Unesp guarda documentos sobre a luta das mulheres na ditadura

Documentação pode ser vista no Centro de Documentação e Memória, localizado na Praça da Sé

dom, 11/04/2010 - 15h00 | Do Portal do Governo

A participação da mulher em movimentos de resistência à ditadura militar no Brasil ainda é pouco pesquisada. Pouca gente conhece, por exemplo, os clubes de mães da Zona Sul Paulistana, berço do Movimento do Custo de Vida que, em 1978, enfrentou a repressão policial na Praça de Sé, em São Paulo. Quem quiser tomar contato com esse tema deve ir ao Centro de Documentação e Memória da Unesp (Cedem), também na Praça da Sé, no centro da capital, onde estão conservados e catalogados documentos da época.

Ao longo de parte do período em que o Brasil foi governado por militares, esses grupos de mães, surgidos do trabalho comunitário de algumas paróquias da Igreja Católica, deram origem ou engrossaram movimentos reivindicatórios por melhoria na periferia paulistana. No começo, discutiam problema de relacionamento familiar. Com o tempo passaram a se organizar para cobrar das autoridades solução para a falta de infraestrutura nos bairros, para a inexistência de escola, transporte coletivo precário e assistência médica insuficiente.

A documentação arquivada no Cedem está relacionada a grupos que existiram na região de Vila Remo, na zona sul da capital, alguns dos mais ativos, e sua inserção nos movimentos sociais da época. O acervo dos clubes de mães mantido pelo Cedem é composto de panfletos, atas de assembleia, cartas, levantamento de preço, abaixo-assinados, preparação de aula, recortes de jornal, fotografias, livro, cartazes e outros materiais.

“É um patrimônio do qual podemos resgatar parte da memória da resistência à ditadura militar”, comenta Jacyr Barletta, pesquisadora do Cedem e responsável pelo processamento dos documentos. Uma dessas memórias está ligada à alta inflação da década de 1970, ao arrocho da política econômica e seu efeito sobre o salário. As mulheres dos clubes de mães fizeram pesquisas nos bairros, mostrando o alto preço do alimento e a miséria das famílias e organizaram o Movimento do Custo de Vida, que foi muito ativo de 1974 a 1978.

Igreja Católica

“A participação feminina foi importante na elaboração de abaixo-assinado, discussão na praça pública e manifestações reunindo mais de cinco mil pessoas reprimidas pela tropa de choque da polícia”, afirma a jornalista Jô Azevedo, pesquisadora associada ao Cedem.

Com cerca de 20 mil pessoas, a assembleia de 1978 – para a entrega simbólica ao Governo do abaixo-assinado de 1,3 assinaturas – mostrava o descompasso entre o custo dos produtos básicos e o salário. À frente da Igreja Católica, o cardeal D. Paulo Evaristo Arns apoiava a movimentação, que contava com o apoio de amplos setores da sociedade e políticos da oposição.

Em 10 de setembro daquele ano, membros do Movimento do Custo de Vida, entre eles integrantes dos clubes de mães como Ana Maria do Carmo Dias, esposa de Santo Dias (operário assassinado pela repressão em 1979), foram à Brasília entregar o abaixo-assinado. A comissão, no entanto, não foi recebida pelo então presidente do Brasil Ernesto Geisel.

Toda essa memória, inclusive a gravação de depoimento de mulheres dos clubes de mães da Zona Sul, será tema de livro-reportagem, a ser organizado pela jornalista Jô Azevedo, também pesquisadora associada do Laboratório de Estudos e Intervenção em Ecopolítica (Leie) do Centro de Estudos Ambientais do Câmpus de Rio Claro da Unesp. O projeto tem previsão de lançamento para 2011. Jô também é uma das autoras do livro Santo Dias: quando o passado se transforma em história (Editora Cortez, 2004), escrito em parceria com Luciana Dias e Nair Benedicto.

Da Agência Imprensa Oficial e da Unesp