USP traz de volta ao país nova geração de doutores

Valor Econômico - Segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

seg, 17/12/2007 - 14h36 | Do Portal do Governo

Valor Econômico

A preocupação com a retenção de talentos e com os processos de sucessão chegou à academia. Preocupada com a substituição de 25 de seus 70 professores nos próximos anos, o departamento de economia da Universidade de São Paulo (USP) criou o programa “Jovens Doutores”. O objetivo é fisgar talentos brasileiros nas melhores universidades do mundo e convence-los a fazer o caminho de volta.

O Brasil ainda forma poucos doutores comparado a países como Estados Unidos, Coréia e China. Apesar do número de formandos ter crescido 10 vezes entre 1980 a 2006, passando de 1000 para 10 mil ao ano, o país ainda precisaria de muito mais doutores para chegar perto dos mais desenvolvidos. Já o número de mestres formados anualmente chega a 40 mil, segundo dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Também é pouco. A questão é que boa parte desse grupo arruma as malas após a formatura e sai em busca de boas oportunidades acadêmicas no exterior, onde as carreiras de professor e pesquisador são mais valorizadas e melhor remuneradas.

Com esse programa, inédito no país, mas comum nas melhores universidades estrangeiras, o departamento de economia da USP quer mostrar que existe espaço para os talentos brasileiros desenvolverem seus trabalhos aqui. Com a chegada desses jovens, oito até o momento, a universidade pretende oxigenar as pesquisas e aos poucos renovar seu quadro de docentes. O chefe do departamento de economia, professor Joaquim Guilhoto, explica que para atrair essa primeira turma formada em universidades renomadas como Chicago, Cambridge, UCLA, Princeton e Boston, precisou contar com o apoio financeiro da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Cada doutor custa, mensalmente, cerca de R$ 10 mil para a fundação, o que contabilizou este ano um investimento superior a R$ 700 mil. Mas, a partir de janeiro terá início uma campanha para captar recursos também junto às empresas. Serão oferecidos vários tipos de patrocínio, que poderão variar entre R$ 10 mil até R$ 360 mil, quando a companhia decidir patrocinar um doutor durante os três anos de duração do programa.

Durante o “Jovens Doutores”, os participantes deverão dedicar-se à pesquisa e à orientação de alunos do mestrado e doutorado. Eventualmente, poderão também dar aulas. Guilhoto diz que quando um dos professores do departamento se aposenta, existe um longo hiato até que o concurso público seja aberto, sua vaga disponibilizada e a contratação efetivada. “Isso pode demorar um ano ou mais”, conta. Com o “Jovens Doutores” ele quer garantir que quando surge uma oportunidade esses jovens estão por perto. “É uma questão de ‘timing'”, justifica.

Levando em conta que o salário de um professor titular, em universidades federais, com dedicação exclusiva e doutorado, gira em torno de R$ 7,3 mil no país, a nova geração de economistas já começa com uma remuneração acima da média. Mas Guilhoto enfatiza: “O que eles trazem na bagagem não tem preço”. Para os jovens doutores, entretanto, o salário não é o maior atrativo. “Quando recebi o convite estava empregado como professor na universidade de Chicago ganhando mais”, conta Marcos Rangel, 32 anos, doutor pela Universidade da Califórnia. “O que me fez voltar foi a qualidade de vida e a oportunidade de me dedicar a pesquisas relevantes”, explica.

O aquecido mercado financeiro tanto no Brasil como nos grandes mercados como o americano e o europeu também poderia absorver esses talentos com salários mais polpudos. A questão é que para esse grupo, o estudo está em primeiro lugar. “As oportunidades sempre foram grandes para todos nós, em algum ponto da carreira alguém pensou: ‘puxa aquele colega da graduação está ganhando muito e eu podia estar recebendo isso ou mais’. Mas estudar foi uma preferência lá atrás e continua sendo hoje”, diz Ricardo Avelino, 30 anos, doutorado pela Universidade de Chicago. “Num banco de investimentos estaria rico, mas não tão feliz”, enfatiza Gabriel Madeira, 35 anos, doutorado pela universidade de Chicago.

Para a maioria dos escolhidos pelo programa o fato de estar numa universidade brasileira ajuda a dar mais visibilidade aos seus estudos. Nas americanas, eles dizem que eram bem-vindos por representarem a tão almejada diversidade junto com chineses, indianos, entre outros. Apesar disso, como a produção intelectual na academia nos EUA é grande, era mais difícil para esses talentos brasileiros darem visibilidade às suas pesquisas. “Lá eles podem se dar ao luxo de pesquisar coisas que não são tão relevantes para a política econômica, que não tem aplicabilidade”, diz Mauro Rodrigues, 31 anos, doutor pela UCLA, professor recém concursado pela FEA-USP. “Em países em desenvolvimento como o Brasil, o direcionamento das pesquisas pode ser diferente”.

Os doutores acreditam que a chamada “escassez de cérebros” no Brasil também cria uma oportunidade de interação maior da academia com a iniciativa privada e com o próprio governo. Fernando Botelho, 31 anos, doutorado em Princeton, e Ricardo Madeira, 31 anos, doutorado na universidade de Boston, já deram o primeiro passo nesse sentido. Os dois conseguiram aprovar um financiamento junto ao Ministério da Educação para trabalhar em três projetos sobre a qualidade da educação no país. Botelho voltou ao Brasil há um ano através do “Jovens Doutores” e Madeira foi resgatado há apenas três meses. “Ter a chancela do ministério é um marco importante para nós”, diz Botelho.

O Brasil está hoje na 15º posição na lista dos países que mais publicam artigos científicos no mundo. Em 2006, foram quase 17 mil, o que significa 7% a mais que no ano anterior. Mas este número ainda simboliza apenas 1,92% da produção global. “Queremos com programas como esse incrementar essa produção”, diz Guilhoto. E se depender do ânimo dessa seleta turma, que adora estudar, muitas pesquisas ainda poderão ajudar a mudar o rumo da política econômica brasileira. “A energia deles contaminou nosso departamento”, comemora o professor.