Grupo de Trabalho da Unicamp debate violência sexual com a comunidade

Constituída pela reitoria da Universidade Estadual de Campinas, equipe quer que as vozes internas sejam ouvidas

sex, 29/06/2018 - 17h51 | Do Portal do Governo

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) está auxiliando e estimulando a comunidade acadêmica na produção de um documento que propõe políticas de Combate à Discriminação Baseada em Gênero e/ou Sexualidade e à Violência Sexual, elaborado pelo Grupo de Trabalho (GT) constituído pelo reitor, Marcelo Knobel.

O relatório foi apresentado neste mês. “Estamos abrindo agora uma temporada de conversas com a comunidade, em cada unidade, com todos os segmentos, com o objetivo de enriquecer o documento, para que ele reflita as inúmeras vozes que estão presentes dentro da instituição”, anuncia a professora Ana Maria Fonseca de Almeida, presidente do GT.

Uma das preocupações do grupo, manifestada pela professora Dora Maria Grassi Kassisse, assessora do gabinete do reitor, é esclarecer que a violência sexual atinge homens e mulheres, independente da orientação sexual. “Ela envolve diversos tipos de episódios, incluindo assédio, estupro e mesmo veiculação de fotos íntimas pela internet, entre outros. O que estamos fazendo é organizar as ações e serviços já presentes na Unicamp, além de propor uma política de conscientização e educação”, ressalta.

Ana Maria Fonseca de Almeida observa que a violência sexual é um problema presente em universidades do mundo todo e que políticas de enfrentamento são uma realidade nos quatro continentes. “É também um problema antigo. A Unicamp já havia criado um GT em 2007, que fez propostas muito pertinentes, mas que não foram implementadas. Queremos, agora, como instituição, propor uma política para enfrentar a violência sexual de forma que as pessoas afetadas possam ser acolhidas, amparadas e orientadas”, afirma.

Literatura

Segundo a presidente do GT, a literatura mostra a importância de se disponibilizar atendimento especializado e ações de conscientização, educação e prevenção. “O GT propõe uma política abrangente, que respeite todos os envolvidos. Propõe regular as ações a partir de um amplo acordo a ser construído dentro da universidade sobre como devemos tratar as questões associadas à violência sexual. A Unicamp já dispõe de serviços de altíssimo nível, bem como estudiosos do tema. Isso permitirá implementar as ações com um custo mínimo”, acrescenta a docente.

Há pouco mais de um ano na Ouvidoria da Universidade, Maria Augusta Pretti Ramalho constatou uma grande procura de assistência por vítimas de assédio sexual, principalmente de alunas e alunos, mas também de professores. “É muito comum a vítima, que já está fragilizada, chegar ao órgão sem saber para onde ir, sem um roteiro de procedimentos a seguir. Eu me arriscaria a dizer, diante do que vejo em outras ouvidorias, que nem dez por cento dos casos chegam ao nosso conhecimento. As denúncias ficam fragmentadas pelas unidades e outros órgãos de apoio ao estudante”, avalia.

Apoio

Tânia Maron Vichi Freire de Mello, coordenadora do Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao Estudante (Sappe), observa que a ouvidoria da Unicamp recebe, em geral, os relatos em que as pessoas envolvidas em episódios de violência sexual já se encontram em condições de procurar ajuda jurídica. No entanto, nem todas se sentem à vontade para tomar essa iniciativa.

“O Sappe tem sido um destino bastante buscado nessas situações. Temos um pronto atendimento que serve de porta de entrada para a aluna ou aluno que sofre algum tipo de violência, inclusive sexual. No caso de violência maior, como o estupro, coordenamos as ações com o Ambulatório de Atendimento Especial, pois uma série de medidas precisa ser tomada nos melhores prazos, como exame físico, coquetel preventivo e apoio psicológico imediato”, explica a coordenadora

Quando a questão é de assédio, acrescenta Tânia Maron Vichi Freire de Mello, o atendimento fica no escopo do Sappe, que toma o cuidado de acolher a denúncia sigilosamente, dando um tempo à vítima para decidir sobre as providências que deseja tomar. “Tornar o caso público imediatamente pode ser um problema para a pessoa envolvida, porque a violência sexual tem a ver com poder. A calourada, por exemplo, é um momento de muita vulnerabilidade, com muitas festas, uso de bebidas alcoólicas, ritos de passagem. A percepção de cada um sobre o que é aceitável ou não também é muito diferente. Tudo isso tem que ser mediado, é muito delicado”, destaca.

