento abordava pioraram. Nos últimos anos, a política na região também pendeu para a esquerda, dando um novo ímpeto e credibilidade à demanda do movimento que a igreja adote “a opção pelos pobres”.

Hoje, cerca de 80.000 “comunidades de base” operam no Brasil, a mais populosa nação católica romana, e quase 1 milhão de “círculos da Bíblia” reúnem-se regularmente para ler e discutir a escritura do ponto de vista da Teologia da Libertação.

Durante a visita de cinco dias, o papa Bento ao Brasil reunir-se-á com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, canonizará um santo, pregará aos fiéis e visitará um centro de tratamento de drogados, antes de inaugurar a conferência de bispos latino-americana que discutirá o futuro da igreja na região, onde a Teologia da Libertação surgiu, prosperou e atraiu tanto de sua censura. Alguns defensores da Teologia da Libertação estarão presentes, outros estarão em uma reunião paralela, e todos foram advertidos a não serem agressivos demais em suas opiniões.

No passado, os seguidores da teologia mantiveram-se firmes, enquanto esquadrões da morte criavam vários mártires do movimento, desde o arcebispo Oscar Arnulfo Romero, de El Salvador, morto em 1980 enquanto celebrava uma missa, até Dorothy Mae Stang, freira americana assassinada na Amazônia brasileira em fevereiro de 2005. As pressões do Vaticano, comparadas com isso, não atemorizam, dizem.

“Apesar de tudo, prosseguimos de uma forma subterrânea”, disse Luiz Antonio Rodrigues dos Santos, professor de 55 anos, ativo no movimento por quase 30 anos. “Que Roma e os críticos digam o que quiserem, simplesmente perseveramos em nosso trabalho com os pobres e oprimidos.”

Em uma manhã fresca e nublada no final de abril, as evidências da vitalidade do movimento eram claras. Representantes de 50 comunidades de base reuniram-se na Igreja do Apóstolo São Paulo, na zona Leste desta grande cidade, uma região de moradia de trabalhadores humildes e favelas.

Com quatro padres presentes, as leituras da Bíblia alternavam-se com preocupações mais mundanas: críticas às propostas do governo de reduzir pensões e os direitos dos trabalhadores sob o código trabalhista brasileiro. O serviço terminou com um Pai Nosso e um hino.

“Na terra da humanidade, concebida como uma pirâmide, há poucos no topo e muitos na base”, cantou a congregação. “Na terra da humanidade, os que estão no topo esmagam os que estão na base. Ó pobres oprimidos, pessoas submetidas à dominação, o que estão fazendo aí parados? o mundo da humanidade tem que ser mudado, então se levantem, não fiquem parados.”

Depois, a discussão voltou-se para outros problemas sociais, principalmente a falta de saneamento básico. Um representante do Partido dos Trabalhadores discutiu estratégias para pressionar o governo a terminar um projeto de esgoto. Os fiéis concordaram em organizar uma campanha de lobby.

Em outras áreas, a Teologia da Libertação defende fortes laços com os sindicatos. Em uma missa do dia 1º de maio para comemorar o Dia Internacional do Trabalho, a cruz de madeira foi coberta com cartazes pretos com as palavras “imperialismo” e “privatização” e houve aplausos quando a homilia criticou as políticas econômicas “neoliberais” do governo, defendidas por Washington.

“Acreditamos em fundir questões de fé com ação social”, disse Valdir Resende dos Santos, discípulo que une as comunidades de base e grupos de trabalho nos subúrbios industriais locais. “Aconselhamos os grupos e os movimentos sociais, mobilizamos os desempregados e trabalhamos com sindicatos e partidos, sempre de uma perspectiva baseada no Evangelho.”

Desde que a Teologia da Libertação surgiu, nos anos 60, misturou consistentemente política com a religião. Os seguidores muitas vezes são ativos em sindicatos e partidos políticos de esquerda e criticam governos que comparam a fariseus dos tempos modernos.

Eles entendem esse ativismo como virtude necessária para responder às necessidades dos pobres. Os oponentes dizem que insinua perigosamente a igreja no âmbito político, temporal, e vêm anunciando nos últimos anos o declínio e desaparecimento do movimento.

Algumas das distinções nesse debate são sutis. O papa João Paulo II estendeu seu alcance para direitos humanos e política quando desestimulou o aborto e o divórcio e instigou os poloneses e outros europeus a rejeitarem o comunismo. Acredita-se que ele ajudou a fomentar o eventual colapso da União Soviética.

