Ateliê do Palácio recupera as obras de arte sacra mais antigas das Américas

Equipe trabalhou mais de dois meses na restauração das peças que fazem parte da mostra “Gênese da Fé no Novo Mundo”

qui, 24/05/2007 - 19h25 | Do Portal do Governo

Quem já visitou a mostra “Gênese da Fé no Novo Mundo”, em exibição no Palácio dos Bandeirantes desde o início do mês, e se encantou com a riqueza de detalhes das peças ali expostas pode imaginar o delicado desafio enfrentado por Adriana Pires e Tatiana Hermann de Oliveira, conservadoras e restauradoras do acervo artístico cultural dos palácios do governo.

Coube a elas, que há 5 anos trabalham no ateliê de restauro do Palácio dos Bandeirantes, a missão de restaurar 60 das mais de 200 peças que compõem a exposição. Foram dois meses de trabalho intenso, que exigiu de Adriana e Tatiana seis horas diárias de dedicação, mesmo contando com o apoio de dois auxiliares. 

Duas peças que vieram do palácio de Campos do Jordão foram as que exigiram mais tempo e empenho da dupla. São duas talhas dos séculos XVI / XVII, fragmentos da antiga Sé de Salvador, Bahia. “São peças entalhadas em madeira e folhadas a ouro que estavam bastante escurecidas. Por conta de uma intervenção anterior, formou-se uma espécie de casca, uma laca que tivemos que remover com a ajuda de bisturi e um solvente especial”, conta Adriana. Como se tratava de um trabalho delicadíssimo, todo dia, ao longo dos dois meses, ela e Tatiana faziam um pouquinho, revezando com o restauro das outras peças. “No final, cerca de 9% da área da peça teve perda total da cobertura de ouro e tivemos que repor com folhas de ouro de 23 quilates”, conta a restauradora.

Também mereceram atenção especial da equipe os dois anjos tocheiros portugueses do século XVIII que já eram expostos no primeiro andar do Palácio dos Bandeirantes. “Eles tinham rachaduras que surgem naturalmente na madeira com a variação de temperatura e umidade do ambiente”, explica Adriana. Além de fecharem as trincas com massa de restauro, elas fizeram retoques nas áreas reparadas. As tochas de prata, que estavam enegrecidas, foram tratadas pelo método de eletrolise e voltaram a reluzir.

No centro de uma das salas da exposição, o visitante se depara com o forro em tábua corrida de uma capela do século XVII com a representação de Nossa Senhora do Livramento ao centro. Essa peça também precisou da intervenção das restauradoras. Estava ameaçado por fungos e com a policromia soltando. “A maior dificuldade foi encontrar registros fotográficos dessa peça para restaurá-la de maneira adequada. Mesmo nós que trabalhamos com restauração há um tempo não a conhecíamos. Acabamos encontrando uma referência em um catálogo muito antigo do Palácio dos Bandeirantes”, explica Adriana.

Para recuperar totalmente a peça, que tem grandes dimensões, Adriana estima que levaria pelo menos um ano. Fizeram um trabalho de higienização, combate aos fungos e fixação da policromia, o suficiente para deixá-la em condições de expor. “Apenas com o que fizemos já deu para as cores avivarem, o vermelho e o azul apareceram mais”, diz Adriana.

Com esse trabalho cuidadoso, Adriana e Tatiana contribuíram para o sucesso da exposição, que conta com as mais antigas obras de arte sacra das Américas e foi vista pelo Papa Bento XVI, durante sua passagem por São Paulo, antes de ser aberta ao público. Entre as 200 obras reunidas na mostra, figuram esculturas e imagens sacras em barro e madeira, de autores como Aleijadinho e Francisco Vieira Servas, mobiliário sacro e pratarias.

Ateliê

O ateliê onde as restauradoras trabalham fica em um prédio anexo ao Palácio dos Bandeirantes. A equipe conta com equipamentos fundamentais para realizar o trabalho de restauração dentro de um ateliê. Na mesa térmica adquirida recentemente, por exemplo, é possível fazer reentelamento para dar novo suporte às obras sobre tela. Um compressor para aplicação de verniz também auxilia o trabalho.

Antes de iniciar a restauração, a primeira atividade é fazer a documentação fotográfica e a documentação técnica e, depois, iniciam-se os testes. “Temos uma gama de solventes. Precisamos fazer testes antes de começar qualquer ação. Se uma tela precisa de limpeza, por exemplo, em algumas cores você utiliza um tipo de solvente e em outras não pode usar o mesmo”, esclarece Tatiana.

No Palácio dos Bandeirantes, o acervo está disposto em seus espaços e se mistura com a rotina de funcionários e visitantes. As atividades administrativas convivem harmoniosamente com o caráter histórico das peças expostas. Os espaços abertos, gabinetes e corredores são verdadeiras galerias de arte.

A rotina administrativa é quebrada quando os funcionários percebem o trabalho de restauração. No ano passado, por exemplo, foram três meses de trabalho no painel “São Paulo-Brasil: Criação, Expansão e Desenvolvimento” instalado no hall nobre do Palácio.

Foi preciso recorrer a um andaime para recuperar o painel que tem 16 metros de largura e 4,5 metros de comprimento.  Adriana e Tatiana lembram que muitos funcionários paravam no local para fazer perguntas e observar as atividades delas. O próprio artista, Antonio Henrique Amaral, acompanhou a restauração e aprovou o trabalho realizado.

Com reportagem de Regina Amabile