Um projeto antidemocrático

O Estado de S.Paulo - Sexta-feira, 25 de maio de 2007

sex, 25/05/2007 - 15h04 | Do Portal do Governo

O Estado de S.Paulo

O que começou como uma estudantada – a ocupação da Reitoria da USP por menos de 300 estudantes – se transformou numa crise que ameaça paralisar as três universidades estaduais paulistas, graças a uma mistura de irresponsabilidade, oportunismo corporativo e inépcia administrativa. A situação pode se agravar ainda mais, se a polícia for obrigada a desocupar o prédio da Reitoria com o uso da força. É mais do que hora, portanto, de todos – estudantes, professores e autoridades estaduais – esfriarem a cabeça, rompendo o impasse através do diálogo, do chamado à razão.

Infelizmente, são muito poucas as possibilidades de que isso ocorra. A direção da USP não teve a necessária habilidade para conter o movimento estudantil dentro de limites razoáveis. Os estudantes, por sua vez, não seguem lideranças claramente definidas, daí terem apresentado reivindicações erráticas e assumido posições cada vez mais intransigentes. Assim, uma manifestação contra os decretos do governador José Serra, que estudantes e professores consideraram, equivocadamente, atentatórios à autonomia universitária, transformou-se num movimento que reivindica desde a construção de novos prédios no campus até o arquivamento de processos administrativos contra estudantes e funcionários.

E, para agravar essa situação, o sindicato dos professores da USP decretou greve por tempo indeterminado. A invasão do prédio da Reitoria havia provocado uma divisão entre os professores. Um número deles, expressivamente maior do que o dos que apoiaram o movimento estudantil, repudiou a invasão. Muitos chegaram a sofrer constrangimentos físicos e morais porque condenaram a violência dos métodos empregados. Na quarta-feira, apenas 241 professores – num total de cerca de 5 mil – compareceram à assembléia que decidiu pela greve. Logo em seguida, os professores da Unesp e da Unicamp aderiram à parede.

As greves nas universidades estaduais – especialmente na USP – acontecem com regularidade gregoriana. Todos os anos, em maio, professores e funcionários se alternam na suspensão das atividades. Trata-se de um caso peculiar, em que a campanha pelo reajuste salarial começa pelo fim, ou seja, pela greve. E os alunos, quando convém a algumas das facções políticas ou ideológicas em que se dividem os militantes, às vezes aderem à greve.

Desta vez foi diferente. Os decretos de criação da Secretaria de Ensino Superior e reforma do Conselho de Reitores datam de 1º de janeiro. No mesmo dia foram contingenciadas verbas. É do começo de março a norma que manda registrar a movimentação financeira das universidades no Siafem. Mas só na segunda metade de maio é que os estudantes resolveram provocar a crise. Foi sopa no mel para os sindicatos de funcionários e de professores.

Toda essa crise nasceu de um equívoco. A autonomia universitária nunca esteve ameaçada pelos decretos que os estudantes e parte dos professores exigem que sejam revogados. As universidades estaduais sempre estiveram ligadas a uma Secretaria de Estado. Antes era a de Planejamento, agora é a de Ensino Superior. A composição do Conselho de Reitores, alterada no primeiro instante, voltou ao que era, para acalmar os ânimos. O contingenciamento de verbas foi efêmero, até a aprovação final do Orçamento. E o registro da execução orçamentária no Siafem, um sistema eletrônico de controle, é o mínimo que se pode esperar de uma gestão responsável de dinheiro público.

Não se pode esquecer que as universidades estaduais são financiadas por 9,57% da arrecadação do ICMS do Estado. Muito menos que são instituições de elite que formam uma privilegiada elite de profissionais – sem que um centavo lhes seja cobrado, tenham eles a origem socioeconômica que tiverem. Por isso, o aumento das despesas das universidades só pode ser feito com o desvio de recursos destinados a atividades que beneficiariam setores mais necessitados da sociedade. Mas isso não está na ordem de preocupação dos militantes. Analisando o que se passa nas universidades estaduais, o professor José Arthur Gianotti, em artigo publicado na Folha de S.Paulo (24/5), faz uma constatação abrumadora: “No fundo, reside um projeto político antidemocrático que ensina alunos, funcionários e professores a desobedecer toda ordem constituída, a não cumprir contratos, a não ter responsabilidade pelo trabalho que deveriam estar desenvolvendo.”