“Filho, independente do que você pensa agora, pare e reflita: Deus ama você!”. Essa frase do capelão-chefe César Chamlet ao sargento José* fez com que ele mudasse os seus planos e pedisse ajuda ao serviço psicológico da instituição. Na ocasião, passando por uma séria crise conjugal, o policial militar estava decidido a dar fim à sua vida. Hoje, vive bem com os filhos e não guarda mágoa da ex-esposa.
Essa e outras histórias de dramas pessoais ocorrem todos os dias na Polícia Militar do Estado de São Paulo e na Polícia Civil. “A população imagina que o policial é um super-herói. Ele absorve essa imagem e não pede auxílio porque pensa que é sinal de fraqueza”, explica o major Alexandre Terra, vice-presidente da Associação PMs de Cristo.
Tanto a Polícia Militar como a Civil oferece serviços de psicologia, psiquiatria e assistência social, mas a maioria do contingente não os procura por vergonha. Prefere enfrentar calada os problemas pessoais – depressão, relacionamento conjugal, crise profissional e financeira. Mas essa situação tem se alterado com a criação há 15 anos da Associação PMs de Cristo. “Eles sentem-se seguros e confortáveis quando um dos nossos voluntários disponibiliza seu tempo para conversar. Em poucos minutos, esses homens e mulheres têm suas vidas transformadas”, assegura o capitão Alberto Tamashiro, da Força Tática do 11º Batalhão da capital.
De acordo com o oficial e os voluntários, o trabalho realizado pela associação faz com que o policial se sinta valorizado como ser humano e profissional. “Ele aprende a não ter vergonha ao pedir ajuda quando necessário. E o mais importante: resgata valores que aprendeu no lar e perdeu ao conviver diariamente com a violência”, argumenta Chamlet, capelão-chefe.
Por meio da Ronda da Valorização da Vida (Ronda Missionária), capelães voluntários realizam visitas às unidades policiais prestando apoio e socorro aos profissionais com problemas pessoais, inclusive aos internos no Hospital da Polícia Militar e do Presídio Romão Gomes. No hospital, cerca de 20 voluntários trabalham no projeto. “Cada Batalhão tem um líder e dois voluntários. Além de conversarmos com os policiais, muitas vezes falamos também com as famílias e, graças a Deus, temos salvado muitos casamentos e vidas”, afirma o capelão Leonardo Klemm.
Atualmente, 1,5 mil policiais militares são membros da Associação PMs de Cristo. De acordo com o major Terra, foram doadas 20 mil bíblias aos policiais interessados.
“Não convertemos. Aqui, todos são iguais, não importa a convicção religiosa: espírita, católica ou qualquer outra. Recebemos todos bem, porque nossa missão é ajudar o nosso colega militar”, informa o capelão Leonardo.
Monografia
O capitão Tamashiro confirma as declarações do capelão Klemm. O oficial é católico e observou que os profissionais que desabafavam tinham melhora significativa no dia-a-dia e no trato com os colegas, familiares e população. O resultado dessas observações transformou-se na monografia O diálogo de segurança na melhoria do serviço da PM. O trabalho foi escrito para a conclusão de curso para promoção a major. “Busquei na pesquisa unir a parte teórica com a prática. Em minhas observações à frente de 180 homens que trabalham comigo, descobri que um minuto de ajuda não atrapalha o serviço. Quando percebo que o problema está fora do meu alcance, encaminho o profissional para os PMs de Cristo”.
Início
A Associação PMs de Cristo nasceu na Academia de Polícia Militar do Barro Branco, em São Paulo. Ali, durante alguns anos, policiais militares sentindo a necessidade de compartilhar suas dificuldades e experiências pessoais com Deus, começaram a se reunir semanalmente.
Em 1992, cerca de 40 PMs, oriundos de várias religiões ou ceitas, se uniram para oficialmente fundar a Associação dos Policiais Militares Evangélicos do Estado de São Paulo”. A associação foi criada com o objetivo de prestar assistência espiritual, psicológica e social aos policiais, levando a palavra de Jesus Cristo e esperança e trabalhando na restauração de vidas e reconstrução de famílias.
Vitória
A primeira Ronda da Valorização da Vida ocorreu em 2003, no 7º Batalhão, na região central da capital. “Na ocasião, conseguimos o livramento de um suicida”, recorda o capelão-chefe Kelmann. O trabalho de ajuda humanitária deu tão certo que a associação conquistou o respeito e o reconhecimento do Comando da Polícia Militar e das lideranças religiosas e seculares.
Em 2003, foi homenageada na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo com a Medalha Mérito Comunitário da Polícia Militar. Em maio desse ano, deu um passo importante: lançou o livro Com o sacrifício da própria vida – uma abordagem empolgante e ousada da nobre e divina missão de ser policial.
A obra, de 128 páginas, organizada pelo major Alexandre Marcondes Terra e por Miguel Adailton da Silva, além de mostrar a outra face da vida policial, desconhecida pela maioria das pessoas, apresenta reflexões cristãs e 14 depoimentos empolgantes e ousados de policiais militares e civis, dos quais dois oficiais, ex-integrantes da tropa de elite de São Paulo – Ronda Extensiva Tobias de Aguiar (Rota).
Destacam-se também duas experiências vividas durante os ataques de organizações criminosas em maio de 2006. Uma delas no trágico Dia das Mães daquele ano.
Todo o dinheiro adquirido com a venda do livro e revertido integralmente para o projeto Valorização do policial e sua família, que visa a melhorar a auto-estima do policial e ampará-lo em seus conflitos pessoais e profissionais. “Na primeira edição foram publicados 5 mil livros, dos quais 3 mil foram doados”, informa o major Terra.
Bíblia como escudo
“Chamamos a Bíblia de Manual de Qualidade de Vida”, diz o tenente-coronel Osvaldo Sorge, também comandante do 18º BPMM da capital. Evangélico há dez anos, garante que a ajuda dos PMs de Cristo é sempre bem-vinda. “Estou à frente de 980 profissionais e é difícil tomar atitudes drásticas como dispensar um policial, por exemplo. É importante o apoio de Deus e de profissionais como eles para ter melhor discernimento”.
Discernimento e fé são palavras que fazem parte do vocabulário do comandante. “Sem a palavra de Deus na minha vida, não teria sobrevivido a um ataque de fuzil. Minha equipe enfrentou 13 tiros. As balas que vieram em minha direção não ultrapassaram o pára-brisa do carro. Foi um livramento. Glória a Deus”, afirma Sorge.
Com o aval do comando-geral e do governo estadual, os PMs de Cristo realizam o trabalho espiritual no 18º Batalhão, particularmente na 1ª Companhia. São feitas três visitas por semana por quatro capelães. Juércio de Oliveira e José Thadeu de Oliveira trabalham no 18º BPMM. “Dentro de dois meses estamos formando novos 60 capelães que sairão daqui aptos para ministrar a palavra de Deus a 400 companhias da PM”, informa o capelão Juércio.
Para o cabo Ananias Bonfim, do 18º BPMM, a ajuda dos PMs de Cristo veio em boa hora. “No ano passado, minha irmã recebeu o diagnóstico de um câncer. Quando o estado de saúde dela se agravou, pedi que fossem à minha casa ministrar a palavra aos meus familiares. Quando ela veio a falecer, tive a força de Deus e a palavra dos PMs de Cristo me consolando”, finaliza.
(*) Nome fictício para preservar a identidade do entrevistado
Maria Lúcia Zanelli, da Agência Imprensa Oficial
C.C.