Uma crise e muitos mitos

Folha de S.Paulo - Quinta-feira, 23 de outubro de 2008

qui, 23/10/2008 - 9h31 | Do Portal do Governo

Uma crise e muitos mitos

SIDNEY BERALDO

Folha de S.Paulo

Em torno da greve na Polícia Civil de São Paulo, têm sido dadas como definitivas afirmações absolutamente equivocadas

EM TORNO da greve na Polícia Civil de São Paulo, têm sido dadas como definitivas afirmações absolutamente equivocadas sobre as questões salariais do setor. Vamos a alguns dos mitos.

1) “Há 14 anos não se dá reajuste para a polícia paulista.” Falso. Desde 1995, o menor salário dos delegados subiu 215% -ou 26% acima da inflação. No caso dos investigadores, o menor salário, no mesmo período, subiu 58% acima da inflação. Em dez anos, o total de salários pagos na segurança subiu 117%; o número de servidores cresceu menos de 13%. Os salários são altos? Não. Tudo o que o governo pode desejar é aumentá-los, em todas as áreas. Mas, para isso, depende da arrecadação.

2) “São Paulo paga o pior salário do Brasil para a Polícia Civil.” Falso. Essa idéia partiu de reportagens que se referiram aos salários de início de carreira, R$ 3.708, pagos a apenas 15 delegados de um total de 3.500. No projeto de lei enviado na segunda-feira à Assembléia Legislativa, esse piso é aumentado para R$ 4.967, com 34% de reajuste. O projeto de lei ainda permitirá a promoção de 1.184 delegados e 16 mil policiais nas demais carreiras. O reajuste linear é de 6,5% no salário base (que inclui aposentados) em 2009 e o mesmo índice em 2010. Na média, um delegado paulista passará a ganhar R$ 8,1 mil em janeiro.

3) “São Paulo é o Estado mais rico do país e deveria pagar os maiores salários.” É um argumento que satisfaz o bom senso, mas violenta os fatos. A receita tributária disponível para o governo do Estado, quando se leva em conta o número de habitantes, é a décima do país. Em São Paulo, o governo federal arrecada 42% dos seus tributos, mas não transfere quase nada de volta, enquanto os Estados menos desenvolvidos recebem transferências elevadas. E, apesar de possuir a décima receita tributária por habitante do país, São Paulo realiza a quarta maior despesa em segurança em relação à sua receita tributária!

Isso mostra o esforço que tem sido feito, aliás, bem recompensado: este é o Estado com a menor taxa de homicídios do país, com nível semelhante ao das nações desenvolvidas. Mais ainda. Nas comparações entre Estados, inclui-se Brasília, mas, ali, quem paga a polícia (e a educação, a saúde e a Justiça) é o governo federal, sem as limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ou o Paraná, onde não há vinculação entre os salários da Polícia Civil e da PM. Em São Paulo, essa vinculação existe, o que evita o descolamento dos salários e, portanto, as distorções.

4) “Os aposentados estão sem reajuste há três anos.” De novo, falso. Este governo começou, no ano passado, a incorporar gratificações ao salário, beneficiando os aposentados, como foi o caso da gratificação por atividade policial -a primeira vez que isso ocorreu na história da Polícia Civil.

No novo projeto de lei, é previsto o acréscimo gradual aos proventos dos aposentados de metade do adicional local de exercício. Além disso, os policiais civis poderão obter aposentadoria especial, como tem a PM, e como reivindicam há tempos.

5) “O governo é intransigente, não negocia.” Mais uma vez, falso. Desde fevereiro, temos participado de seguidas reuniões. Caminhou-se até o ponto em que, em setembro, já com uma greve anunciada pelos sindicatos, o TRT fez uma proposta de conciliação, sumariamente rejeitada. As reivindicações iniciais dos sindicatos implicavam um acréscimo de despesas de R$ 7,9 bilhões (duplicando a folha de salários da segurança), sem mencionar a eleição direta do delegado-geral. As reivindicações mais recentes implicam acréscimos de R$ 3 bilhões, também impossíveis de serem absorvidos. No ano que vem, deduzidas as despesas com salários, dívida com a União, vinculações obrigatórias, R$ 3 bilhões é o total disponível para os gastos de todos os órgãos dependentes do orçamento do Estado.

Considere-se, ainda, a imensa dificuldade de negociação por um motivo simples: são 18 as entidades da Polícia Civil, entre sindicatos e associações, com idéias muito diferentes sobre o que é o mais importante.

Há ainda um mito final, que é o do caráter exclusivamente salarial e profissional do movimento. Não duvidamos que essa fosse, e seja, a intenção da maioria. Mas o resultado foi outro, como a análise dos lamentáveis acontecimentos de quinta-feira passada demonstra. No momento em que o governo materializa o projeto, já anunciado antes, de valorização das carreiras de todas as polícias, que arriscam suas vidas para defender a vida das pessoas, não será melhor substituir o confronto que uns poucos desejam (a turma do quanto pior, melhor, que é pequena, mas barulhenta) pelo diálogo com todos?

SIDNEY BERALDO , 57, graduado em ciências biológicas e administração de empresas, com pós-graduação em gestão empresarial, deputado estadual (PSDB-SP) licenciado, é secretário de Estado de Gestão Pública de São Paulo. Foi presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (2003 a 2005).