Arte dentro do sistema prisional promove reeducação e inserção

Sentenciados como a artista plástica Rosângela Lima podem experimentar novas formas de ser e existir em sociedade

qui, 07/03/2019 - 17h23 | Do Portal do Governo

Quem vê a escultura de quase dois metros de altura e com cerca de 250 quilos instalada na porta da entrada da ala Materno-Infantil da Penitenciária Feminina da Capital (PFC) não tem ideia da história de vida da artista plástica responsável pela obra. Rosângela Pereira Lima, sentenciada do sistema prisional paulista desde 2007, é autodidata em escultura com argila e em pintura sobre tela.

A descoberta de suas habilidades aconteceu a partir de um trabalho de restauro de uma garrafa térmica da oficina de trabalho na PFC. A partir disso, a arte voltou a fazer parte de sua vida, trazendo momentos de muita criatividade – assim como em sua infância e juventude.

O desafio da criação da escultura, com a figura de mãe e filho, veio em bom momento. Segundo ela, foram 15 dias de trabalho que exigiram inovação e ousadia. A peça foi criada a partir de uma réplica de aproximadamente 10 centímetros. Entre os materiais utilizados, estavam cimento, areia, ferro e isopor, que ganharam forma nas mãos da artesã, que nem imaginava voltar a criar.

Trajetória artística

Nascida no Paraná, Rosângela revela que teve uma infância livre, em contato com a natureza, e isso sempre a encantou. Quando tinha apenas cinco anos de idade, Rosângela lembra que sua primeira criação retratava o padrasto Zé e o seu cachorro Beck, a partir do barro branco retirado das plantações de arroz da região de Araguaiana, em Mato Grosso. Ela recorda com saudades dessa época de vida simples, porém, de muitas descobertas artísticas e de plena felicidade.

Foi com apoio do padrasto que a artista ousou na criatividade, como incluir cor em suas peças de barro. Começou pelas sementes de urucum para os tons avermelhados, passando pelo pó de carvão para dar efeito envelhecido. A partir daí sua criatividade não teve limites. Chegou até a moldar coxos de barro para os porcos e um ousado projeto de construção da varanda na casa de pau a pique, que levou meses para ser executado pela garota, que tinha 10 anos.

Pintura

Em outra etapa de sua vida, mais uma vez a arte lhe foi generosa. Rosângela lembra que, por problemas de saúde de sua irmã mais nova, a família teve de se mudar para o norte do Estado do Paraná. Foi nas andanças pela nova cidade que a artista descobriu um ateliê de pintura.

Assim, diariamente, ela tirava tempo para admirar a obra da pintora que ficava exposta na vitrine. Na verdade, revela a artista, ficava tentando gravar em sua memória os detalhes para reproduzir no chão de terra na casa que morava.

Não demorou muito, a dona do ateliê notou a presença constante da menina franzina de vestido vermelho e pés no chão. O contato com a artista plástica durou cinco anos. Tempo mais que suficiente para assimilar as várias técnicas de pintura em tela. Ela relata que ainda lembra do conselho da dona do ateliê: “Nunca se esqueça do dom que Deus te deu”, enfatiza.

Mudança de rumo

Para Rosângela, a arte sempre esteve associada à alegria e à liberdade. Contudo, a morte repentina do padrasto mudou radicalmente sua vida. De acordo com ela, sua mãe passou a agir com violência e aos 15 anos a jovem artista abandonou a família para andar pela América Latina em busca de aventura.

Nessa época, para se manter, passou a roubar e aos 19 anos, retornou à família por um tempo para logo mais ganhar a estrada novamente, deixando para trás um casal de filhos, que foram criados por sua mãe. Mesmo nessa fase difícil, a artista dizia que buscava representar na pintura ou na escultura o seu desejo de coisas boas.

“Eu era feliz quando tinha arte na minha vida, mas ela não me dava dinheiro. O crime, sim, porém também trouxe coisas muitas ruins, incluindo a prisão”, desabafa. Por ironia do destino, a arte ressurgiu com força total justamente quando estava no sistema penitenciário paulista.

Hoje, passados 52 anos, Rosângela cumpre pena no regime semiaberto do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de São Miguel Paulista, zona leste da cidade de São Paulo, desde março de 2018. E a arte continua presente, mas dessa vez por meio dos trabalhos desenvolvidos na oficina da Daspre, da Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” (Funap).

O secretário de Administração Penitenciária, Coronel Nivaldo Restivo, acredita que histórias como a de Rosângela podem transformar os indivíduos em suas novas jornadas fora do sistema prisional. “O Estado tem à disposição uma mão de obra qualificada. E oferecemos uma oportunidade para que esses reeducandos, no término do cumprimento da pena, saiam em liberdade com uma qualificação e não retornem mais ao sistema prisional”, declara.