Especial D.O.: Padre Bento – 75 anos de história de assistência médica em Guarulhos

Sanatório de hansenianos tornou-se hospital geral com pronto-socorro e referência em oftalmologia, dermatologia e cirurgia bucal

qua, 21/06/2006 - 13h11 | Do Portal do Governo

De sanatório para internação de hansenianos a hospital geral com atendimento de pronto-socorro e unidades de terapia intensiva (UTI). Assim pode ser resumida a história do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos, na Grande São Paulo. A instituição completa 75 anos e comemora com a realização de reformas e ampliações para melhor atender os 17 mil pacientes que recebe todo mês. Desde 1991, quando ganhou sua atual denominação, muita coisa mudou. A unidade de saúde tornou-se importante hospital público da região de Guarulhos. A equipe médica continua cuidando dos ex-moradores do sanatório e hansenianos com seqüelas, mas não com a exclusividade de antes. A dermatologia sanitária é referência para vários municípios e até Estados.

“Temos tratamentos dermatológicos de alta tecnologia, como fototerapia, cirurgia com nitrogênio líquido e a laser”, explica o chefe do departamento de Dermatologia, doutor Mario Cézar Pires.

Oferece, ainda, serviço de fisioterapia e reabilitação, que está sendo expandido com a aquisição de novos equipamentos (ultra-som, turbilhão e forno). Por enquanto, a área recebe somente pacientes vítimas de hanseníase e de doenças neurológicas. “Assim que recebermos os aparelhos, nossa proposta será ampliar o número de vagas de fisioterapia e reabilitação e atender casos de ortopedia e de patologias de dor crônica”, informa a ginecologista Maria Madalena Costa do Valle Bazzo, diretora-técnica do hospital.

Mais comodidade – Uma das reformas ocorreu no centro cirúrgico eletivo, desativado até o ano passado. Agora, funciona em quatro salas com vários equipamentos novos. No mês passado, foram realizados 510 procedimentos, entre pequenas, médias e grandes cirurgias.O anexo do Centro de Diagnóstico foi ampliado. Com essa intervenção, os serviços de Diagnóstico e Terapia passam a funcionar no mesmo local.Ali são feitos exames de tomografia computadorizada, ecocardiograma, teste ergométrico, ultra-som, mamografia e radiografias (simples e contrastada).A médica lembra que o complexo hospitalar é referência em cirurgia neurológica para os municípios de Santa Isabel, Arujá e Mogi das Cruzes. O Pronto-Socorro (24 horas) também é renomado em oftalmologia, dermatologia e cirurgia bucal. Por se situar próximo às rodovias Presidente Dutra, Fernão Dias e Trabalhadores, recebe muitas vítimas de acidentes nessas estradas.

O velório era inadequado, pois funcionava em duas salas sem cobertura. “As pessoas ficavam ao relento”, lembra a diretora. Agora, os familiares de falecidos do Padre Bento e de outros hospitais da região de Guarulhos podem ter mais comodidade.Cada uma das quatro salas construídas tem espaço para velação, local de espera com copa e banheiro privativo. Além disso, há área de convivência e rampa de acesso. Os usuários não pagam taxas de uso ou manutenção.

Valor histórico – “Recebemos muitos idosos desnutridos, desidratados, com problemas de cardiopatia e pneumonia. Quando recebem alta, os familiares têm dificuldades de auxiliá-los na recuperação”, conta a diretora. Dos pacientes da unidade, 23% têm mais de 65 anos.Pensando nisso, foi criado o Centro de Convivência do Idoso, para ressocializar os mais velhos com ações nas áreas de lazer, cultura, educação, terapia ocupacional e acompanhamento nutricional.As pessoas da terceira idade terão à disposição atendimento de nutrição, geriátrico e clínica médica. Haverá ainda salas para atividades de artesanato, pintura, leitura, exibição de programas de televisão e vídeos.Nesse local, que funcionará das 14 horas às 16h30, será desenvolvido o Projeto Leia Comigo, iniciativa da Secretaria da Cultura para incentivar o hábito de leitura entre os pacientes com mais de 65 anos e funcionários.

Para revitalizar o Padre Bento e manter seu valor histórico, a Pérgula foi reformada. Localizada próxima à entrada do hospital, essa construção arquitetônica,semelhante a um longo corredor, tem duas muretas com mais de 1 metro de altura e distantes uma da outra 1,8 metro. Foi construída pelos próprios hansenianos na época em que funcionava o sanatório e servia para separar os doentes dos familiares durante as visitas.O Prédio Central também foi revitalizado.A edificação reúne o centro cirúrgico, a UTI, os ambulatórios de especialidades cirúrgicas, a farmácia, a central de esterilização de materiais, leitos de internação e de cirurgia. O Prédio Central e a Pérgula são tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Codephaat) do Estado de São Paulo.

Funções específicas – Outro espaço reformado é o centro de esterilização de materiais. A diretora conta que o local era quente, insalubre e dificultava o trabalho dos funcionários: “Eles lavavam o material para esterilização fora da sala. Esse fluxo oferecia mais risco de contaminação aos equipamentos”. Atualmente, existem ambientes com funções específicas: salas para materiais sujos, pré-lavagem, esterilização, armazenamento dos objetos limpos e distribuição. “Agora, não há fluxo cruzado de produtos usados com os esterilizados”, explica a médica.O Padre Bento está situado numa área de três alqueires, correspondente a 45 mil metros quadrados, e atende a aproximadamente 17 mil pacientes por mês. A Secretaria da Saúde destinou R$ 10 milhões para as reformas e a aquisição de novos equipamentos.