Alguns dizem que isso difere do ativismo político adotado pela Teologia da Libertação, direto, de classe. Como cardeal, Ratzinger certa vez chamou o movimento de “fusão da visão da história pela Bíblia com a dialética marxista” e outros críticos reclamam de sua ênfase na ação coletiva direta em nome de Jesus em detrimento da fé individual.

Como disse o papa João Paulo II, no início de seu papado: “Este conceito de Cristo como figura política, revolucionária, o subversivo de Nazaré não está de acordo com o catecismo da igreja.”

Certamente a Teologia da Libertação foi forçada a se retirar dos altos níveis da hierarquia da igreja. Bispos e cardeais que apoiavam e protegiam o movimento nos anos 70 e 80 morreram ou aposentaram-se, sucedidos por clérigos abertamente hostis a tais comunidades e aos valores que esposam.

“As comunidades de base só podem prosperar em áreas onde há bispos que as estimulam. Se você tira o apoio do bispo, fica difícil chegarem a qualquer lugar”, disse Margaret Hebblethwaite, autora religiosa britânica cujos livros incluem “Base Communities: An Introduction” (comunidades de base: uma introdução) e “The Next Pope” (o próximo papa).

Ainda assim, o movimento continua ativo, especialmente nas áreas mais pobres, como a Amazônia, o interior do Nordeste e os arredores de grandes centros urbanos como este, o maior do Brasil, com quase 20 milhões de habitantes na região metropolitana. Esperando atrair menos atenção e críticas, alguns desses grupos simplesmente dizem que estão envolvidos com “o pastoreio social”.

A luta entre os teólogos da Libertação e o papa Bento – cuja própria teologia foi formada em reação ao alcance da ideologia nazista – tem sido longa e amarga. Em 1984, quando era o responsável no Vaticano por supervisionar as questões de fé e doutrina, Ratzinger declarou: “A Teologia da Libertação é uma heresia singular”.

Mais recentemente, ele disse: “Parece-me que não precisamos da Teologia da Libertação, mas da Teologia do martírio” e argumentou que o movimento somente se tornará uma teologia válida “quando se recusar a aceitar o poder e a lógica mundana” e em vez disso enfatizar a “liberdade interior”. Essas declarações, porém, são de quando desempenhava as ordens de João Paulo, e há especulações por aqui que suas opiniões podem ter se suavizado.

Isso ajuda a explicar algumas das manobras teológicas que vêm acontecendo na América Latina recentemente.

Em nome dos conservadores, o Vaticano impôs sanções sobre teólogos da Libertação, como Gustavo Gutierrez do Peru, Leonardo Boff do Brasil e, mais recentemente, Jon Sobrino de El Salvador, jesuíta nascido na Espanha. Quanto o Vaticano repreendeu Sobrino em março, Pedro Casaldaliga do Brasil, um dos bispos mais comprometidos com a Teologia da Libertação, escreveu uma carta aberta pedindo que a igreja reafirmasse seu “verdadeiro compromisso ao serviço dos pobres do Senhor” e “o laço entre fé e política”.

Isso gerou uma forte reação de Felipe Aquino, teólogo conservador cujas opiniões são freqüentemente transmitidas por estações de rádio católicas da região. “Em vez de receber a advertência cordial do Vaticano, o senhor continua incorrigível, envenenando o povo com a Teologia da Libertação que, como observou Ratzinger, aniquila a fé verdadeira e subverte o evangelho da salvação”, escreveu.

Em uma conferência com a imprensa no dia 27 de abril, o arcebispo de São Paulo recém nomeado, Odilo Sherer, 57, tentou conciliar as duas opiniões opostas. Enquanto criticou a Teologia da Libertação por usar “o marxismo como ferramenta de análise”, ele também elogiou os teólogos da libertação por redirecionarem a missão da igreja no Brasil para que se concentrasse nas questões de injustiça social e pobreza.

Ele também argumentou que o movimento estava em declínio. Os seguidores, entretanto, estão menos certos disso.

“A força da realidade social dura da América Latina é mais forte do que a ideologia de Roma, então a Teologia da Libertação ainda tem grande vitalidade”, disse Boff, ex-frade franciscano que deixou o clérigo em 1992, argumentou em recente entrevista. “É verdade que não tem a visibilidade que tinha e não é tão controversa quanto foi, mas está muito viva e bem.”

Tradução: Deborah Weinberg