A coordenadora do Sappe considera que a criação de uma secretaria para oferecer acolhimento especializado às pessoas envolvidas em episódios de violência sexual é fundamental porque aquilo que não é falado envenena, levando a quadros de desajuste que podem ser muito graves.

“Uma série de complicações psicológicas e psiquiátricas, como o transtorno de estresse pós-traumático, podem advir de uma situação de assédio sexual. Não é raro que uma violência mude a trajetória do sujeito dentro da academia: por não conseguir estar no mesmo lugar que o agressor, ele deixa de frequentar as aulas, desiste do curso”, afirma.

Acordo

Ana Almeida ressalta que o relatório do GT prevê ações voltadas também para os que recebem pedidos de ajuda – colegas, professores, autoridades universitárias têm procurado apoio para lidar com os casos que chegam até eles. “Essas pessoas pedem orientação e treinamento e a política propõe ações nesse sentido. Prevê-se também ação para as pessoas acusadas de assédio. Há uma preocupação do grupo com as acusações e julgamentos em que não se oferece condições de ampla defesa a acusados e acusadas. Isso mina as relações no interior da comunidade”, alerta.

“A política que está sendo proposta permitirá oferecer um acolhimento mais eficaz e humano para as pessoas que se vejam envolvidas em episódios de violência sexual, seja como vítimas ou como acusadas. Por fim, a política prevê também que haja acompanhamento sistemático, com produção de dados sobre as ocorrências na Unicamp, para que as iniciativas possam ser ajustadas regularmente às necessidades identificadas”, diz.

Conforme a presidente do GT, esse trabalho de educação e conscientização parte também da ideia de que a comunidade deve chegar a um acordo sobre quais comportamentos são aceitos e não aceitos. “Há uma mudança nas sensibilidades. Comportamentos que até relativamente pouco tempo eram tratados como sendo aceitáveis não o são mais. Isso pede a construção de um acordo coletivo, mediado pela instituição, sobre os limites que queremos definir. Essas iniciativas visam a construir uma base de entendimento para que esses limites fiquem claros para todos. É um investimento institucional importante”, enfatiza a professora.

A docente Dora Kassisse afirma que a política em discussão possui as características de ser centralizada e organizada em dois níveis. “A proposta do GT é que uma comissão assessora centralize a política de enfrentamento à discriminação baseada em gênero e/ou sexualidade e à violência sexual. No segundo nível, teremos uma secretaria como ponto de acolhimento de queixas. Esse ponto de encontro é fundamental para evitar os danos psíquicos que atingem não só as vítimas, como também amigos, professores que se veem envolvidos, autoridades universitárias, a universidade como um todo”, avalia.

A professora esclarece também que, nesse momento, o GT prefere não misturar os casos de violência sexual com os casos de assédio moral, que são de outra natureza e cuja política de enfrentamento está sendo discutida em outro fórum. “Por isso, nossa estratégia foi, primeiro, informar sobre as conclusões do grupo, para, em seguida, iniciar uma ampla discussão na comunidade, criando a oportunidade de ouvir todas as vozes, incluindo aquelas que não têm assento no conselho”, afirma.

“O GT se coloca às ordens para apresentar o relatório nas diferentes unidades, assim como junto aos diferentes coletivos e associações presentes nos campi. Para isso, reservamos um e-mail, por meio do qual os membros da comunidade podem solicitar agendamento de encontros, que podem acontecer em reuniões abertas ou setoriais, de acordo com o que a unidade considerar mais efetivo”, completa Dora Kassisse.