O ambulatório de especialidades oferece consultas de clínica médica, cardiologia, pneumologia, otorrinolaringologia, oftalmologia, dermatologia, ortopedia, nefrologia, urologia, anestesiologia, infectologia, proctologia, gastroenterologia, endocrinologia, neurologia clínica e cirúrgica, cirurgia geral e ginecologia e cirurgia plástica. Oferece ainda fisiatria, psicologia , fonoaudiologia e terapia ocupacional. As consultas são agendadas a partir de encaminhamento da rede básica de saúde.

 

Hansenianos construíram “cidade murada” no sanatório

 

O Sanatório Padre Bento foi criado em 1931 como decorrência da política de saúde pública da época, que determinava o isolamento dos portadores da hanseníase, na época chamada de lepra, até então incurável. Isso ocorreu para evitar a proliferação da moléstia infecciosa, causada pela bactéria Mycobacteriumleprae, que compromete severamente os nervos e a pele. Numa área superior a 23 alqueires, os hansenianos fizeram uma verdadeira “cidade murada”. Exerciam as mais diversas funções – marceneiro, pintor, eletricista, pedreiro – e construíram prefeitura, escola, cinema, teatro, cassino, igreja, delegacia e clube.

O segundo diretor do sanatório, Lauro de Souza Lima, exerceu a função durante 19 anos. Humanista e amigo dos internos, dedicou sua vida ao estudo da doença. Souza Lima foi à Europa e trouxe a sulfona, droga utilizada no tratamento da enfermidade.A partir de 1945, os médicos observavam melhoria no tratamento, que passava a ser feito no ambulatório. Na década de 60, as internações deixaram de ser compulsórias e o número de recolhimentos na instituição diminuiu significativamente.

Com isso, o espaço do sanatório tornou-se grande demais para o atendimento de casos eventuais e intercorrências. Iniciou-se, então, a fase de doações da área a diversas entidades, entre as quais a Fundação para o Remédio Popular (Furp) e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), que utilizou o espaço para a construção de moradias aos funcionários do Padre Bento.

Fogo selvagem – Em 1972, o Hospital Adhemar de Barros, que tratava do pênfigo foliáceo, ou fogo selvagem – doença endêmica cutânea que se caracteriza pelo aparecimento de bolhasnas camadas da pele – foi transferido para a área do Padre Bento. O local onde se instalou a unidade abrigava antes o pavilhão de internação das crianças portadoras de hanseníanse.O sanatório e o hospital uniram seus serviços para dar início às atividades do Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos, em 1991.Um dos funcionários mais antigos, o economista Domingos Norberto Aletti, tem 65 anos, 36 deles dedicados ao trabalho na instituição. Na década de 70, atuava no setor de compras. Recorda que as agulhas utilizadas no laboratório e centro cirúrgico eram reutilizadas. Nos anos 80, quando seu Domingos se tornou diretor administrativo, introduziu a novidade das peças descartáveis. No cargo de executivo público há mais de 20 anos, auxilia a direçãoda área administrativa.

Aletti conta que tem orgulho de ter participado da história do hospital, criada pelos portadores de hanseníase: “Eles construíram fontes luminosas. Não conheço nenhum local em São Paulo com circuito de luz tão bonito. O pessoal era preso aqui, fico admirado com as coisas que fizeram”. Outras construções dos pacientes foram a pista de atletismo, pavilhão com piscina para as crianças, estádio de futebolcom arquibancada e banheiros.

Preconceito – O ex-paciente Arnaldo Rubio, internado dos 6 aos 18 anos, diz que conviveu com mais de mil crianças no sanatório: “Elas foram sacrificadas com a internação compulsória e ficaram sem pais de um dia para o outro. Fomos internados nesses guetose condenados à morte pelo ‘crime’ de ter contraído a hanseníase”.

Rubio relembra que,desde 1947, os pacientes com mais de cinco anos de trabalho no Padre Bento começaram a receber pensão de um salário mínimo. Naquela época, eram 6 mil os beneficiados. “Hoje o número de pensionistas é inexpressivo: 400 pessoas”.Outro ex-paciente, Amílcar Del Chiaro Filho, relata: “Não podíamos sair. E os familiares só nos viam nos dias de visita”. Frisa que os termos lepra, leproso e leprosário são preconceituosos e não devem ser empregados.

No sanatório havia bailes, nos quais surgiram namoros e casamentos. À medida que os casais se formavam, construíam casas para morar dentro do Padre Bento.

“Sem dúvida, foi um período difícil e dolorosa, mas nos deu têmpera para enfrentar as provações e dificuldades lá fora”, avalia Chiaro Filho.Em janeiro de 1948, Arnaldo do Val de Souza foi declarado doente pelo Departamento de Profilaxia de Lepra: “Apresentaram-me o sanatório como um paraíso. Alguns meses depois, verifiquei que não era bem assim. Esse paraíso era incompleto, porque deixei para trás amigos e parentes”. Pior que a entrada ao sanatório era a saída,por causa da dificuldade de arrumar emprego. Souza acredita que as pessoas eram preconceituosas porque só conheciam a hanseníase por filmes e histórias: “Embora menor, esse preconceito existe até hoje”.

Viviane Gomes- Da Agência Imprensa Oficial

SERVIÇO

Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos

Avenida Emílio Ribas, 173 – Gopoúva – Guarulhos – Tel. (11) 6468-0966