USP Leste escreve nova história

Folha de S. Paulo - Tendências/Debates - Quinta-feira, 24 de março de 2005

qui, 24/03/2005 - 9h44 | Do Portal do Governo

CELSO DE BARROS GOMES

A USP Leste vem sendo alvo da veiculação de notícias tratando primordialmente de seus aspectos estruturais (infra-estrutura física disponível) e logísticos (condições de acesso, funcionamento e segurança). Nada a objetar, uma vez que a nova instituição de ensino e pesquisa da universidade, que reúne cursos das áreas de artes, ciências e humanidades, está inserida numa região carente de maiores facilidades operacionais, disso resultando questionamentos que vão de sua localização até a conveniência de sua instalação.

Aspectos relevantes que adviriam dessa implantação vêm sendo pouco ventilados, não obstante representem os pilares do projeto em questão, entre os quais estão: a expansão do número de vagas no vestibular 2005 para a USP – 1.020, das quais 420 no período noturno, correspondendo a um crescimento de 12% em relação às vagas oferecidas em 2004: de 8.547 para 9.567 -; a abertura de possibilidades para uma ação efetiva de inclusão social, respeitada a meritocracia; levar o ensino público superior, gratuito, para uma região densamente ocupada e contando com uma população sabidamente pouco favorecida e de baixa renda; e poder contribuir para o seu desenvolvimento socioeconômico e cultural.

Não menos relevante é a perspectiva de desenvolvimento de atividades de extensão com a comunidade, seja pela oferta de cursos e palestras, seja pelas facilidades de acesso criadas a outras instalações da universidade na zona oeste. A atuação do Nasce (Núcleo de Apoio Social, Cultural e Educativo), um órgão funcionando em parceria com o Sebrae e instalado no centro de Ermelino Matarazzo desde abril de 2004, é o primeiro fruto desse trabalho de interação, com retorno altamente positivo.

Ainda que prematuras as conclusões, os resultados alcançados no vestibular são alvissareiros para vários indicadores (egressos da escola pública: USP, 29%, e USP Leste, 47%; etnia: USP, 10%, e USP Leste, 21% de negros; renda familiar até R$ 1.500: USP, 23%, e USP Leste, 39%; residência na zona leste e municípios vizinhos, 42%). Se analisados os candidatos aprovados para os cursos noturnos, verifica-se que a porcentagem dos alunos provenientes da rede pública estadual foi alta, atingindo índices superiores a 80%.

A registrar também que a grande inovação acadêmica trazida pelo projeto USP Leste vinha sendo, até poucos dias, quase que inteiramente ignorada pela mídia.

Felizmente, matérias recentes permitiram colocar em destaque o lado inédito da proposta, materializado não apenas no oferecimento de dez cursos profissionalizantes não-tradicionais, em graduação, a setores da sociedade com grande demanda de material humano especializado mas também no envolvimento do corpo discente em atividades integradas de ensino e de pesquisa. Essa proposta, objetivando uma maior preocupação com a cidadania, com a busca de soluções para os problemas sociais e a maior articulação dos conhecimentos científicos com os interesses da sociedade, reflete a vontade de inovar.

O ciclo básico, ministrado obrigatoriamente para todos os alunos, constitui-se na grande expressão dessa disposição inovadora, traduzida no oferecimento de um elenco de disciplinas de conhecimento geral, sobre temas integrados das artes, das ciências naturais e das humanidades, e de disciplinas mais específicas que, juntas, irão exercer papel ativo no processo de construção do conhecimento. Sua natureza multidisciplinar irá contribuir para o resgate da formação humanística que tão bem marcou a então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
Contudo é importante ressaltar o aspecto do projeto USP Leste enquanto elemento aglutinador do esforço conjunto do corpo docente e técnico-administrativo da universidade.

Sem sombra de dúvida, esse empreendimento constituiu-se na maior ação participativa de toda a história da universidade, envolvendo mais de uma centena de docentes de áreas variadas, além de um grande número de funcionários ao longo dos seus 33 meses de gestação. Assim, por exemplo, o processo de preenchimento das 65 vagas de docente (todas com titulação mínima de doutor e para exercício de atividades, em sua quase totalidade, em regime de dedicação integral) para o primeiro ano de funcionamento da USP Leste recebeu 807 inscrições, para um total de 641 candidatos. Os 31 concursos para a seleção desses professores contaram com a participação de 155 examinadores, sendo 114 do quadro docente da própria universidade.

Ainda com muitas incertezas pela frente, a Universidade de São Paulo cumpre, uma vez mais, o papel histórico de ampliar e descentralizar suas atividades de ensino, pesquisa e prestação de serviços, levando-as porém, nesta oportunidade, para mais perto dos segmentos menos favorecidos da população, com a oferta de cursos profissionalizantes que atendam melhor aos seus interesses, numa ação inovadora que é feita sem nenhuma concessão de comprometimento ao mérito, almejando acima de tudo a promoção da inclusão social.

Celso de Barros Gomes, 69, professor titular do Instituto de Geociências da USP, é o coordenador-geral do Projeto USP Leste.