Em Diadema, programa conscientiza homens sobre violência

Projeto pioneiro da Delegacia da Mulher oferece encontros voltados para mudança de comportamentos agressivos e machistas

sáb, 21/04/2018 - 16h41 | Do Portal do Governo

Punição nem sempre é solução. Cada vez mais, diálogos vêm se mostrando armas potentes de combate à violência e, em muitos casos, capazes de transformar diversas vidas. Por isso, um programa de conscientização que prioriza fundamentos como estes está no caminho efetivo da promoção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Quando o assunto é violência de gênero, por exemplo, o Brasil ocupa o 5º lugar entre os países que mais matam mulheres no mundo. Somente no Estado de São Paulo, foram registradas mais de 280 tentativas de feminicídios em 2017, segundo dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública.

Nesse cenário, a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) do município de Diadema lançou, em 2015, um programa pioneiro que ajudasse na redução desses números. O diálogo com os membros da família se tornou fundamental para acabar com o ciclo de violência. Nada mais justo, portanto, que o foco seja no comportamento e atitudes do agressor.

Através do “Homem Sim Consciente Também”, a unidade oferece respaldo e suporte a homens que possuem caráter violento. Um trabalho que independe do inquérito policial e tem como objetivo assegurar a diminuição da violência contra a mulher em ambiente familiar e na sociedade em geral.

São realizados seis encontros a cada 15 dias durante cerca de três meses e meio. A Delegacia oferece, durante as reuniões, uma abordagem multiprofissional para em média 15 participantes por temporada. Além do respaldo jurídico, a equipe é formada por assistentes sociais, psicólogos e outras áreas vinculadas ao combate à violência.

Abordagem

Uma vez que o programa dispensa o registro de Boletim de Ocorrência ou histórico de agressão, ele não é obrigatório e qualquer homem que se enquadre em perfis agressivos pode participar.

A delegada da DDM, Renata Cruppi, foi responsável pela instalação do programa na unidade. Ela explica que a ideia de criar um programa voluntário é promover o autoconhecimento do homem, para que ele enfrente a violência, os preconceitos e, sobretudo, o machismo.

“Antes de tudo, ele precisa se conhecer como indivíduo, compreender de que maneira ele pode contribuir para a sociedade e como abandonar aquele pensamento de ‘o que outros vão pensar de mim’. Essa cultura de que a mulher tem que ser submissa e vulnerável tem que ser quebrada. Por isso, damos orientações para que ele a veja não como uma concorrente e sim como uma parceira”, explica.

A violência não resolve o conflito

O programa visa ampliar políticas públicas e demonstrar que os homens precisam de fortalecimento, direcionamento e conscientização. Com esse trabalho, é possível promover uma relação familiar mais harmônica e envolver todos os membros para o centro da discussão.

“É um processo mútuo. Nós falamos e oferecemos caminhos e eles também desabafam e compartilham suas histórias. Como eles não são obrigados a participar, esse convite já é uma quebra de resistência inicial. Quebrar essa barreira já é um bom sinal para mudanças”, comenta Cruppi.

Mesmo assim, como é de se esperar, muitos integrantes têm um pouco de receio de participar do primeiro encontro. Somente após o segundo eles começam a entender a importância de estar ali ao lado de pessoas com trajetórias semelhantes.

“A ideia é focar no homem e não nas mulheres. O encontro é de fato para que eles possam mostrar fraquezas, sensibilidades e dar existência para o outro. Não adianta você culpabilizar uma pessoa sem que você conscientize e mostre caminhos alternativos”, afirma a psicóloga da DDM Diadema e coordenadora das turmas, Ágnes Fortunato de Torre.

Evitar uma agressão?

O “Homem Sim Consciente Também” não aborda questões de como não ser condenado, ou então, como evitar que as mulheres registrem um inquérito contra a sua pessoa. O intuito, desse modo, é agir antes que aconteça algo pior. Para a psicóloga, ele “planta uma semente” na cabeça de cada um e deixa que eles percebam como agir dentro da família e da sociedade.

“Muitos deles não têm essa percepção de que eles precisam de cuidados. Logo, é necessário quebrar o pensamento do ‘eu não preciso me cuidar porque sou homem e sou forte'”, completa.

Outro ponto que a delegada levanta é que esse comportamento pode estar associado a eventos passados. “Às vezes, ele não consegue dar amor porque ele nunca recebeu amor. Percebe-se os equívocos de pensamentos porque muitas vezes ele foi ensinado assim. Ele vai começar uma mudança quando for acolhido de forma positiva e não impositiva”, conta Cruppi.

Compreender o comportamento

Para que essas sementes aflorem na cabeça de cada homem, o programa oferece abordagens bastante distintas sobre o assunto. Uma das palestrantes dos encontros é a veterinária Luciana Vargas, que participou de uma reunião no mês de março.

Por mais que pareça estranho, uma especialista em saúde dos animais também pode contribuir para mudança desses pensamentos e comportamentos violentos. Segundo ela, a violência doméstica também está associada a crueldade com os animais.

“Comecei a fazer a coleta de dados com as mulheres da DDM de Diadema. Eu perguntava se elas presenciavam agressão aos animais por parte de seus companheiros. Isso porque animais podem ser sentinelas de uma violência doméstica. Muitas vezes, ele agride um cachorro ou um gato como uma forma de coagir a mulher. Em alguns casos, eles até chegam a ameaçar: ‘você é a próxima’”, explica a especialista.

Vargas também comentou sobre estudos comprovados que pessoas com comportamento violento podem ser identificadas logo na infância. “Isso é um dos meus focos de trabalho e o que eu tento passar a esses participantes. Crianças que maltratam animais podem desenvolvem um caráter agressivo quando adultos”.

Mudança de vida

Robson Matias tem 43 anos e é vigilante em uma empresa. Ele conta que teve um relacionamento conturbado com a sua ex-mulher e chegou a denegri-la nas redes sociais. A esposa, com receio dos desdobramentos do caso, registrou queixa contra o marido, que então foi convidado a participar do programa.

“Eu mesmo me prontifiquei e fui à Delegacia. Eu fui nas primeiras reuniões pensando em mudar para saber o que eu estava fazendo de errado. Hoje em dia eu tenho outra cabeça em relação a posição da mulher na sociedade”, revela.

Robson participou do “Homem Sim Consciente Também” no primeiro semestre de 2017. Ele ressalta a qualidade do programa e fala que a DDM está de portas abertas sempre que quiser conversar e pedir conselhos, mesmo depois que retirou o certificado do curso.

Ele é só um dos mais de 200 homens que já participaram do projeto. Sem dúvida, essa é uma forma consciente de combater uma realidade ainda muito preocupante, já que quanto mais diálogo, menos desentendimento. Por meio do programa, a ideia é reduzir ou pelo menos permitir que o número de feminicídios deixe de crescer em Diadema, São Paulo e no resto do mundo.